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Crítica | Cinema
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

‘Yesterday’, um filme para assistir com um sorriso nos olhos

Passo grande parte do filme com um sorriso na boca e nos olhos: que imenso prazer embeber-se das canções geniais de Lennon e McCartney

Himesh Patel, em 'Yesterday'.
Himesh Patel, em 'Yesterday'.
Carlos Boyero
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Sugeria Lucio Dalla em uma preciosa canção: “Se quiser escutar, não só por brincadeira, a passagem de mil pensamentos, pergunte quem eram os Beatles”. Ignoro se Richard Curtis, reconhecível roteirista de comédias de grata lembrança e que arrasaram nas bilheterias, como Quatro Casamentos e um Funeral, Um Lugar Chamado Notting Hill e Simplesmente Amor, conhece a canção da Dalla, mas sua ideia para criar o argumento de Yesterday me parece muito original, extraordinária, beirando o surrealismo  . Pode ocorrer nesta fábula na qual todas as pessoas, após um apagão de 12 segundos na Terra inteira, eliminaram da sua memória que existiu um grupo chamado The Beatles. Também desapareceram uma famosa bebida e essas coisas que se fumam e que faziam parte aditiva da vida cotidiana.

O começo é impagável. O que ocorrerá no universo se as pessoas escutarem pela primeira vez, interpretadas por um músico de rua de nulo sucesso, canções tão lindas, com capacidade para remexer todas as fibras íntimas, sentimentais e lúdicas, como Yesterday, The Long and Winding Road, A Hard Day’s Night, Let It Be, Something, Help!, Hey Jude e outras inesgotáveis obras de arte? Porque não há Cristo que não pire e se emocione ao ouvir um desses milagres que acontecem com rara frequência.

Durante grande parte do filme, me aparece um sorriso na boca e nos olhos, também alguma gargalhada, algo cada vez mais incomum e pelo que fico muito grato. O roteiro descreve com graça o estupor do impostor, sua obsessão com a dificílima tarefa de recordar todas as letras dos Beatles, a voracidade das gravadoras e seu manejo do marketing perante um filão que parece inesgotável, o complicado dilema do perdedor que vira astro – viver nesse trono dourado ou contar a demolidora verdade e aceitar o eterno amor com a colega da adolescência.

YESTERDAY

Direção: Danny Boyle.

Elenco: Himesh Patel, Lily James, Ed Sheeran, Kate McKinnon, Joel Fry.

Gênero: comédia. Reino Unido, 2019.

Duração: 116 minutos.

Com o desenvolvimento do último tema a gente intui que vem o momento água-com-açúcar, algo que os produtores consideram imprescindível para que o grande público saia com expressão feliz e que seu investimento multiplique o faturamento. O desenlace, infelizmente, é previsível. Mas a fórmula continua funcionando. E pode inclusive ganhar o Oscar de melhor filme, como ocorreu com a agradável, mas também manjada, Green Book.

A direção é de Danny Boyle. Desde a devastadora e cínica Trainspotting não recordo nada dele que tenha me deixado marcas. Bom, durante bastante tempo Quem Quer Ser Um Milionário? era tensa e aterradora, sofria com o encurralamento daquelas crianças de Mumbai, mas a festança final depois de tragédia tão crível era oportunista e banal. Aqui, ele se limita a ilustrar com profissionalismo um roteiro saboroso. Não é protagonizado por estrelas, mas sim por atores e atrizes muito normaizinhos que funcionam. Também conseguiram que o músico Ed Sheeran interprete a si mesmo. E é divertido seu reconhecimento de que as canções que ele compõe se evaporam e viram nada ao lado das que canta o artista que o acompanha. E que imenso prazer se embeber mais uma vez daquelas canções geniais inventadas por Lennon e McCartney. Sim, McCartney. Não era tão legal quanto Lennon. Nem precisava. Mozart o teria admirado.

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