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Exercício extenuante afeta o cérebro e a tomada de decisões

Esgotamento físico provoca comportamento impulsivo e efeitos semelhantes ao sedentarismo

Atleta bebe água durante o ‘Ironman’ em 21 de setembro na Itália.
Atleta bebe água durante o ‘Ironman’ em 21 de setembro na Itália.Bryn Lennon (Getty Images)
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A mente nos engana (e não nos damos conta)

Um total de 19 atletas enfrentou a seguinte pergunta: “O que você prefere, 10 euros agora ou 100 euros dentro de 10 meses?” Responderam de maneira impulsiva que queriam os 10 euros aqui e agora, enquanto a resposta “boa” era a segunda opção. Os atletas tinham terminado um treino extenuante de três semanas. É o que explica Bastien Blain, um dos autores de um estudo publicado nesta quinta-feira na revista Current Biology que destaca o impacto do esporte de alto nível no cérebro de um atleta. Um esportista que se prepara para os próximos Jogos Olímpicos não apenas precisa cuidar do seu corpo, alongá-lo, beber água, comer proteínas e dormir as horas necessárias para obter o melhor desempenho. Seu cérebro também é vítima do exercício. As células do órgão não ficam imunes: a atividade da região responsável pela tomada de decisões diminui e altera o comportamento do atleta.

Pesquisadores do Instituto Nacional do Esporte, Expertise e Performance (INSEP) da França e do Hospital de la Pitié Salpêtrière de Paris, do qual Blain faz parte, comprovaram, graças à atividade de 37 triatletas, que treinar com 40% de intensidade a mais do que a norma usual reprime a atividade do córtex pré-frontal lateral do cérebro, ou seja, o núcleo das tomadas de decisões complexas. Para isso, os cientistas dividiram o grupo de atletas (que estavam em forma e não sofriam de esgotamento prévio) em dois: alguns treinariam em excesso, os outros normalmente. Durante nove semanas, os atletas passaram por diferentes fases, alternando esforço e descanso. Depois do treinamento, executavam diversas tarefas, como memorizar um número de telefone, por exemplo, ou realizar várias atividades sem poder cometer erros: atender a uma chamada, usar o correio eletrônico e escrever em um documento de Word. Os resultados mostram que o grupo que excedeu o esforço recomendado tinha um comportamento mais impulsivo em comparação aos demais. Além disso, a memória foi mais afetada e havia perdido alguma eficiência. Blain não confirma que houve perda de neurônios, mas José Luis Trejo, chefe do Laboratório de Neurogênese Adulta do Instituto Cajal (CSIC), pensa que em circunstâncias extremas de fadiga nasçam menos.

Os danos são pontuais e as células-tronco podem, depois de um descanso adequado, voltar ao trabalho normalmente. Mas os pesquisadores apontam que sofrer esse comportamento e sentir estresse extremo pode levar o atleta a usar métodos ilegais para lutar contra o cansaço físico e mental e evitar depressões.

Sofrer esse comportamento e sentir estresse extremo pode levar o atleta a usar métodos ilegais, como o doping

O estudo foi financiado pela Agência Francesa de Luta contra o Doping (AFLD) porque um dos principais objetivos das análises era entender uma das causas que poderiam levar um atleta a recorrer ao doping. O cientista francês explica que o INSEP já havia analisado o comportamento de seus atletas, mas nunca extraiu resultados confiáveis. Diante desse problema que revela o estudo, Blain reitera que o ser humano não deve mobilizar todos os seus recursos em uma única atividade. “Se o córtex pré-frontal lateral esquerdo [área do cérebro responsável pela tomada de decisões] é afetado, é porque acumula muitos resíduos que o afogam. Em vez de aumentar sua capacidade, o excesso físico a reduz”, conclui. O especialista aconselha que a carga de treinamento deve ser gradual, controlada e razoável para não colocar em risco a saúde mental e cognitiva dos atletas.

Entre as decisões está também saber parar quando o corpo o pede, explica Trejo. No entanto, o estudo revela que, ao praticar exercício extremo prolongado, o atleta enfrenta uma competição consigo mesmo pelo simples fato de ter uma motivação cognitiva. Quer ser o campeão e descansar não está em suas prioridades. O esporte em excesso provoca um efeito estimulante, cria endorfinas e permite suportar fadigas extremas. O ser humano pensa que às vezes vale a pena sofrer. Trejo o compara a um animal: “Se um cervo se cansa ao correr, para e pensa: ‘para que estou correndo?’” O chefe de laboratório inclusive equipara os efeitos do exercício extremo sobre o cérebro aos do sedentarismo. Segundo conta, o estresse reverte o sistema. Todos os benefícios de um exercício moderado são anulados. “É como se o atleta fosse sedentário”, conclui.

Os benefícios do esporte para o cérebro

"É preciso motivar as pessoas a praticar esportes porque a maioria é sedentária e isso também não é bom", afirma Trejo. Não é anódino que todos os médicos e nutricionistas aconselhem desde a infância a prática de uma hora de exercício físico ao menos duas vezes por semana. Os benefícios são variados. A pessoa se sente mais otimista, com uma energia nova e seu estresse se dissipa. Por seu lado, o cérebro é um dos principais premiados pelo esporte. A atividade física é um antidepressivo e "faz com que você fique mais esperto", acrescenta Trejo. O exercício ativa a fabricação de neurônios e o processamento da informação se acelera. Segundo o cientista espanhol, esses benefícios são herdados. "Os filhos de pais que praticam esportes são mais espertos", conclui. Claro, desde que seja um exercício moderado.

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