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Presidente paraguaio anula acordo com o Brasil para evitar impeachment

Oposição busca apoio para forçar demissão de Mario Benítez por renegociação secreta sobre Itaipu

O presidente paraguaio Mario Abdo Benitez fala à nação ao lado de sua mulher, Silvana Lopez Moreira, no Palácio de Lopez.
O presidente paraguaio Mario Abdo Benitez fala à nação ao lado de sua mulher, Silvana Lopez Moreira, no Palácio de Lopez.Jorge Saenz (AP)
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Governo paraguaio mergulha em crise por acordo secreto com Brasil sobre Itaipu
Brasil e Paraguai se preparam para a batalha da renegociação de Itaipu

O Governo paraguaio anulou nesta quinta-feira a ata secreta assinada com o Brasil em 24 de maio sobre a partilha do excedente de energia que os dois países geram conjuntamente na imensa usina hidrelétrica de Itaipu, uma das maiores do mundo. O acordo, cujos termos beneficiavam o Brasil, tinha provocado a primeira grande crise do Executivo paraguaio, incluindo ameaças de submeter o presidente Mario Abdo Benítez a um processo de impeachment.

“A parte contratante paraguaia comunicou sua decisão unilateral e soberana de deixar sem efeito a ata bilateral de 24 de maio de 2019”, diz o documento apresentado pela Embaixada paraguaia em Brasília, segundo o jornal O Globo. Os dois países deverão redefinir agora um novo cronograma.

“É o momento para uma reflexão, para voltar a recuperar a bandeira, é preciso continuar insistindo na negociação e na união do nosso povo”, disse Abdo Benítez no Palácio de López, sede da presidência do Paraguai. O mandatário destacou que não queria se pronunciar “antes que os cidadãos se informem da gestão que foi feita para deixar a ata sem efeito”.

Esta inédita crise de Governo teve início na semana passada com a renúncia do presidente da empresa nacional de energia elétrica, que se recusou a assinar o acordo, até então secreto. Seguiu-se a do chanceler Luis Castiglioni, a do presidente da parte paraguaia de Itaipu e a do embaixador no Brasil.

A renegociação do acordo, assinada sem consulta ao Congresso nem divulgação pública, encareceria em até 200 milhões de dólares por ano os custos da energia adquirida pela estatal elétrica paraguaia entre 2019 e 2022. Quando Itaipu produz mais energia do que o estipulado pelos dois países no seu tratado original, ela é revendida a ambos os lados. A oposição denuncia que o pacto também estabelecia que o Paraguai passaria a receber menos quantidade dessa energia excedente — de 50% para 13%.

Julgamento parlamentar para destituir Abdo Benítez

Desde a eclosão da crise, a oposição paraguaia busca reunir apoios para promover um julgamento parlamentar que leve à destituição do presidente Abdo Benítez e de seu vice, Hugo Velázquez, ambos do Partido Colorado (conservador) e há um ano nos respectivos cargos. O presidente paraguaio respondeu pelo Twitter: “Aceito a briga!”.

Para o Partido Liberal, principal formação opositora, os dois mandatários devem responder por “traição à pátria” e “mau desempenho de suas funções” após a revelação de que Abdo Benítez assinou uma ata secreta com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que prejudicava economicamente o Paraguai. A bancada do Partido Liberal acusa Abdo de “entreguista” e “vende-pátria”, porque na prática o acordo causaria um custo adicional anual de 200 milhões de dólares (770 milhões de reais) à estatal paraguaia pela partilha da energia excedente de Itaipu, a hidrelétrica de maior produção do mundo e a segunda maior represa, menor apenas que a de Três Gargantas, na China.

Abdo Benítez se reuniu até as 2h desta quinta com senadores e deputados governistas. Por volta das 6h30, saiu de helicóptero da Mburuvichá Rogá, (“casa do chefe”, em guarani, a residência presidencial) com destino ao Palácio de López, onde centenas de apoiadores o aguardavam. Lá se encontrou com o senador Silvio Ovelar, seu aliado, que ao sair declarou à imprensa que não há votos suficientes para destituir o presidente.

“O processo democrático continuará no Paraguai, não há votos no Senado”, disse Ovelar. Seu próprio partido está dividido em dois principais grupos rivais: os que apoiam fielmente Abdo (Colorado Añetete, autênticos em guarani) e os pertencentes ao Honra Colorado (do ex-presidente Horacio Cartes) que anunciaram primeiro que apoiariam a oposição no pedido de julgamento político, mas que agora, ao se tornar público o cancelamento do polêmico acordo com o Brasil, deram um passo atrás. Sem eles a ameaça de julgamento político perde força.

O Senado é formado por 45 membros e, como estabelece a Constituição paraguaia, são necessários 30 senadores para aprovar um julgamento político. Sem o grupo colorado de Cartes, a oposição não conseguirá os votos de que precisa.

O Paraguai e o Brasil dividem a hidrelétrica sobre o Rio Paraná, que produz energia vital à indústria do gigante sul-americano e que é imprescindível ao fornecimento paraguaio. A represa foi planejada em 1973 e construída entre as ditaduras militares que governavam os dois países na época. A construção significou ao Paraguai perdas de território e a inundação de comunidades de povos indígenas, de modo que sempre foi considerado um acordo injusto do lado paraguaio do rio Paraná. Os dois têm até 2023 para renegociar o tratado original.

Brasil pede preservação da "ordem democrática" em Assunção

N. N. G., Río de Janeiro

Antes que o Governo do Paraguai anunciasse o rompimento do acordo bilateral secreto, o Itamaraty saiu em defesa do presidente Abdo e da ordem constitucional. Era a primeira reação de Brasília à ameaça de um impeachment contra o presidente paraguaio. "O Brasil espera que o processo seja conduzido sem quebra da ordem democrática", afirmava o comunicado do Ministério de Relações Exteriores.

A chancelaria disse ainda que as relações entre o Brasil e o Paraguai alcançaram um nível positivo sem precedentes, graças à "excelente relação pessoal" entre os dois presidentes, e que novos avanços em benefício mútuo ainda são esperados.

O Paraguai tentou que o Brasil também assinasse o rompimento do acordo sobre a usina hidrelétrica, segundo a imprensa brasileira, mas o Governo de Jair Bolsonaro se recusou, por considerar que isso significaria admitir que o acordo é prejudicial ao país vizinho, quando considera que não é.

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