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A repressão na China depois do massacre da Praça da Paz Celestial: dos tanques ao controle digital

Desde o episódio, que completa 30 anos nesta terça-feira, o Governo intensificou o emprego de tecnologias e de censura de informações políticas e históricas para manter a população vigiada

Macarena Vidal Liy
Agentes da polícia vigiam a praça Tiananmen, em Pequim, em 3 de junho
Agentes da polícia vigiam a praça Tiananmen, em Pequim, em 3 de junhoNICOLAS ASFOURI (AFP)

Se há algo que hoje em dia parece impossível é a repetição no centro de Pequim, ou em qualquer outro lugar na China, de manifestações como as da Praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial), na primavera de 1989. Antes que o Governo chinês enviasse cerca de 300.000 soldados, tanques e veículos blindados para dispersar os estudantes que exigiram transparência e democracia, há 30 anos, completados nesta terça-feira, cerca de um milhão de pessoas chegaram a participar daqueles protestos na praça principal da capital. Depois disso, a China fez da estabilidade seu principal objetivo e, para garanti-la, investiu enormes recursos na segurança interna. A censura tradicional e o tratamento severo dos dissidentes são acompanhados agora do uso de tecnologia de ponta para garantir um controle rigoroso.

Não que haja um grande apetite entre a população chinesa por protestar contra o seu Governo. Três décadas de crescimento econômico espetacular fazem com que a grande maioria esteja satisfeita com o sistema, com variações para mais ou menos apoio. A campanha anticorrupção tornou o presidente Xi Jinping um líder muito popular. E, como se vangloriava nesta segunda-feira o editorial do jornal nacionalista Global Times, "Tiananmen imunizou a China contra as turbulências". Mesmo assim, o regime prefere se curar estando com saúde e aponta como razões a manutenção da ordem pública, o risco de terrorismo e de infiltração de ideias estrangeiras indesejáveis.

Todos os anos ocorrem milhares de manifestações em todas as partes da China. A grande maioria dos protestos é contra problemas trabalhistas, golpes ou escândalos ambientais. Nenhum dura muito tempo ou alcança grandes dimensões: o controle das redes sociais e os sistemas de vigilância urbana se encarregam disso.

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Esse controle se torna visível a cada 4 de junho, aniversário do massacre que o Governo quer manter debaixo do tapete a todo custo. "Nesta época, aumenta a censura por trás da Grande Muralha Cibernética, que bloqueia páginas da Internet, conteúdo e as ferramentas usados para acessá-los", disse Paul Bischoff, da empresa de segurança cibernética Comparitech. "Dentro da China, qualquer menção à matança de 4 de junho (6-4, como é citada a data em mandarim) é eliminada dos motores de busca, aplicativos de mensagens, portais de notícias, blogs e redes sociais." O editorial do Global Times não está, é claro, disponível na versão chinesa do jornal, apenas na inglesa.

O investimento em segurança interna é superior ao da Defesa. Somente em 2017, de acordo com os cálculos do antropólogo alemão Adrian Zenz, os gastos públicos com segurança interna chegaram a 197 bilhões de dólares (cerca de 800 bilhões de reais), quase 20% a mais que o orçamento militar oficial. No ano anterior, a fatia para a segurança interna cresceu 17,6%, segundo dados acadêmicos.

Os dados de Zenz excluem expressamente o investimento em equipamentos de vigilância ou na segurança urbana, que, segundo ele, representam outras dezenas de milhões de dólares. A China, calculam analistas, tornou-se o principal mercado mundial de equipamentos de segurança e um dos principais fornecedores.

De acordo com a empresa de análise de mercado IHS Markit, a China respondeu em 2017 por 44% de todas as receitas globais de equipamentos de vigilância por vídeo. Entre 2012 e 2017, o mercado chinês cresceu em média 13,3% ao ano, enquanto o do restante do mundo aumentou 2,6% ao ano. Em 2016, segundo essa empresa, o país tinha 176 milhões de câmeras de vigilância. Em 2022, de acordo com a empresa de análise de dados IDC, esse número poderia chegar a 2,76 bilhões, quase duas por pessoa.

E não são apenas câmeras. As empresas e centros de pesquisa chineses apostaram em tecnologias de reconhecimento facial, voz ou até mesmo da forma de caminhar. E as exportam. Segundo a ONG Freedom House, em 18 de 65 países analisados no seu relatório Liberdade na Rede 2018, empresas chinesas como a Yitu, a Hikvision – a polícia espanhola adotou rifles antidrones desta empresa na final da Champions – ou a CloudWalk "estão combinando avanços em inteligência artificial e reconhecimento facial para criar sistemas capazes de identificar ameaças à ordem pública".

Vigilância das minorias

Em grande parte, o aumento dos gastos foi direcionado à região de Xinjiang, lar da minoria uigur, de religião muçulmana. A ONG Human Rights Watch documentou nesta região o uso recorrente de tecnologia para a vigilância em massa utilizando códigos QR, inteligência artificial, big data, dados biométricos e programas de espionagem nos telefones. Além disso, o Governo "mobilizou mais de um milhão de funcionários públicos e policiais para monitorar pessoas, incluindo o uso de programas que se intrometem na vida privada, em que os supervisores são encarregados de se alojar regularmente nas casas das pessoas", explicou em setembro passado em um relatório.

O Governo chinês também estabeleceu padrões que lhe permitem aumentar o controle sobre a Internet. A nova lei de Segurança Cibernética, que entrou em vigor no ano passado, obriga as empresas a armazenarem dentro da China todos os dados de usuários chineses e a tomar medidas para "interromper imediatamente a transmissão" de conteúdo proibido. A legislação também reforça a exigência de que as empresas que administram redes sociais e as operadoras de telefonia registrem os usuários com seu nome verdadeiro. Como resultado, essas empresas contrataram programas de controle eletrônico e milhares de moderadores responsáveis por supervisionar seu conteúdo para garantir que tudo esteja de acordo com as diretrizes oficiais.

"A maior parte do que eliminamos tem a ver com pornografia, mas também conteúdo problemático do ponto de vista político", diz um funcionário de uma dessas empresas, pedindo anonimato.

Somente no período entre outubro e novembro do ano passado, de acordo com dados oficiais, a censura bloqueou 9.800 contas de provedores independentes de informação cujo conteúdo foi considerado "prejudicial para a imagem da nação". Em três semanas de janeiro, a Administração Chinesa para o Ciberespaço havia eliminado 7 milhões de mensagens, fechado 700 sites e desativado 9.300 aplicativos para telefones celulares.

As informações sobre protestos desaparecem rapidamente. Os comentários que contêm determinadas palavras-chave não chegam a seus destinatários nas redes sociais. Desde 2015, de acordo com os dados do Governo, foram fechadas 13.000 páginas da Internet com conteúdo "sujo". Um estudo da Universidade de Toronto e da Universidade de Hong Kong identificou 3.237 palavras relacionadas com Tiananmen e censuradas. No entanto, usando um software ou palavras alternativas, os cidadãos chineses geralmente obtêm as informações ou transmitem as mensagens que desejam.

Mas não é algo que Pequim tenha a menor intenção de relaxar. Nem mesmo, aparentemente, que esteja em jogo o sucesso de suas negociações comerciais com os EUA. De acordo com notícia do jornal de Hong Kong South China Morning Post, citando duas fontes chinesas, as posições dos dois países entraram em choque, entre outras razões, porque Washington exortou Pequim a "abrir completamente a sua Internet". "A China só pode concordar em abrir algumas áreas seletivamente. Uma Internet completamente aberta é impossível", enfatizou uma dessas fontes.

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