Argentina vive sob o temor de uma novo colapso na economia
Favorito nas eleições, presidenciável peronista Alberto Fernández diz que a Argentina está em “moratória virtual”, enquanto os bancos deverão pedir autorização para enviar seus lucros ao exterior. Milhares saem às ruas para protestar
Alberto Fernández, o grande favorito para vencer as eleições presidenciais argentinas em outubro, quebrou o pacto. “A Argentina está em moratória virtual e oculta”, declarou numa entrevista. “Não há quem queira comprar dívida argentina, e não há quem possa pagá-la.” O peronista Fernández se desvinculou do plano de emergência lançado pelo presidente Mauricio Macri, baseado no adiamento do pagamento da dívida, afirmando que os mercados “já sabem como isso vai terminar”. Também qualificou o Fundo Monetário Internacional (FMI) como “corresponsável” pelo desastre. Sem um mínimo consenso político e com uma tempestade financeira que não dá trégua, o fantasma do colapso de 2001 volta a assombrar o país.
As medidas de emergência de Mauricio Macri não funcionam, pelo menos até agora. O adiamento do pagamento da dívida, destinado a tranquilizar o nervosismo financeiro, na verdade teve o efeito contrário. O presidente, fragilizado por sua derrota nas primárias, tenta manter uma aparência de normalidade e até agora tinha se negado a impor controles sobre a compra e a venda de divisas. Mas finalmente precisou ceder. Nesta sexta-feira, o Banco Central determinou que as entidades financeiras devem pedir autorização antes de remeter para o exterior os lucros em dólares gerados na Argentina.
Por enquanto, trata-se de um controle limitado dos bancos, que não afeta empresas ou pessoas físicas que queiram depositar seus dólares fora do país. Mas a medida é radicalmente contrária ao ideário liberal do presidente argentino. Há pouco o próprio Fernández o criticou, dizendo que qualquer controle impediria a saída de dólares, mas também a entrada.
A realidade é que o peso continua se depreciando (na sexta, superou as 61 unidades por dólar), dificultando o pagamento da dívida em dólares e agravando a inflação anual (estimada em 65% por diversos analistas). Cada vez mais vozes exigem controles para conter a hemorragia. A Argentina é um caldeirão de rumores e temores.
A Casa Rosada esperava algum tipo de apoio por parte de Alberto Fernández para ganhar credibilidade ante os investidores internacionais, mas o que chegou foi uma dura desqualificação do dirigente peronista. Em suas declarações ao The Wall Street Journal, Fernández atribuiu toda a responsabilidade a Macri e ao FMI, “que emprestou dinheiro a um gastador compulsivo”. Afirmou que sua política, se ele vencer as eleições de 27 de outubro, seria baseada em “um plano para estimular o consumo” interno e que não pediria permissão ao FMI para aplicá-lo. As palavras de Fernández só podem, no curto prazo, agravar a crise.
O atual mandato de Macri se aproxima do final sob as circunstâncias mais sombrias. Todos os indicadores estão no vermelho. É grande a sensação de que os antigos apoiadores internacionais do presidente o estão abandonando. Seu amigo Donald Trump se mantém em silêncio. E o FMI, que há um ano concedeu à Argentina o maior empréstimo na história da instituição – 57 bilhões de dólares (234 bilhões de reais) –, não parece disposto a continuar desembolsando a ajuda, ao menos até que as eleições esclareçam o panorama político.
O Fundo já não é dirigido por Christine Lagarde, que respaldou profundamente a gestão de Macri. Lagarde está de partida para o Banco Central Europeu, e a opinião na instituição de Washington sobre as perspectivas da economia argentina tendem a ser negativas. O Diretório-Executivo do FMI fez na sexta-feira uma reunião informal para “avaliar a nova situação”, sem divulgar nenhuma conclusão. O termo “default seletivo” usado na quinta-feira pela agência Standard & Poor’s para qualificar a dívida argentina, ainda que provisório, contribuiu para atemorizar os grandes e pequenos investidores.
O Banco Central teve que fazer na sexta três novos leilões de dólares, com um total superior a 300 milhões (1,23 bilhão de reais), e aumentar a taxa anual de juros das Letras de Liquidez (LELIQ) para 85%. Mas o peso continuou perdendo valor. A dívida argentina em dólares, incluindo o título a 100 anos que teve um grande sucesso quando foi emitido, em 2017, é negociada a preço de default. E muitos analistas afirmam que ocorre um fenômeno nunca visto: um Governo, o de Macri, não cumpriu seus compromissos de pagamento em pesos, e não só em dólares, por uma dívida contraída por esse mesmo Governo. Ambas as coisas são novidade.
Os políticos próximos de Macri procuram ser prudentes. O senador radical Julio Cobos, pertencente à aliança macrista, disse confiar que as reservas do Banco Central (56 bilhões de dólares, 10 bilhões a menos que no início de agosto, e em queda) e um adiamento do pagamento da dívida sejam suficientes para evitar a tempestade. Muito duro, porém, foi o empresário Claudio Belocopitt, uma das maiores fortunas da Argentina, que desqualificou a gestão Macri. “Batem todos os recordes de loucura extrema, todas as medidas que tomaram são horríveis”, disse Belocopitt.
A piora da crise aprofunda a polarização que divide o país. Alguns culpam Fernández e sua companheira Cristina Fernández de Kirchner pelo desastre, dizendo que o possível retorno do kirchnerismo ao poder gera temor nos investidores. Outros culpam Macri por tudo. Esquecem que o atual presidente herdou um país sem reservas, com uma alta inflação encoberta e uma taxa de juros artificial, e que o medo do kirchnerismo é real entre os investidores.
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