A Europa deve agir agora para acabar com as mortes evitáveis na Líbia e no mar
Refugiados e migrantes encurralados na Líbia devem ter a possibilidade de sair do país em segurança e as operações que trazem essas pessoas de volta devem terminar
No dia 25 de julho, a tragédia mais uma vez atingiu o Mediterrâneo. Estima-se que 150 pessoas se afogaram enquanto fugiam da Líbia. Isso leva o número de vítimas deste ano no Mar Mediterrâneo Central para pelo menos 576 pessoas. Essa perda de vidas inteiramente evitável evidencia a gritante falta de capacidade de busca e resgate e a terrível situação dos que fogem da Líbia.
Médicos Sem Fronteiras (MSF) testemunha em primeira mão o preço humano inimaginável que está sendo pago pelas políticas de interceptação e detenção de migrantes e refugiados. Ver os centros de detenção na Líbia é ver o sofrimento humano em escala industrial. Para muitos dos sobreviventes do desastre de 25 de julho, o ciclo vicioso de detenção arbitrária, violência e exploração continua sem fim à vista.
Ainda há pessoas que estão detidas em Tajoura — o mesmo centro de detenção que foi atingido por um ataque aéreo há um mês, matando 53 pessoas e ferindo outras 70. Um médico de MSF que testemunhou a devastação descreveu a cena como um banho de sangue: “Havia corpos por toda parte e partes do corpo saindo de debaixo dos escombros. Em algum momento, eu tive que parar... eu teria que andar sobre os corpos para prosseguir. Eu conhecia muitos dos mortos pelo nome, conhecia suas histórias.”
Tal como acontece com aqueles que continuam a se afogar no mar, as mortes em Tajoura foram previsíveis e evitáveis. Essas mortes continuarão enquanto os pedidos de evacuação forem ignorados. Atualmente, não há nada que proteja as pessoas de novos ataques aéreos ou da violência das milícias na Líbia. Forçar as pessoas de volta a centros de detenção é, para muitos, uma sentença de morte.
A tragédia humana enfrentada pelas vítimas da Líbia é uma tragédia provocada pelo homem. Quando os desdobramentos marítimos sob a Operação Sophia foram detidos, os líderes da Europa não podiam mais fingir que estavam salvando vidas. A única “escolha” deixada para as pessoas que tentam fugir da Líbia é entre ficar presas em um centro de detenção ou arriscar a morte no mar. Parece que os líderes da Europa consideram as pessoas que se afogam como um preço aceitável a pagar para conter o fluxo no Mediterrâneo Central. Nada pode justificar o fato de as pessoas estarem presas no país africano ou deixadas para morrer no mar à porta da Europa.
Nas últimas semanas, alguns líderes da UE pediram soluções previsíveis e sustentáveis para busca e salvamento e para o fim da detenção arbitrária na Líbia. A situação não pode esperar: transforme essas palavras em ações. Refugiados e migrantes encurralados na Líbia devem ter a possibilidade de sair do país em segurança e as operações que trazem essas pessoas de volta devem terminar.
Os líderes europeus devem permitir a evacuação total de todos aqueles arbitrariamente detidos. Isto foi mostrado para ser possível no passado recente. E, no entanto, para cada pessoa evacuada ou reassentada fora do país, mais três pessoas são forçadas a retornar pela Guarda Costeira da Líbia. Essa é a mesma Guarda Costeira da Líbia que a UE está apoiando com navios adicionais. Se os líderes finalmente cumprirem suas declarações públicas, essa contradição fundamental deve ser encerrada.
No dia 25 de julho, enquanto a equipe de MSF cuidava de 135 dos sobreviventes, também estávamos sendo culpados pelas mortes. MSF e a SOS Méditerranée anunciaram recentemente o reinício de operações de busca e salvamento no Mediterrâneo Central. E mais uma vez, estamos sendo acusados de contribuir para um fator de “atração” para aqueles que fogem da Líbia. Os fatos mostram que isso é categoricamente falso. As pessoas presas na Líbia, enfrentando a violência e arrancadas de seus direitos humanos fundamentais, continuarão a fugir por suas vidas. Esse é o instinto humano básico, e isso acontece independentemente de os navios de organizações não-governamentais estarem operando ou não.
A tragédia humana enfrentada por refugiados e migrantes na Líbia e no mar é totalmente evitável. Ações claras e concretas devem incluir o reinício de operações de busca e salvamento completas. Um mecanismo claro para o desembarque em portos seguros deve ser estabelecido, e os milhares de refugiados e migrantes presos em centros de detenção devem ser evacuados da Líbia, sem mais demora.
A assistência que ONGs e organizações humanitárias podem oferecer àqueles que estão presos na Líbia e no mar é incrivelmente limitada. Nós não temos a capacidade de mudar a situação.
Os líderes europeus têm o poder de quebrar o ciclo de detenção, sofrimento e morte. Milhares de pessoas dependem de suas ações e elas não podem esperar mais.
Joanne Liu é presidente internacional de Médicos Sem Fronteiras.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.