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Multidão volta a se reunir em Moscou para exigir que oposição participe de eleições

Maioria dos candidatos de oposição ao Governo Putin está em prisão preventiva e sem permissão de participar da votação, prevista para 8 de setembro

Manifestantes, durante o protesto de sábado por eleições livres em Moscou.
Manifestantes, durante o protesto de sábado por eleições livres em Moscou.Maxim Shemetov (REUTERS)
María R. Sahuquillo

“Estou cansado de ficar em uma cela de concreto”, cantam dezenas de milhares de vozes. “Não quero mais esse tratamento. Vou morrer na Rússia. De Euforia”. Os irônicos versos e os ritmos eletrônicos do contestatório grupo IC3PEAK colocaram música em uma enorme manifestação em Moscou. 50.000 pessoas — 20.000 segundo a polícia — se reuniram em um sábado chuvoso e cinzento no protesto-show para exigir eleições locais livres e justas. Pela quarta semana consecutiva, os moscovitas desafiaram o Kremlin e exigiram que as listas sejam abertas aos candidatos de oposição, que não têm a permissão de participar. A maioria está em prisão preventiva. São acusados de participar do que as autoridades chamaram de “distúrbios maciços”.

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A poucos quilômetros da manifestação musical, no principal parque de Moscou, as autoridades organizaram um grande festival musical e gastronômico. O Meat&Beat, uma tentativa de evento pop semelhante ao lançado no final de semana passado para tentar afastar a atenção dos protestos que estão aumentando. “Estão tentando distrair a população de seus pedidos políticos com manobras e elementos que não são políticos. E o que as pessoas querem é justamente falar de política”, ressalta a analista Tatyana Stanovaya. Mas foi um fracasso, apenas poucos milhares compareceram. A participação do IC3PEAK, do conhecido rapper Face, do grupo de rock Krovostok e o pedido de participação não somente dos opositores, como também de populares blogueiros, artistas e celebridades foram um grande aliciador. Também a repressão policial. Nas duas mobilizações anteriores, que ao contrário dessa não estavam autorizadas, ocorreram 2.400 prisões, de acordo com a organização OVD-Info.

Como Liana Tavchian, que esteve em seu primeiro protesto neste sábado, muitos moscovitas planejam continuar indo às ruas até conseguir o objetivo. E até além de 8 de setembro, o dia das polêmicas eleições locais. “Tenho 16 anos e não posso votar, mas luto por meus direitos. É importante. O que as autoridades fazem, não só em Moscou, mas por toda a Rússia, é repugnante e não podemos ficar calados”, frisa a jovem, que leva uma fotografia de Yegor Zhukov. O estudante universitário e popular blogueiro é um dos presos por “incitar” os protestos, que está em prisão preventiva há oito dias e pode ser condenando a até oito anos de cadeia.

Zhukov, de 21 anos, que também tentou ir aos protestos, se transformou em um dos rostos de uma mobilização em que as pessoas com menos de 30 e as com mais de 60 são maioria. Protestos sem cobertura na imprensa estatal – ou com cobertura mínima em que foram taxados de “violentos” – em que se ouve “Putin, ladrão”, “Rússia sem Putin” e “Deixe-os passar” (pelos candidatos opositores que não tiveram a permissão de concorrer pela alegação de irregularidades e falta das assinaturas necessárias).

Os moscovitas exigem eleições locais livres e justas. Mas as eleições de setembro foram um assunto sem grande importância até a presente edição. No fundo, diz a analista Stanovaya, há outros problemas nucleares que, mesmo estando enterrados por enquanto, fortalecem a mobilização: a situação econômica; a reforma da previdência, que aumentou a idade de aposentadoria; e a perda de confiança no Governo e no presidente russo, Vladimir Putin, que acaba de completar duas décadas no poder (entre seus anos de presidente e primeiro-ministro).

“Antes, muitos russos o viam como alguém próximo à população e seus problemas, mas agora perdeu esse ponto”, afirma Stanovaya. O foco na geopolítica ao mesmo tempo em que os problemas internos não são resolvidos e a inação diante dos escândalos de corrupção enquanto muitos russos enfrentam problemas também estão por trás da queda da popularidade de Putin para 64%, alto para os padrões ocidentais, mas sua nota mais baixa desde 2013. No sábado, o presidente russo, que ainda não falou sobre a mobilização, está na Crimeia. Viajou de moto com o grupo ultranacionalista Lobos da Noite pela península ucraniana que a Rússia anexou em 2014.

Por enquanto, o protesto teve um pouco de punição e incentivo. O que o Kremlin não quer é que essas manifestações ampliem seu leque de pedidos e se estendam a outras partes da Rússia, onde já ocorreram marchas por diversos motivos sociais, diz o sociólogo Lev Gudkov, diretor do centro de pesquisas Levada. “Mas se as autoridades continuarem com sua atitude repressiva, aumentarão”, diz Stanovaya. A concentração de sábado é a prova. Não está à altura das mobilizações de 2011 e 2012, quando dezenas de milhares de pessoas (100.000, segundo a oposição; 20.000, de acordo com a polícia) foram às ruas contra a fraude eleitoral. Mas foi a mais numerosa desde 2015, quando tomaram o centro de Moscou em repúdio ao assassinato do proeminente opositor Boris Nemtsov.

Por enquanto, a frustração está se estendendo, mas timidamente. A polícia prendeu no sábado 70 pessoas em uma manifestação em São Petersburgo, em apoio à convocada em Moscou. E outra dezena de pessoas em Rostov do Don. Na capital russa, após o show, grupos de manifestantes se aproximaram da Administração presidencial. E lá começaram as prisões, por volta de duzentas até o final da tarde, de acordo com a organização OVD-Info. Entre elas, novamente, está Lyubov Sobol, opositora e pretendente à candidata, ligada ao advogado e blogueiro anticorrupção Alexei Navalny, também na prisão.

Sobol sequer pôde se aproximar da manifestação. A polícia invadiu sua sede e a levou. Horas depois, especificou que havia sido presa. No sábado passado também foi presa, mas libertada um dia depois. Está há um mês em greve de fome. Na sexta-feira, fraca e derrubada em uma cadeira, disse ao EL PAÍS em seu centro de campanha que apesar do “assédio” não pensava em desistir; também que teme por sua segurança e contratou um guarda-costas. O opositor mais visível, Navalny, denunciou há alguns dias que acreditava ter sido envenenado na prisão.

“A repressão nesse verão é maior do que a que vimos nos protestos de cinco anos atrás, mas estamos vendo que a sociedade está vacinada contra essas represálias”, disse Sobol. Nessa onda de manifestações, ainda que existam centenas de presos, as autoridades estão se centrando em silenciar os líderes. Na semana passada, a Promotoria abriu um processo contra o Fundo Anticorrupção, a organização de Navalny. E na sexta-feira, em mais um passo, bloquearam as contas da entidade, que se dedica a revelar com elaboradas investigações e vídeos nas redes sociais escândalos de corrupção das elites políticas e empresariais russas.

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