Todo mundo em busca de receitas de pão caseiro para amenizar a quarentena
“Como fazer pão” é, curiosamente, uma das principais perguntas que os brasileiros têm feito ao Google desde o início da pandemia de coronavírus. Listamos algumas dicas para se aventurar na cozinha
O cheirinho do pão recém saído do forno desperta sensações de bem-estar e memórias afetivas pelos quatro cantos do mundo. Talvez por isso, “como fazer pão” seja uma das perguntas que os brasileiros mais têm feito ao Google desde o início do isolamento social para conter a pandemia do coronavírus. O aumento do interesse pela iguaria milenar não é exclusividade do Brasil. Em Portugal, há relatos do sumiço de ingredientes como farinha e fermento de alguns mercados, o mesmo ocorre em algumas partes dos Estados Unidos, sobretudo as que adotaram medidas mais rígidas de quarentena.
A procura por receitas de pão também cresceram na Espanha, um dos países mais afetados pela Covid-19, onde as padarias estão entre os poucos comércios autorizados a funcionar na quarentena. “De alguma forma nos sentimos heroínas, porque somos a normalidade na vida de muitas pessoas. E falo pela maioria dos padeiros artesanais”, disse a padeira de Barcelona Anna Elias à repórter Clara Blanchar.
A quarentena motivou o jornalista e escritor Luiz Américo Camargo, autor do livro Pão Nosso (editora Senac), a criar uma série de áudios especial sobre o tema. “É minha contribuição para ajudar as pessoas a ficarem em casa, neste momento tão difícil. Um podcast de pão", afirmou. Na página do podcast, criado em meados de março, há várias receitas, desde como fazer um pão integral, ao pão de leite, pão pita, pão de azeitonas, entre outros. Também há curiosidades sobre o nosso pãozinho e uma receita de fermento caseiro.
Num momento de tanto estresse e angústia, não surpreende que as buscas na internet sejam justamente por receitas de Comida Afetiva (ou Comfort Food), que são justamente os pratos que nos enchem de saudade e nostalgia e remetem ao que faziam nossas avós, mães, pais... Além do pão, os brasileiros também têm procurado receitas de bolo (o campeão é “como fazer bolo de cenoura”). Já os britânicos, querem reproduzir em casa o tradicional pão de banana, receita que teve um boom de buscas no Reino Unido e foi compartilhada na última semana por vários chefes famosos, como Jamie Oliver.
O fenômeno do interesse pela culinária também se repete nas redes sociais. Chefes de cozinha, famosos e anônimos compartilham seus sucessos assando em casa bolos e tortas, cujo interesse também ganhou fermento ao longo das últimas semanas de confinamento. Palmirinha Onofre, cozinheira mais antiga da televisão brasileira, lembra que, além de boas receitas de pães e bolo, a quarentena exige uma pitada de paciência e perseverança. É dela também uma das sugestões mais práticas e acessíveis: o pão de liquidificador.
E, finalmente, uma receita de pão integral de fermentação natural
*Por Luiz Américo Camargo, um clássico da cozinha, publicada originalmente no El País em 2016
Ingredientes
400 g de farinha de trigo branca200 g de farinha de trigo integral400 ml de água200 g de fermento natural (levain) refrescado12 g de sal
Modo de preparo
1. Numa tigela grande, vamos misturar todos os ingredientes, menos o sal. Primeiro, coloque o fermento natural (recém-alimentado e crescido) e a água, aproveitando para amolecer e dissolver um pouco o fermento, mexendo com uma colher. Aí, vá juntando a farinha aos poucos.
2. Com a farinha agregada, deixe descansar por 20 a 30 minutos. É a chamada autólise.
3. Quando começar a trabalhar a massa, acrescente o sal gradualmente, em pitadas bem espalhadas, até o fim. Use a espátula para mexer bem e raspar o que estiver grudado na borda da tigela.
4. Comece a sovar com as mãos. A massa vai grudar um pouco no começo. Resista à tentação de acrescentar mais farinha. Sove por por 10 minutos, na tigela ou numa bancada levemente enfarinhada, até a massa ficar homogênea, elástica e apenas levemente grudenta.
5. Cubra com um pano e deixe ali, na tigela, dentro do forno apagado, ou num armário. Longe do sol e do vento. Se estiver mais para calor, deixe crescer por 3 a 4 horas. No frio vai demorar uma hora ou duas a mais. Mas não exagere no tempo.
6. Depois das horas de descanso, coloque a massa numa bancada, com um pouco de farinha para não grudar. Estique, abra a massa delicadamente, aperte para redistribuir as bolhas de gás. Dobre a massa como um envelope, feche a emenda. Vire a emenda para baixo e dê ao pão um formato alongado e oval.
7. Pegue uma assadeira antiaderente, ou com tela de silicone, ou coberta por uma camada de farinha, para não grudar. Acomode a massa modelada sobre ela, cubra com um pano. Vai descansar mais uma hora
8. Ligue o forno, temperatura alta, a 220 graus ou mais. Pré-aqueça por meia hora. Se quiser, na parte mais baixa do forno, coloque outra assadeira, para colocar gelo na hora de assar. Ao final desses 30 minutos, é hora de colocar o pão no forno.
9. Com uma faca afiada, ou de serra, ou estilete, faça um corte no pão, imediatamente antes de colocar a assadeira no forno. Borrife um pouco de água sobre o pão, ou coloque uns cubos de gelo sobre a assadeira que está na parte de baixo. Asse por 45 minutos. (Ou asse dentro de uma panela de ferro, pré-aquecida; metade dos 45 com tampa, metade sem tampa, para corar).
10. Tire o pão e coloque sobre uma grelha ou coisa do tipo, para que ele esfrie por cima e por baixo. Espere ficar pelo menos morno, antes de cortar.
Fermento natural
1. Faça um suco de abacaxi, apenas com a fruta, e reserve 60 ml, coados. Separe 50 g de farinha de trigo integral. Misture bem os dois, numa tigela tipo ramequin (que deve ser coberta com um pano) ou num pote de vidro com tampa. Guarde num lugar protegido da luz e do calor. Espere 48 horas (um pouco mais, ou até um pouco menos), até que apareçam as primeiras bolhas. Durante esse período, abra e mexa com colher, duas vezes por dia.
2. Dois dias depois, percebendo que há atividade (bolhas pequenas, e mudança de textura), alimente de novo, desta vez com 20 ml de suco de abacaxi e 30 g de farinha integral. Mexa bem e guarde por mais 48 horas, mexendo uma ou duas vezes por dia.
3. Temos mais bolhas? Então, vamos reforçar a dose de farinha integral, 50 g. E, desta vez, água, filtrada ou mineral, 30 ml. Agregue bem e guarde de novo. O descanso, agora, é de 24h.
4. Se a mistura estiver “ativa”, com textura aerada, alimente com mais 75 g de farinha integral e 30 ml de água. Feche o recipiente e aguarde mais 24h.
5. Com a mistura mais crescida e esponjosa, agora a ideia é descartar parte do quase-fermento: reserve 100 g, doe ou jogue fora o restante. Mude para um pote com tampa, misture os 100g remanescentes com 200 ml de água e 300 g de farinha integral. Espere crescer, entre 4 e 8 horas.
6. Repita a operação: aproveite 100 g, descarte ou doe o resto, alimente de novo com 200 ml de água e 300 de farinha integral. Depois que tiver crescido, leve para a geladeira, para estabilizar. Se a ideia não for usá-lo todo dia, ele deve ser guardado em geladeira, em pote com tampa, para não apodrecer. A alimentação, daqui em diante, será sempre na proporção 1, 2, 3. Por exemplo: se temos 50 g de fermento, somamos ao dobro de água, 100 ml, e ao triplo de farinha integral, 150 g. Não importa a quantidade inicial, basta respeitar as quantidades proporcionais.
7. No dia seguinte, o fermento já pode render pães. Ele deve ser refrescado (isto é, alimentado, com o devido tempo para crescer, de 4 a 8 horas) toda vez que for usado na massa de pão. Lembre-se: parte do fermento vai para a receita; e parte é guardada, para dar origem a novas fornadas. Sendo bem tratado, ele dura indefinidamente.
* Receita inspirada no livro Pão Nosso, de Luiz Américo Camargo.
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