Ceará volta a viver onda de terror com ataques em 23 cidades
Até o momento, 77 ações, como queima de ônibus, foram registradas, a maioria delas em Fortaleza. Atos são atribuídos a um único grupo como represália ao Governo
Oito meses se passaram desde a última onda de terror vivida pelos cearenses. E o pesadelo voltou. Criminosos espalham o pavor pelo Estado há uma semana em ataques que o Governo novamente classifica como represália às mais recentes medidas implementadas no sistema carcerário. Até o momento, 77 ações foram registradas em 23 municípios. A maioria das ocorrências concentra-se na capital, Fortaleza: 41.
Na última quarta-feira, 25 de setembro, um motorista foi queimado vivo dentro de uma caçamba em Maracanaú, uma das maiores cidades do Ceará. A vítima foi impedida de sair do caminhão. Tem queimaduras em metade do corpo e foi encaminhada em estado grave para o Instituto Doutor José Frota (IJF), um dos maiores hospitais do estado e referência em queimados.
Caminhões, ônibus escolares, transportes públicos e até veículos oficiais de empresas foram incendiados. Em uma concessionária localizada na avenida Santos Dumont, principal corredor financeiro de Fortaleza, os bandidos atearam fogo em carros de luxo. O prejuízo supera 1,5 milhão de reais.
Mais de 30 pessoas já foram presas acusadas de envolvimento nesses ataques, que, muito embora sejam orquestrados e ousados, diferem dos registrados no começo do ano por ainda não terem afetado setores essenciais dos grandes centros urbanos, algo visto desde os primeiros dias das ocorrências de janeiro.
Desta vez, até agora, a frota de ônibus foi reduzida em apenas 30% em Fortaleza. A medida teve reflexo mais visível nas regiões periféricas da cidade e é justificada pela Prefeitura como cumprimento de uma orientação do serviço de inteligência das forças de segurança. “Tem ônibus que tá demorando o triplo do tempo pra chegar e tem linha que não passa é de jeito nenhum. Quem mora longe do trabalho tá sofrendo mais do que o normal. Tá difícil. Eu mesma já perdi serviço ontem”, relata a doméstica Maria das Dores Silva, de 42 anos.
Em janeiro, o transporte público de Fortaleza – a quinta capital brasileira em população, com mais de 2,6 milhões de habitantes – parou por completo e o expediente do setor público e da iniciativa privada sofreu fortes alterações numa estratégia de preservação da integridade física dos funcionários. À época, o perigo nas ruas era iminente porque as frentes de ataque eram múltiplas. Ônibus eram invadidos e passageiros expulsos sob ameaças de morte até o veículo ser tomado pelas chamas. Bombas destruíam viadutos e pontes.
Três facções atuavam juntas e modificavam inclusive a rotina nos presídios: Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Guardiões do Estado (GDE). Agora, apenas membros da GDE – facção cuja sede fica em Caucaia, segunda maior cidade do Ceará – executam as ações criminosas e a movimentação nas cadeias é considerada “dentro do previsto”. Tudo isso tendo como pano de fundo um cenário de curva decrescente nos índices de criminalidade no Estado.
Conforme relatório da Secretaria Estadual da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), os assassinatos no Ceará caíram pela metade nos sete primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 1.302 mortes agora contra 2.758 em 2018. Em números absolutos: quase 1.500 ocorrências a menos, com a maior redução registrada em Fortaleza (56,2%).
A situação é inversa ao que se via quando dos ataques do começo do ano – período no qual os chamados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs, notadamente os homicídios dolosos) só despencaram graças a um pacto silencioso entre os grupos rivais, como mostrou o EL PAÍS.
Especialistas em segurança, serviço de inteligência policial e lideranças comunitárias apontam o isolamento da GDE como fruto do reordenamento das forças das duas demais facções. A tese é a de que CV e o PCC por ora redimensionam territórios e só voltam a praticar qualquer ato público após concluído o traçado das novas estratégias.
Na tentativa de enfraquecer os ataques de agora, o Governo transferiu 257 presos que estavam nas cidades de Pacatuba, Quixadá e Aquiraz. Segundo a cúpula da Segurança Pública cearense, eles poderiam influenciar ainda mais as ondas de crimes.
O destino dos transferidos é mantido sob sigilo pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). A pasta, no entanto, já recebeu sinal verde do Ministério da Justiça e Segurança Pública, chefiado por Sérgio Moro, para tirar presos de alta periculosidade do Estado e levar para presídios federais. Vagas já foram disponibilizadas e o Governo local diz que fará uso delas, seguindo recomendação expedida na última segunda-feira (23/9) pelo Ministério Público do Estado (MPCE).
Apesar da conversa do governador Camilo Santana (PT) com Moro, o envio de tropas da Força Nacional para apoiar o esquema repressivo da SSPDS ainda não foi anunciado. Em janeiro e fevereiro, mais de 400 agentes federais desembarcaram no Ceará para combate às facções. Vagas em presídios de segurança máxima também foram oferecidas pelo Ministério da Justiça (e utilizadas pelo Governo cearense, que transferiu pelo menos 20 grandes nomes do crime local).
Em pronunciamento nas redes sociais, Camilo Santana disse que “não vamos arredar um milímetro para combater o crime organizado no Ceará”. E acrescentou: “A possibilidade de regalias no sistema prisional é zero. Nossa determinação é intensificar as operações. Nossas forças policiais têm combatido essas ações e prendido os bandidos. Todos serão presos e punidos dentro da lei.”
Ele determinou a convocação imediata de todos os policiais em gozo de férias ou deslocados para serviços administrativos, e autorizou o aumento de horas extras pra categoria. A ordem do Governo é colocar o máximo possível de agentes em policiamento nas ruas para, conforme destacou a Casa Civil do Estado, “garantir a tranquilidade da população.”
Além de Fortaleza, também tiveram registros de ataques criminosos as cidades cearenses de Aratuba, Baturité, Canindé, Choró, Caririaçu, Caucaia, Eusébio, Ibaretama, Iguatu, Juazeiro do Norte, Jucás, Maracanaú, Maranguape, Pacatuba, Paracuru, Paraipaba, Pindoretama, Quixadá, Quixeramobim, Russas, Tauá e Várzea Alegre.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.