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Novo Governo ultraconservador da Bolívia procura enterrar herança de Evo Morales

No Gabinete estão políticos como Arturo Murillo, que anunciou a“caça” a um rival. Presidenta interina adverte que Morales enfrentará a justiça caso volte ao país

A presidenta interina da Bolívia, Jeanine Áñez, diante da cúpula militar do país, na quarta-feira.
A presidenta interina da Bolívia, Jeanine Áñez, diante da cúpula militar do país, na quarta-feira. Rodrigo Sura (EFE)

A fase de sucessão de Evo Morales na Bolívia começa em meio a uma profunda, aparentemente insanável, falência política e social. A recém-designada presidenta interina, Jeanine Áñez, nomeou na quarta-feira um Gabinete, ainda incompleto, de nítidas feições conservadoras no qual se destacam férreos opositores do ex-presidente. Prometeu “pacificar” o país e convocar eleições o quanto antes, mas não estabeleceu uma data.

Nesta sexta-feira, Áñez alertou Evo Morales, nesta sexta-feira, de que ele tem contas pendentes nos tribunais e que, se voltar ao país, terá que responder por elas. “Se o presidente Morales voltar, volte, mas ele sabe que também precisa responder com justiça. Acontece que o que vamos exigir é que a justiça boliviana faça o seu trabalho, não que realize uma perseguição política que é o que estamos sofrendo há 14 anos, judicialização da política e politização da justiça ”, acrescentou.

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No entanto, Arturo Murillo, o ministro de Governo, responsável pelas políticas de segurança, estreou no cargo com uma ameaça a um ex-ministro de Evo Morales: “Vamos caçar Juan Ramón Quintana”.

A representante do Movimento Democrata Social (MDS), que assumiu o cargo sem o apoio da maioria do Parlamento, disse na cerimônia de posse de seus 11 primeiros ministros que a equipe encarregada da transição “inclui pessoas conhecedoras e especializadas e em sua maioria de perfil técnico”. Jeanine Áñez, que garantiu o controle da polícia e dos militares com a troca da cúpula das Forças Armadas, afirmou que seu objetivo é “recuperar a institucionalidade e a ordem democrática”.

“Será um mandato de estrita ordem provisória”, prometeu. “A principal tarefa da nossa gestão de Governo será restaurar a paz social, realizar eleições livres e transparentes no prazo mais breve possível e transferir o Governo àqueles que os bolivianos elegerem com plena legalidade e legitimidade democrática”, acrescentou.

Ela e todos os dirigentes que se opuseram a Morales negaram há três dias que a renúncia do primeiro presidente indígena do país tenha sido resultado de um golpe de Estado, embora sua saída tenha ocorrido depois de um pronunciamento do chefe do Exército, que lançou a “sugestão” de que Morales deixasse o cargo. No entanto, do Palácio de Governo Áñez arremeteu contra o ex-presidente, asilado no México, e o qualificou de “caudilho”.

O mais polêmico dos falcões de sua equipe é Arturo Murillo, senador muito próximo de Óscar Ortiz, candidato do MDS nas eleições de 20 de outubro. Murillo é ministro de Governo e suas primeiras palavras foram uma ameaça aos “sediciosos” e em particular a Juan Ramón Quintana, ex-ministro da Presidência, que as novas autoridades consideram o cérebro por trás das fortes mobilizações em El Alto e dos bloqueios de estradas. “Que comecem a correr”, disse Murillo, que quer “caçar” Quintana porque “é um animal que se alimenta do sangue do povo”. “Vamos fazer com que a lei caia com o peso mais forte, que seja totalmente cumprida, vamos nos reunir com o procurador-geral e vamos dizer a ele que apoie a pátria, que apoie o povo da Bolívia”, continuou. “Este não será um ministério de perseguição, absolutamente, será um ministério que ajudará as pessoas e que buscará segurança, mas quem tentar fazer sedição, a partir de amanhã que se cuide”.

Esse político de Cochabamba é conhecido por seus ataques extremados ao Movimento ao Socialismo (MAS) e também contra as causas progressistas, o movimento feminista ou a descriminalização do aborto. “Se quiserem, suicidem-se, mas não matem os outros”, disse ele em uma ocasião referindo-se aos defensores da interrupção da gravidez. Murillo também misturou seus interesses particulares nas primeiras declarações e denunciou que, durante a queda do Governo, os cocaleiros do MAS incendiaram o hotel que possui em Chapare, fazendo fugir sua irmã e os filhos menores desta.

Diante da cruz e da Bíblia

Jerjes Justiniano, o novo ministro da Presidência, tentou reduzir o tom nesta quinta-feira e anunciou uma tentativa de diálogo com o Movimento ao Socialismo, cuja viabilidade ainda está no ar. Para favorecer o clima de negociação com esse partido, que teme uma perseguição, prometeu que não haverá “caça às bruxas”. O MAS, partido do Governo nos últimos 14 anos, recusou-se a apoiar a designação de Áñez, senadora eleita nas fileiras da oposição e segunda vice-presidenta do Senado. Esta assumiu a presidência porque as demais autoridades da linha de sucessão previstas na Constituição haviam renunciado. No entanto, a presidenta do Senado, a socialista Adriana Salvatierra, afirmou continuar anda no cargo porque o Parlamento não debateu nem ratificou sua renúncia.

Áñez contou com o apoio dos poderes fáticos, começando pelo Exército e pelo Tribunal Constitucional, que interpreta que o processo de sucessão não teria por que ser aprovado pela maioria do Senado.

Em seu Gabinete também estará Roxana Lizárraga, a nova ministra da Comunicação, jornalista que se tornou popular acusando o Governo de Morales de ligações com o narcotráfico, com Cuba e com a Venezuela. Começou sua gestão dizendo que o Governo aplicará “todo o peso da lei” contra aqueles que o desestabilizarem e que a imprensa aliada ao MAS deve “mudar de linha” editorial.

A nova ministra das Relações Exteriores, Karen Longaric, é diplomata de carreira e crítica acérrima da política externa do Executivo anterior. Em seu discurso de posse, observou que a Bolívia estava sob ataque do “crime internacional” e insistiu que Morales não foi derrubado por um golpe de Estado.

Mais moderados são os ministros da Economia, Serviços Públicos, Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente, todos dirigentes do MDS, partido da presidenta, cujo líder histórico é Rubén Costas, governador de Santa Cruz.

Luis Fernando Camacho, o dirigente cívico dessa mesma região que liderou os protestos contra Evo Morales, foi recompensado até agora com dois ministérios, o da Presidência e o da Defesa, nos quais figuram dois de seus colaboradores mais próximos. Espera-se que Marco Pumari, líder do comitê cívico de Potosí, cidade que se destacou pelo radicalismo e por contribuir com grupos indígenas à rebelião contra o ex-presidente, seja favorecido com algumas das pastas que ainda precisam ser designadas.

Todos os ministros juraram diante de uma grande cruz e de uma Bíblia, em cumprimento à promessa da “resistência pacífica à ditadura” de “devolver Deus ao Palácio do Governo”.

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