Após concessão ao etanol dos EUA, indústria de açúcar do Brasil espera fim das barreiras de Trump
Setor sucroalcooleiro aguarda contrapartida a gesto do Governo com o fim de restrições para a importação de açúcar do Brasil. Especialista vê Bolsonaro agindo somente a favor do governo americano
A decisão do Governo Jair Bolsonaro de aumentar de 600 milhões para 750 milhões de litros o volume de etanol que pode entrar no Brasil sem taxação extra de 20% animou parte do setor sucroalcooleiro brasileiro. Dois especialistas e um representante de produtores rurais entendem que essa elevação representa uma sinalização de que o Brasil está disposto a ampliar o seu mercado e que espera uma reciprocidade do Governo Donald Trump com relação à taxação do açúcar. Brasil e Estados Unidos são os principais produtores de etanol do mundo. “Essa mudança não vai criar grandes distorções no mercado, mas condicionar novas conversas a uma efetiva abertura do mercado americano de açúcar. Foi uma solução salomônica. Uma decisão extremamente firme e equilibrada”, afirmou o presidente da União das Indústrias de Cana de Açúcar (Unica), Evandro Gussi.
Na segunda, Trump comemorou a ampliação do mercado brasileiro num tuíte que surpreendeu pela informalidade de um assunto que sempre desperta dúvidas sobre ganhos e perdas para o Brasil. Há quem veja nesta movimentação que o Governo brasileiro está cedendo demasiadamente à gestão Trump sem, por enquanto, ter nada em troca.
O anúncio sobre a ampliação dessa margem ocorreu um dia após o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o assessor internacional do Planalto, Filipe Martins, participarem de reuniões com membros do governo americano. Eduardo deve ser o indicado pelo pai como embaixador do Brasil nos Estados Unidos, embora sua aprovação para o posto depende do aval dos senadores.
Hoje, cerca de 1,6 bilhão de litros de etanol norte-americano entram no Brasil. As indústrias brasileiras produzem cerca de 30 bilhões de litros ao ano, quantidade que deixaria o país autossuficiente, já que o consumo é similar à produção. Ou seja, o uso de etanol de outros países não atinge 5% do que é consumido no país.
A importação, contudo, tem razões mercadológicas. Em determinadas regiões do país, como parte do Norte e do Nordeste, é mais barato usar o etanol importado do que o nacional, devido à logística para o produto chegar a algumas cidades. “Diminui a rentabilidade dos produtores nacionais, mas acho que não há razão para o Brasil temer essa competição com os Estados Unidos”, alertou o economista Edmar de Almeida, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “No fim, quem ganha é o consumidor”, completa.
Ex-presidente da Unica, o professor de agronegócio global do Insper Marcos Jank diz que não faz sentido proteger o etanol e ter tarifas tão baixas para o petróleo e a gasolina. “Se estamos buscando um ambiente mais saudável, com biocombustíveis, temos de reduzir o protecionismo do etanol”. Vendo a decisão do Governo como positiva, Jank ressalta, porém, que é necessário ter um retorno dos americanos. “Espero que seja visto como um sinal para que os americanos compensem o Brasil em um futuro breve na questão do açúcar”.
Pelas contas da Unica, a tonelada do açúcar custa cerca de 266 dólares, mas a tarifa aplicada pelos Estados Unidos é de 339 dólares para cada tonelada que supere a cota anual definida pelo Governo. Por essa razão, o Brasil exporta apenas 150.000 toneladas do produto para o mercado norte-americano, que é o limite permitido sem a aplicação dessa tarifa.
Uma outra frente de negociação, que tanto produtores quanto especialistas esperam que avance, é a que trata do aumento da mistura de etanol na gasolina dos Estados Unidos. Trump anunciou pelo Twitter que pretende aumentar de 10% para 15% o percentual do biocombustível no combustível fóssil. No Brasil, essa mistura chega a 27%.
Caso se concretize, há a possibilidade de o mercado para os brasileiros se ampliar. Ainda mais levando em conta que a produtividade da cana-de-açúcar, a matéria prima do etanol aqui, é quase cinco vezes maior do que a do milho, de onde os americanos extraem seu combustível. “Essa mudança no percentual traria uma demanda de cerca de 25 bilhões de litros a mais de etanol por ano. Duvido que o Trump vá mudar, realmente”, ponderou o professor Jank.
Se entre o setor sucroalcooleiro brasileiro há quem comemore a decisão, nos Estados Unidos uma das associações que representam o setor reclamou da flexibilização feita pela gestão Bolsonaro. Eles queriam a abertura completa, não parcial. “A simbólica elevação da cota não ajuda em nada os consumidores brasileiros que enfrentam preços mais altos de combustíveis por causa da política discriminatória do Brasil”, disse a Renewable Fuels Association (RFA), em nota reproduzida pela agência Reuters.
Outro crítico à abertura do mercado foi o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília. “Para garantir sua indicação à embaixada em Washington, o Eduardo Bolsonaro está mostrando serviço ao Governo americano, mas ele tem de lembrar que quem vota essa indicação são os senadores brasileiros”, analisou.
Recentemente, Eduardo também se envolveu em um tema de extremo interesse da Casa Branca, a compra da Time Warner pela AT&T. O deputado esteve na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para pressionar os seus conselheiros a aprovarem o negócio. Para a venda ser concretizada a Time Warner precisa da autorização dos 18 países onde possui registros, e só o Brasil ainda não a deu. No último dia 22, os conselheiros da Anatel se reuniram, mas não houve um consenso sobre o tema, porque um deles pediu vistas para analisar melhor o processo.
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