‘Pelé beijoqueiro’ virou cartão postal de São Paulo modelo exportação
O jogador beija o Batman, Dali, Marilyn Monroe nos muros paulistas, “mas não beijaria Trump jamais”, diz Luis Bueno, o artista por trás dos lambes que fazem fila para foto e agora estão ganhando o mundo
Luis Bueno, designer gráfico e artista de 39 anos, nasceu em Guararema, no interior de São Paulo, onde cresceu assistindo futebol com o pai na televisão e indo ao campo ver os jogos de várzea da região. Seu pai, que ele define como um "são-paulino chato, daqueles que brigavam no bar por causa do time", também era fã do Santos da era de ouro, do Santos de Pelé. Na década de 1960, viajava à capital paulista só para ver de perto os jogos do Peixe. "Ele conta que viu mais jogos do Santos que do São Paulo", diz Luis. Das histórias que escutava em casa e do que via e vivia ao lado do progenitor, nasceu a relação afetiva que o artista tem tanto com o futebol quanto com o maior craque brasileiro de todos os tempos. Décadas depois, mais precisamente em 2009, a imagem de Pelé começaria a protagonizar os trabalhos mais conhecidos do artista: a série de lambe-lambes Pelé Beijoqueiro, que se espalha em diversos pontos de São Paulo e vários países.
Tudo começou quando uma amiga mostrou-lhe a famosa foto em que Pelé beija o rosto do boxeador Muhammad Ali. No dia seguinte, Luis reenviou a imagem com a Mona Lisa no lugar de Ali. "Tem criações que a gente leva um tempo até a coisa surgir. Com essa, não foi assim. Percebi que podia recortar a figura do Ali e colocar quem eu quisesse no lugar", lembra. Essa foi a primeira montagem que chegou às ruas de São Paulo. Depois Pelé não parou de beijar. Dali, John Lennon, Amy Winehouse, Marilyn Monroe, David Bowie... "Já tinha começado a fazer arte na rua alguns anos antes com spray, estêncil, passei por várias técnicas. Até que percebi que o lambe-lambe é uma linguagem que se adequa ao que faço. Sou designer gráfico de formação e trabalho muito com ilustração, edição de imagem. Percebi que essa é um técnica que facilita a união desses lados meus. A série do Pelé, de certa forma, alavancou meu trabalho", conta, com fala pausada e olhar tímido. Apesar de muito educado, é difícil fazê-lo sorrir até mesmo para a foto. Sua alegria está expressa na arte.
A escolha de Pelé deu-se, além da memória afetiva com o futebol, pelo fato de que ele "provavelmente é o brasileiro mais conhecido". "Para mim, ele é uma figura muito central no que foi a cultura brasileira do século XX. E aí, tem essa coisa do abraço, do beijo, essa coisa do contato, que, além de ser muito característica da nossa cultura, ganha outra dimensão quando colocada na rua. Em uma cidade grande como São Paulo, as pessoas na rua estão, em geral, muito focadas nos próprios pensamentos, e acho que essa imagem quebra um pouco com essa dinâmica urbana fechada. Gera um estranhamento bom", diz Luis.
Luis não sabe de cabeça com quantas personalidades colocou Pelé ou quantos lambes já colou. Chuta umas 20 artes. "Lembro de alguns que fiz em ocasiões muito especiais. Quando fui pro Chile, por exemplo, colei um Pelé beijando Pablo Neruda e outro com Salvador Allende". O Pelé Beijoqueiro também está na França, Reino Unido, Argentina, Noruega e Portugal. "O lambe-lambe é uma arte muito portátil, então vou colocando na mala e, quando surge a oportunidade, eu colo. Também já mandei para outras pessoas colarem por mim em alguns lugares", conta.
Os feedbacks que recebe são os mais diversos, mas sempre positivos. "Quando as pessoas percebem que estou colando o Pelé, já param e ficam olhando. Recebo desde mensagens e e-mails até comentários nas redes mesmo, de pessoas que vão fotografando e me marcando". Algumas reações, no entanto, ainda o surpreendem. Lembra, com graça, de quando foi fazer uma foto para seu site do lambe-lambe de Pelé com Batman, no Beco do Batman, um dos locais mais turísticos de São Paulo, conhecido pelas paredes grafitadas com mil formas e cores. "Cheguei com a câmera e havia uma fila em frente ao lambe, com as pessoas posando. Tive que esperar minha vez de fazer a foto".
Apesar do sucesso, Luis nunca conheceu o ídolo do futebol. Ganhou, isso, sim uma camisa número 10 autografada e recebeu, em 2015, um convite do Museu Pelé, em Santos, para colar um lambe no loca. Fez o craque beijar Salvador Dalí. "Ano passado fui dar uma oficina em Santos e vi que ele ainda está lá. Isso é muito legal, porque é como uma pequena viagem no tempo: paro, olho, vejo o lambe sofrendo já os efeitos do desgaste, meio rasgadinho, mas ainda de pé". O artista lida bem com a efemeridade de sua arte e com as interferências típicas da rua. "No começo, ficava levemente ofendido, porque eu não interfiro no trabalho dos outros. Depois, entendi que é um processo natural da rua e comecei, inclusive, a apreciar essas interferências. Tem artistas que fazem intervenção em alguma obra minha e acho que fica interessante, porque cria uma textura, algo que eu mesmo não faria e que funciona esteticamente. Acho que trazem até uma graça maior ao trabalho", diz.
Artista de rua
Luis define-se, orgulhosamente, como um artista de rua. "Essa é uma questão muito resolvida para mim. A raiz do que eu faço está nessa interação com a cidade", conta ele, que também já expôs em galerias e universidades. "Mas minha principal galeria é a rua", enfatiza. "Aqui, você não tem uma curadoria, ela é feita de forma muito orgânica e espontânea. Essa é uma diferença muito grande. Você não passa por uma seleção, você vai lá e faz. Isso me encanta, porque a exposição é espontânea, mas também pela maneira como as pessoas interagem". Ele, que sempre gostou de diversos tipos de arte e que frequenta museus desde a adolescência, afirma que muitos desses espaços, mesmo que sejam gratuitos, são "fechados". "Parece que tem uma parede invisível para muitas pessoas, que não adentram aquele espaço para ver o que tem lá. E a arte de rua coloca a obra no caminho das pessoas, é o caminho que elas fazem de casa para o trabalho. Isso é algo que me desperta muito interesse, porque eu faço com que pessoas que jamais colocariam os pés dentro de um museu, parem, olhem e pensem algo a respeito do que está ali", afirma.
É "muito raro" que Luis volte para retocar um lambe-lambe desgastado ou que foi alterado. Uma das exceções é a imagem de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada no ano passado, que colou na Consolação, centro da capital paulista. "Alguém foi lá e pichou alguma bobagem em cima dela. Aí retoquei, porque aí é uma questão de integridade de uma imagem que não é minha, é a imagem dela. Agora, jogaram tinta vermelha em cima do lambe, em um ponto que não tenho o que fazer, só colar tudo de novo mesmo. Está nos meus planos fazer outra imagem de Marielle".
Apesar de fazer alguns lambes políticos —recentemente, espalhou pela Avenida Paulista uma caricatura de Donald Trump segurando uma placa com a frase "Make Brazil small again"—, Luis pretende manter esse viés fora da série com Pelé. "Tenho uma lista de personalidades na cabeça. No Brasil, há tantas figuras da cultura interessantes, mesmo que também podem ter seu significado político, que eu prefiro seguir nesse campo. Colocar, por exemplo, Pelé beijando Trump, jamais".
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