Turismo sente reflexos do óleo no Nordeste, mas impacto é menor que o esperado
46,8% das localidades afetadas ainda têm vestígios da contaminação. Especialistas apontam recuperação mais rápida que a esperada, mas orientam cautela sobre alimentação
Há cerca de cinco meses, um cenário de catástrofe se desenhava no litoral nordestino brasileiro. Quase 1.000 praias, manguezais e rios de 130 cidades brasileiras foram afetados por fragmentos ou manchas de petróleo cru de origem então desconhecida. Acreditava-se que, no verão que se avizinhava, o Produto Interno Bruto (PIB) do Turismo sofreria baixas significativas com uma onda de turistas assustados. Mas o tempo sempre ensolarado e as férias escolares fizeram sua mágica e o cenário catastrófico inicialmente previsto não se concretizou. Secretarias estaduais de turismo da região apontam que o impacto foi pequeno, ainda que trabalhadores do setor relatem baixas, e turistas afirmem ter mudado seu destino.
“A gente vinha com uma crescente nas reservas. Depois da informação das manchas de óleo, tivemos muitos cancelamentos. A gente não está recebendo tanto turista do Sul, como esperávamos. Estamos recebendo mais gente do Nordeste mesmo”, conta o supervisor de reservas do Hotel Pousada Imbassaí, localizado em Mata de São João, a 60 quilômetros de Salvador, que relata ter recebido constantes ligações de turistas preocupados. A 300 quilômetros dali, na praia Barra de Serinhaén, em Ituberá, o derramamento de óleo também teve impactos na atividade hoteleira. O funcionário de uma pousada que preferiu não se identificar disse ao EL PAÍS que as taxas de ocupação estão abaixo do esperado neste verão. “Acho que foi devido à propaganda negativa da televisão. A gente esperava ter 80% de ocupação e não chegamos a 30%. As pessoas ligam perguntando se a praia ainda está contaminada”, conta. Barra de Serinhaén está entre as 225 localidades da Bahia com vestígios de óleo, segundo o último relatório do Ibama, de 8 de janeiro. Mas as manchas espessas de óleo observadas no ano passado já não podem ser vistas na região.
As notícias sobre a aproximação do óleo nas águas do Nordeste em plena chegada do verão foram decisivas para a escolha do destino da recepcionista gaúcha Elaine Schneider, 51. Na areia da Pajuçara, uma das praias mais procuradas pelos turistas em Maceió, ela conta que, primeiramente, havia escolhido Fortaleza para passar uns dias em janeiro. Mas ao saber que a capital do Ceará poderia estar contaminada, mudou o roteiro da viagem. “Um dos motivos que me trouxe para Maceió foi porque vi que aqui estava tranquilo”, diz. Ela afirma que viajou também pelo litoral norte de Alagoas e não encontrou problemas. “Fui para Maragogi e a água estava bem limpa. Não vi nada”. Já a assistente de logística Adriana Pereira, 25, de São José dos Campos (SP), afirma que o óleo não foi uma questão na hora de decidir o destino da viagem. “Quando decidimos vir para cá, já não se falava mais nisso, então foi indiferente essa questão”, diz. De fato, a praia de Pajuçara não está no mapa da contaminação até o momento. Em Alagoas, 62 localidades ainda têm vestígios de óleo enquanto 64 já são consideradas limpas pelo Ibama.
O EL PAÍS procurou as secretarias de Turismo dos nove Estados do Nordeste para saber como a crise do óleo vem impactando no turismo local. Pernambuco, um dos primeiros Estados onde foi detectada a presença de petróleo, enviou dados que mostram uma curva ascendente na ocupação hoteleira. Maranhão, um dos Estados menos afetados pelo derramamento, diz não haver registro de contaminação ou dificuldade de comercialização do pescado, assim como baixas no turismo. Já a Bahia declarou que não houve impacto significativo e que espera crescimento neste verão. Os demais não responderam.
Quase invisíveis
Dados do Governo mostram que, apesar de estarem menos visíveis, as manchas permanecem nas praias nordestinas e continuam aparecendo —as mais recentes no Ceará e do Rio Grande do Norte, em dezembro. O último balanço divulgado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aponta que ainda há vestígios de óleo em 46,8% das localidades afetadas, e especialistas afirmam que a quantidade é tão pequena que já não oferece riscos aos banhistas. Apesar de avaliarem que a recuperação tem sido mais rápida que a prevista, eles ainda orientam cautela quanto ao consumo de peixes e mariscos das regiões afetadas. Se por um lado o Governo brasileiro garante que não há risco no consumo de pescados dessas áreas, não há unanimidade entre os pesquisadores.
“A maioria das praias está livre agora daquelas massas pretas, e isso faz com que a gente fique mais tranquilo em relação aos riscos à saúde. [A limpeza] Foi mais rápida do que imaginávamos”, afirma o médico toxicologista Anthony Wongo, diretor do Centro de Assistência Toxicológica da Universidade de São Paulo. Segundo o relatório mais recente do Ibama, 530 das 997 localidades onde foi detectado óleo estão limpas e 467 ainda têm vestígios de até 10% de contaminação. Depois da retirada de mais de 5.000 toneladas de petróleo e resíduos do litoral brasileiro, já não se vê mais as grandes manchas de óleo como no auge da crise, o que reduz a percepção de risco da população. Ainda assim, há a presença de pequenas partículas de substância cuja remoção é mais difícil. Os danos ambientais e principalmente à fauna ainda devem permanecer durante anos. Uma preocupação que ainda perdura sobre o efeito humano é com relação ao consumo de pescados, que atualmente não estão sob restrição, mas que precisam ser constantemente averiguados.
Diferentes entidades de pesquisa têm realizado exames em pescados e mariscos das áreas com vestígios, tanto nos Estados do Nordeste quanto no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, para verificar a possibilidade de contaminação. O último informe do Ministério da Agricultura, de 29 de novembro, sustenta que o consumo de pescado das áreas afetadas não representa risco à saúde pública. Cita um exame realizado pelo Laboratório Federal de Defesa Agropecuária em Santa Catarina em 66 amostras de peixe, camarão e lagosta, no qual foi encontrado um nível preocupante de contaminação em duas espécies (albacoara branca e budião). Mesmo assim, conforme o órgão, o risco só existiria com o consumo desses pescados durante anos. “Mas isso é algo que precisa ser averiguado outra vez porque eles [pescados] acumulam substâncias nos corpos, então é algo que ainda merece alguma cautela”, pondera Wongo.
A questão é que não há precisão sobre o nível de contaminação após o vazamento de óleo na costa brasileira. Segundo o oceanógrafo Marcos Bernardes, embora muitas iniciativas de pesquisa tenham sido iniciadas por diversas instituições e universidades, falta um monitoramento anterior para uma interpretação mais clara do quanto e de como esse derrame recente afetou a vida marinha e a saúde humana. “Infelizmente, mesmo após desastres ambientais de proporções históricas no Brasil, o monitoramento ambiental no país ainda é muito precário. O mesmo vale para o caso do óleo. Poucos meses e parece que a sociedade brasileira se esqueceu da importância de saber quais os impactos desse derrame inclusive para a saúde humana”, diz.
Bernardes cita que, na Bahia, foi observada contaminação em menos de 10% dos pescados. No entanto, defende que, na ausência de estudos similares anteriores e contínuos, fica difícil se fazer inferências sobre o grau de influência do vazamento recente na qualidade do pescado consumido. “Em diferentes Estados, diversos estudos estão ocorrendo para se ter um monitoramento da situação. Esse tipo de iniciativa deveria ser permanente, uma vez que não podemos nos esquecer que as fontes de poluição são contínuas, em menores quantidades, mas estão no nosso cotidiano e não nos damos conta disso da forma como deveria ser”, afirma.
Bernardes explica que, em princípio, o óleo deve ficar mais concentrado no sedimento e nos organismos marinhos e estuarinos das áreas afetadas e que, na água do mar, a tendência é que o óleo se disperse mais rapidamente. A ausência daquelas manchas espessas de óleo, observadas principalmente entre setembro e novembro, reduziria a percepção de risco. Na Bahia, o Estado que mantém o maior número de localidades com vestígios de óleo, a Secretaria de Turismo reconhece que houve uma “apreensão natural” com a chegada das manchas de óleo nas praias baianas, mas afirma que não houve impacto significativo no turismo. O órgão diz que a expectativa é de que o Estado receba 6,2 milhões de turistas no verão deste ano, 4,5% a mais que no do ano passado.