Multidão faz ato pela educação em São Paulo, mas mobilização geral encolhe
Menor que protestos de maio, marcha na Paulista reforça descontentamento com bloqueio de verbas pelo Planalto. No Rio, milhares vão às ruas. Adesão pelo país diminui
Nem tsunami nem marolinha. Em São Paulo, o protesto em defesa da educação não contou com a mesma adesão dos atos de maio ou junho, mas ocupou pelo menos seis quarteirões de uma das pistas da avenida Paulista. Concentrados em frente ao Masp, manifestantes marcharam com cartazes críticos ao Governo Bolsonaro, especialmente direcionados ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, e exaltaram o legado de Paulo Freire, educador que se tornou referência mundial em pedagogia e é alvo de hostilidades da extrema direita. A terceira onda de protestos contra os cortes de verbas para universidades também levou milhares às ruas no Rio e foi registrada em várias outras capitais. Enquanto os organizadores falam em mobilização em mais de 200 cidades, a contagem do site G1, com capilaridade em todos os Estados, aponta atos em 85 cidades, contra 220 em maio e 136 municípios em junho.
A chuva fina que caía sobre a capital paulista no início da noite desta terça-feira não espantou militantes de partidos de esquerda, membros de centrais sindicais, líderes estudantis, professores e alunos que integravam o ato. "Pode chover, pode molhar, os estudantes estão na rua pra lutar", bradava um grupo de secundaristas que carregava faixa ironizando o programa Future-se, chamado de "Fature-se".
A proposta estruturada pelo Ministério da Educação, que prevê a captação de recursos privados em universidades públicas condicionada a que as instituições se submetam a condições como auditoria externa, foi bastante criticada no protesto. "A abertura ao setor privado não é solução para o financiamento das universidades", afirmou o bibliotecário Caio Batista. "Faltou debate sobre a proposta, que ficou resumido a uma consulta pública que não é efetiva." Para Vânia Coelho, o Future-se representa "uma espécie de privatização do ensino superior". Assim como Batista, ela, que levava pregado no ombro um adesivo de deboche a Weintraub, é filiada ao sindicato dos trabalhadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembrando o vínculo do ministro com a instituição onde ele lecionava disciplinas de economia.
"Ele não é do ramo. Não sabe nem dividir chocolates e precisou passar vergonha com um guarda-chuva na mão", diz a professora Beatriz Kober, 54, em referência a um vídeo gravado pelo chefe do MEC ao explicar que os bloqueios na área da educação, que já somam mais de 6 bilhões de reais, não se tratavam de cortes, mas sim de contingenciamento, quando o Governo congela os recursos até segunda ordem.
Kober saiu de Cotia, na região metropolitana de São Paulo, para participar de seu terceiro ato este ano contra a política educacional de Bolsonaro. Ela dá aulas de História na rede pública e defende o legado de Paulo Freire não só na alfabetização, mas na formação de estudantes com senso crítico. "Paulo Freire trouxe a possibilidade de reflexão nas escolas. Essa é a verdadeira arma do cidadão. Para Governos que dependem do povo como massa de manobra, não é interessante que os jovens tenham acesso ao conhecimento", diz, apontando para um cartaz escrito "Mais Freire, menos Olavo [de Carvalho, o escritor guru do bolsonarismo]".
Estudante de Letras na USP, Felipe Barreto, 18, que havia comparecido ao primeiro protesto, em 15 de maio, lamentou a menor mobilização comparada à magnitude dos outros atos, quando a adesão extrapolou os limites da comunidade acadêmica e atraiu outros grupos de descontentes com o Planalto. "Tinha mais gente na primeira. As pessoas começam a achar normal o desmonte da educação pública. Não podemos cair na zona de conforto." A concentração da marcha na Paulista havia começado às 16h. Três horas depois, as duas pistas da avenida já estavam completamente liberadas para o trânsito de veículos.
A disputa por ocupar espaços também ocorreu nas redes sociais, com grupos ligados ao Governo promovendo a hashtag "marolinha" para ironizar as jornadas de protesto. A retórica belicosa do Governo contra as universidades, consideradas antros "esquerdistas", tem sido tanto um catalisador dos atos como um combustível para manter coesa a base bolsonarista mais radical. Em meio a uma economia que não decola, o presidente amarga a queda de popularidade de seu Governo, ainda que mantenha uma faixa de admiradores fiéis em torno de 30% da população, de acordo com a pesquisa Atlas Político do fim de julho.
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