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Cristina Kirchner diz que seu capitalismo, “onde todos podiam viajar”, é melhor do que o de Macri

Uma frase da ex-presidenta sobre a crise do consumo no país concentra as discussões eleitorais argentinas

Enric González
A ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner durante o lançamento de seu livro ‘Sinceramente’ em Mar del Plata
A ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner durante o lançamento de seu livro ‘Sinceramente’ em Mar del PlataAFP

Pindonga e Cuchuflito são os inesperados protagonistas da campanha eleitoral argentina. A partir de uma frase pronunciada pela ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, Pindonga e Cuchuflito simbolizam a crise do consumo, a pobreza, o orgulho nacional, a boa ou má qualidade dos produtos argentinos e até a boa ou má qualidade dos candidatos.  Na semana passada, Kirchner lançou em Mar del Plata, pela enésima vez, seu livro Sinceramente. Foi, como em todas as ocasiões anteriores, um ato eleitoral mais ou menos camuflado. E pronunciou a frase fatídica: “Durante nossa gestão os supermercados transbordavam de mercadorias de primeira linha. Agora aparecem e proliferam marcas que ninguém conhece, La Pindonga, El Cuchuflito. Até te vendem produtos que dizem, em vez de leite, produto lácteo que contém leite. O que é isso? Isso é capitalismo? Capitalismo era quando Axel [Kiciloff] era ministro da Economia e as pessoas compravam, consumiam e podiam viajar”. Nas primárias presidenciais de 11 de agosto se começará a ver a quem favorece o grande debate público sobre Pindonga e Cuchuflito.

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Certamente, a queda do poder aquisitivo em pelo menos 12% ao ano, devido à inflação e à recessão, levou a uma explosão das segundas marcas, mais baratas. O acordo do Governo com os grandes fabricantes e distribuidores para congelar por seis meses o preço de 64 produtos considerados básicos, da farinha à erva mate, disparou as vendas do que a ex-presidenta chama de Pindonga e Cuchuflito. O produto de preço congelado mais vendido desde a assinatura do acordo, há três meses, é o leite La Martona, a 35,80 pesos (cerca de 3,17 reais) em Buenos Aires, contra os 47,70 da marca líder, La Serenísima. Tanto La Serenísima quanto a florescente La Martona são produzidas pelo mesmo grupo, Mastellone Hermanos.

Os meios de comunicação antikirchneristas, muito numerosos, se lançaram sobre o assunto. Disseram, como o apresentador de televisão Eduardo Feinman, que Cristina Kirchner atacava as pequenas empresas nacionais que tentaram conquistar um lugar no mercado (algo só parcialmente verdadeiro: com muita frequência os mesmos grandes grupos produzem as marcas caras e as baratas): Pindonga e Cuchuflito “são o resultado do esforço diário de milhares de argentinos que trabalham com paixão para levar o país adiante”, disse Feinman. O jornal Clarín lembrou com grande destaque (em três páginas) que “as marcas que Cristina degradou” respondiam por 46% das vendas em 2006 (hoje chegam a 36%), quando Néstor Kirchner governava. Em 2002, o ano do colapso econômico que propicio a chegada dos Kirchner ao poder, representavam 55% das vendas.

A ascensão de Pindonga e Cuchuflito sempre aconteceu em tempos de crise. Nesse sentido, a ex-presidenta, que enfrenta vários processos por corrupção e é tão amada por uns quanto odiada por outros, tocou no ponto mais sensível para os eleitores: a evidência de que a economia está indo muito mal.

A ascensão das segundas marcas também tem um efeito colateral: o auge dos produtos sucedâneos. Por exemplo, como enfatizou Kirchner, o leite que não é leite, mas um “produto lácteo” à base de leite, água e outros componentes, como proteínas de origem láctea (geralmente usadas na alimentação de porcos), com um aporte alimentar muito inferior ao do produto real. “O produto lácteo não substitui o leite, mas é uma alternativa mais barata para que o consumidor possa satisfazer suas necessidades”, disse um representante da La Suipachense, uma das empresas que comercializam o “produto lácteo”, ao jornal Infobae. Situações semelhantes ocorrem em relação a iogurtes e queijos, especialmente o ralado.

Nas redes sociais, o assunto Pindonga e Cuchuflito tendeu a derivar para os próprios candidatos. Os macristas disseram que o candidato presidencial peronista, Alberto Fernández, era na verdade o sucedâneo barato de sua companheira de chapa para a vice-presidência, Cristina Kirchner. Os kirchneristas proclamaram que os autênticos Pindonga e Cuchuflito eram Mauricio Macri e seu companheiro de chapa, o trânsfuga peronista Miguel Ángel Pichetto.

Neste momento, segundo as pesquisas, os Fernández (Alberto e Cristina) possuem uma vantagem entre três e cinco pontos, embora Macri e Pichetto pareçam reduzir a distância. As primárias do dia 11 de agosto não servirão para outra coisa senão verificar a capacidade de mobilização de cada lado e para descobrir se o que existe entre ambos (candidatos como Roberto Lavagna e José Luis Espert) possui alguma relevância. As primárias obrigatórias são um mecanismo para escolher os candidatos dentro de cada partido, mas desta vez nem Mauricio Macri nem Alberto Fernández têm adversários internos, razão pela qual a votação terá o valor de uma macrossondagem. A atenção estará concentrada na província de Buenos Aires, onde se enfrentarão a atual governadora, a macrista María Eugenia Vidal, e o ex-ministro da Economia kirchnerista, Axel Kiciloff. O partido que vence em Buenos Aires costuma ganhar a presidência.

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