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Por que o sarampo voltou e já causou três mortes em São Paulo

Em 2016 Brasil foi considerado território livre da doença, que voltou a circular novamente no ano passado no Norte. Neste ano, São Paulo já conta três mortos, entre eles dois bebês

Médica aplica injeção contra o sarampo em São Paulo.
Médica aplica injeção contra o sarampo em São Paulo.Fernando Bizerra Jr. (EFE)
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Em setembro de 2016 o Brasil comemorava a eliminação do sarampo em seu território, segundo atestava um certificado entregue pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que declarava a região das Américas a primeira zona livre da doença em todo o mundo. Três anos depois, a enfermidade disparou alarmes na maior cidade brasileira. No Estado de São Paulo, o maior atingido neste ano,  2.457 pessoas já adoeceram e três morreram (entre elas dois bebês, confirmados nesta sexta-feira, 30 de agosto), isso após um enorme surto com mais de 10.302 casos e 12 óbitos ter atingido com força o país, especialmente a região Norte, entre o início de 2018 e o de 2019. Os surtos recentes de sarampo fizeram o Brasil perder a certificação dada pela OPAS. Uma mudança radical em pouco tempo, que se relaciona com o sucesso —e a posterior falha— nos níveis de imunização do país.

O sarampo é uma doença causada por um vírus, transmitido quando alguém doente tosse, fala, espirra ou respira perto de outras pessoas. Tem sintomas similares ao de enfermidades respiratórias: febre com tosse, irritação nos olhos, nariz escorrendo ou entupido e mal-estar intenso. Cerca de três a cinco dias depois, podem aparecer outros sinais, como manchas vermelhas no rosto e atrás das orelhas, que se espalham pelo corpo. A doença pode ser mais grave em crianças menores de cinco anos e pessoas desnutridas ou com o sistema imunológico enfraquecido. A forma eficaz de evitá-la é por meio da vacina tríplice viral, que além do sarampo, protege contra a caxumba e a rubéola. Desde 2004, recomenda-se duas doses desta vacina.

Erradicado do território brasileiro por conta das boas taxas de vacinação do passado, o vírus pouco circulou no país nos últimos anos, deixando de entrar em contato com gerações inteiras. Sem o alarme que a doença provocava antes da década de 1980, quando a vacinação começou a ser aplicada, baixou-se a guarda. E as taxas de imunização caíram. O resultado é que o sarampo chegou ao Brasil e menos gente do que deveria estava protegida. O frágil equilíbrio epidemiológico foi rompido, uma história que se repete em vários outros países, conforme alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A a OPAS já considera esta a pior onda mundial de surtos de sarampo desde 2006.

O vírus que chegou à região Norte do Brasil no ano passado tinha as mesmas características daquele que circulava pela Venezuela desde julho de 2017. Amazonas, onde os últimos casos da doença haviam sido registrados em 2000, foi o Estado mais afetado na ocasião, com 9.803 casos confirmados até janeiro deste ano, segundo o Ministério da Saúde. Roraima veio em seguida, com 355 infectados. Entre o começo de janeiro e 28 de junho de 2019, o Brasil havia confirmado 142 casos de sarampo. Em seguida, o vírus recomeçou a circular com força. O deste ano, entretanto, é distinto: entrou no Brasil por meio de viajantes infectados vindos de Israel, Malta e Noruega. Chegou a 13 Estados brasileiros, mas concentra-se mais em São Paulo, onde foram confirmados 98% do total de casos do país —o Ministério da Saúde contabiliza até 24 de agosto, 2.331 casos no território brasileiro, sendo 2.299 em São Paulo; a Secretaria Estadual da Saúde já contabiliza 2.457 casos confirmados no Estado neste mesmo período.

"No ano passado, São Paulo não foi muito afetada por casos que vieram pela Venezuela e atingiram com mais força o Norte do país. Mas neste ano, em maio, mais ou menos, a gente teve um rapaz que foi a um casamento em Israel e voltou incubando a doença. Os sintomas se manifestaram no Brasil, ele foi internado e passou para outras pessoas que o atenderam no Hospital das Clínicas", conta o infectologista do Fleury, Celso Granato, que participou do atendimento deste caso. "É difícil estabelecer com certeza, mas este rapaz foi considerado o caso número um da doença [no Estado neste ano]", afirma.

O especialista conta que o rapaz não tinha sido vacinado contra o sarampo. E, dentre as pessoas que foram contagiadas por ele no hospital, uma parte tinha sido imunizada com apenas uma dose da doença e, outra parte, ou não tinha sido ou não sabia. "O que a gente sabe, de uma forma geral, é que São Paulo estava num nível de vacinação abaixo do ideal. Considera-se ideal é que pelo menos 95% da população tenha sido vacinada com duas doses", explica Granato. "Se você vacinar uma pessoa uma vez só, a proteção que ela tem é de 89%, com duas doses, de 97%. Se você tiver mais do que 95% da população protegida, não vai ter um surto porque não tem gente suscetível à doença o suficiente para gerá-lo".

Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em um boletim epidemiológico de janeiro deste ano, no Estado de São Paulo, dentre as crianças de um ano de idade, que têm a tríplice viral como parte do calendário vacinal obrigatório, apenas 78,15% haviam tomado a primeira dose da vacina e 65,71% a segunda. Os bebês que tiveram a morte confirmada nesta sexta-feira pela Secretaria Estadual da Saúde eram uma menina de quatro meses, de Barueri, e um menino de nove meses, da capital. Na última terça-feira (28), a pasta já tinha confirmado a morte de um homem de 42 anos, que não estava vacinado e havia passado por uma cirurgia no baço (estava, portanto, com o sistema imunológico mais fragilizado). Dentre a população geral, em 2016 o Estado de São Paulo possuía 92,96% da população com a primeira dose da vacina. Esse número, em 2018, caiu para 90,34%. "Nos últimos 20 anos, as pessoas abaixaram um pouco a guarda. Deixaram de vacinar como seria o ideal. E isso não aconteceu só para o sarampo, mas para todas as vacinas. Caiu abaixo dos 95%. Tinha uma quantidade de pessoas não imunizadas muito grande. O suficiente para disparar um surto caso entrasse uma pessoa com o vírus", ressalta o infectologista do Fleury.

As informações do Ministério da Saúde apontam ainda que dentre os Estados que apresentaram casos confirmados de sarampo em 2018, apenas Pernambuco alcançou cobertura vacinal acima de 95% para a primeira dose da vacina. Por isso, a dispersão do vírus pela capital paulista preocupa. Como a cidade é um ponto de alto circulação de pessoas de outros Estados, o sarampo pode se espalhar mais facilmente pelo país onde a cobertura não é eficiente.

Maior problema entre jovens

Dos 2.165 casos confirmados no Brasil pelo Ministério da Saúde, 1.044 ocorreram entre jovens de 15 a 29 anos (48%). "São pessoas que nasceram antes de 2004. E 2004 foi o ano que se começou a dar a segunda dose da vacina. Embora a vacina já seja dada aqui em São Paulo desde o começo dos anos 1980, no início se achava que uma dose seria suficiente. Ao longo do tempo, os Estados Unidos, depois a Europa, viram que era insuficiente e se começou a recomendar uma segunda dose. Isso foi introduzido no Brasil em 2004. Quem nasceu até 2004 tomou uma dose só. Essa faixa etária nunca mais encontrou o vírus do sarampo, que parou de circular aqui", aponta. Entre os mais velhos, a probabilidade de terem já entrado em contato com o vírus é maior, já que o vírus ainda circulava com bastante incidência no país. Muitos, inclusive, podem até não saber que já tiveram sarampo antes, porque a doença pode ser confundida com outras com sintomas parecidos, explica Granato. O vírus selvagem (que circula no ar) é a imunização mais eficiente que existe, porque o corpo já desenvolve os anticorpos para matá-lo.

Considera-se ideal é que pelo menos 95% da população tenha sido vacinada com duas doses

Proporcionalmente à população, a incidência da doença, no entanto, é maior entre crianças menores de um ano. Foram 296 casos, uma taxa de 46 por 100.000 habitantes nesta faixa etária. Até o início deste surto, crianças até um ano não eram vacinadas porque se acreditava que os anticorpos adquiridos da mãe pela placenta ou pelo leite materno eram suficientes para protegê-los. Mas com o aumento dos casos de menores de um ano, percebeu-se que uma parte estava desprotegida e a recomendação mudou. Antes dos seis meses, entretanto, acredita-se que a proteção adquirida da mãe ainda é suficiente.

Neste sábado, a Prefeitura de São Paulo encerra a campanha de vacinação iniciada em 10 de junho para reforçar a cobertura vacinal da cidade. Exceto para crianças de seis a 11 meses, até que alcance os 95% desta população (a cobertura na faixa etária está em 66,21%). Entre os paulistanos de 15 a 29 anos, a cobertura com a campanha chegou a 42,5%. A vacina, entretanto, seguirá disponível nos postos de saúde para pessoas de até 29 anos que não têm a comprovação de duas doses da vacina e para quem tem de 30 a 59 anos que não tenham ao menos uma dose comprovada na carteirinha.

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