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Negociação da esquerda espanhola trava horas antes de votação crucial para formar Governo

Se o acordo fracassar, abre-se um prazo de dois meses finais para novas negociações (ou eleições)

Carlos E. Cué
A vice-presidenta do Governo em funções, Carmen Calvo, nesta terça-feira, no Congresso.
A vice-presidenta do Governo em funções, Carmen Calvo, nesta terça-feira, no Congresso.Ballesteros (EFE)
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O Partido Socialista, à frente do Governo em funções na Espanha, anunciou nesta quarta-feira, poucas horas antes da segunda e crucial sessão de investidura nesta semana, que as negociações com o esquerdista Unidas Podemos para formar um Governo de coalizão estavam rompidas. A menos que aconteça uma surpresa antes desta segunda votação, na quinta-feira às 13h30 (8h30 em Brasília), o atual presidente do Governo (premiê), Pedro Sánchez, não teria o apoio do Congresso dos Deputados. Se isto efetivamente ocorrer, seria desencadeado o prazo de dois meses que, se não houver formação de um novo Governo mediante novas negociações, levaria à realização de novas eleições. Se isso acontecer, serão as quartas eleições gerais desde 2015, num reflexo da instabilidade política espanhola.

O Governo em funções considera “inaceitáveis” os pedidos do Podemos, de Pablo Iglesias. Os socialistas entendem que ceder às demandas do Podemos significaria “criar dois Governos” dentro de um e deixar a maior parte das políticas sociais e econômicas nas mãos da formação de Iglesias. A coalizão Unidas Podemos não considerou rompidas oficialmente as negociações e insiste que o grupo “continua apostando em um Governo de coalizão”, mas seu texto de resposta explica por que não aceitou a última oferta e não abre espaço para outra.

No Podemos instalou-se a ideia de que em La Moncloa, com Iván Redondo à frente, decidiu-se forçar a realização de novas eleições, algo que o entorno do chefe de Gabinete nega categoricamente. Também no PSOE alguns quadros pensam que em La Moncloa estão otimistas demais ao imaginar que esse cenário de novas eleições favoreceria tanto os socialistas, porque os blocos se manteriam ou melhoraria o da direita no caso de uma grande abstenção da esquerda.

Na terça-feira, Sánchez já havia falhado em sua primeira tentativa de obter maioria. O candidato socialista só angariou 124 votos, bem longe dos 176 que precisava para ser eleito presidente do Governo (premiê). Com exceção do deputado do Partido Regionalista de Cantábria (PRC), José María Mazón, que votou no PSOE, o resto da Câmara preferiu abster-se (52) ou negá-lo (170). Entre as abstenções, estava o potencial aliado esquerdista Unidas Podemos, que em seu posicionamento decidiu fazer um gesto de boa vontade para continuar a negociação — a sigla tem 42 cadeiras.

Fontes de La Moncloa detalharam ao EL PAÍS a última oferta de Sánchez a Iglesias, que este rejeitou, de modo que o presidente em funções considerou rompidas as negociações. Tratava-se de uma vice-presidência de Assuntos Sociais, que seria para Irene Montero, e que implica a presidência da comissão delegada para coordenar todas as políticas sociais do Governo, com os conteúdos de todas as áreas de Bem-Estar Social e Dependência, incluindo o Comissário para Pobreza Infantil e três ministérios: Habitação e Economia Social; Saúde, Assuntos Sociais e Consumo e Igualdade.

O braço de ferro mais forte, até o final, aconteceu, segundo fontes da negociação, pelo Ministério do Trabalho, que Iglesias reivindicava para sua formação. Os socialistas tinham insistido nos últimos dias que o Unidas Podemos, que provoca receios em alguns setores econômicos, especialmente no empresariado, não podia controlar uma política tão importante quanto a regulamentação trabalhista.

O Ministério do Trabalho tem um papel importante em todas as negociações entre as entidades patronais e os sindicatos e dele parte a iniciativa de propostas de reformas da legislação que em seguida vão para o Congresso. O PSOE e o Unidas Podemos tiveram muitas discussões nos últimos meses sobre a reforma trabalhista e também sobre as aposentadorias. No entanto, fontes da negociação afirmam que Iglesias estava disposto a separar as competências da Seguridade Social, onde está o controle das aposentadorias, e que estas permanecessem nas mãos do PSOE. O problema estava, portanto, na parte de Emprego. “Chegaram a nos dizer que não podemos ter a pasta do Trabalho porque ‘somos incômodos para a Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE)’”, diz o partido de Iglesias. Outro ponto de atrito é a exigência do Unidas Podemos de controlar as competências da Transição Ecológica, muito sensíveis para este grupo.

O fracasso da negociação deixou tensões internas no Unidas Podemos. Esquerda Unida (IU na sigla em espanhol), membro importante da coalizão, terá uma reunião de sua cúpula nesta quinta-feira na qual decidirá seu voto, que desta vez poderia ser diferente do voto do Podemos. Em alguns setores do Unidas Podemos existe um mal-estar porque Iglesias realizou de forma muito pessoal essa negociação com seu grupo de máxima confiança na formação sem dar entrada a outras confluências. A IU tem seis deputados dos 42 do Unidas Podemos. Seu voto, portanto, não é decisivo, mas se o grupo fosse dividido seria politicamente significativo com a retirada de seu líder e, no entanto, agora vê “como o PSOE tenta romper todas as pontes e vaza uma infinidade de documentos à opinião pública”. “O PSOE oferece a caixa de ferramentas, mas vazia. É verdade que nesses dois dias nos fizeram diferentes propostas de ministérios inexistentes ou vazios, mas nunca todos juntos, sempre separadamente. O documento que enviaram tem um truque: pode parecer que os ofereceram de maneira cumulativa, mas não foi assim, o Podemos nunca estaria em mais de um ou dois daqueles que aparecem nessa lista e sempre para evitar ceder a compartilhar os ministérios que nos permitiriam desenvolver políticas sociais”, diz a formação de Iglesias em sua mensagem.

“Da parte do PSOE nunca houve uma oferta que nos permitisse desenvolver as políticas que estamos propondo: aumentar o SMI [salário mínimo interprofissional], acabar com o trabalho temporário, escolas gratuitas de 0 a 3 anos, reduzir a conta de luz, medidas de combate à emergência climática. O Unidas Podemos não quer entrar no Governo a qualquer preço, queremos competências para desenvolver políticas sociais em Igualdade, Trabalho, Fazenda e Transição Ecológica. E com as ofertas que nos estão sendo feitas, não é possível”.

A ruptura total das negociações se deu no fim da tarde desta quarta-feira. No último minuto, como prova de que tudo estava se rompendo, o PSOE divulgou um documento no qual, segundo o partido, estavam os pedidos do Unidas Podemos que lhes pareceram inaceitáveis. O partido de Iglesias, segundo os socialistas, exigia uma vice-presidência e cinco ministérios.

Uma conversa telefônica entre os dois líderes não conseguiu destravar a negociação. Sempre, segundo os socialistas, o grupo de Igrejas estaria exigindo uma “vice-presidência de Direitos Sociais e de Meio Ambiente, que coordena os ministérios dentro das áreas de sua competência” e cinco ministérios: Direitos Sociais, Igualdade e Economia dos Cuidados; Trabalho, Seguridade Social e Luta contra a Precariedade; Transição Energética, Meio Ambiente e Direitos dos Animais; Justiça Tributária e Luta contra a Fraude e Ciência, Inovação, Universidades e Economia Digital. Além disso, no documento há uma longa lista de competências que esses ministérios deveriam incluir.

O Podemos respondeu desvirtuando o texto divulgado pelo PSOE. “Nesse documento, que era uma proposta para debater e negociar, há uma lista de competências sociais que o Unidas Podemos queria que fizessem parte de sua ação dentro do Governo. Resumem-se em uma vice-presidência e três ministérios dos atuais e dois a serem criados. Era uma proposta inicial que enviamos no último sábado para poder debater”, diz o grupo de Iglesias. O texto, segundo o Unidas Podemos, era do começo da negociação. Os socialistas dizem que a formação de Iglesias não cedeu em relação a essas exigências.

Segundo fontes do Unidas Podemos, Sánchez telefonou a Iglesias para confirmar que não irá mais longe. De acordo com o Podemos, o presidente em funções “confirmou que não está disposto a oferecer competências nem no Trabalho, nem na Fazenda, nem na Transição Ecológica”, e disse que essa é sua última palavra. Fontes do PSOE confirmam o telefonema e destacam que “Sánchez voltou a reiterar a necessidade de desbloquear para que a Espanha possa continuar avançando”. “Da parte do PSOE, continuamos a defender que a oferta feita ao Unidas Podemos é uma boa oferta”, concluem. O presidente em funções tinha previsto dar nesta quarta-feira, às 21h15, uma entrevista à rede de televisão Tele5, mas adiou-a para a quinta-feira.

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