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Marta Corredera: “Nós, mulheres, não vivemos do futebol, sobrevivemos”

A atleta mais polivalente da seleção espanhola defende os direitos das jogadoras: “Seria bom se me ouvissem mais”

Marta Corredera (7) no amistoso realizado domingo contra o Japão.
Marta Corredera (7) no amistoso realizado domingo contra o Japão.SEBASTIEN COURDJI (EFE)
Eleonora Giovio

Enquanto suas companheiras aproveitavam a tarde livre passeando pelas ruas da cidade francesa de Deauville —quartel-general da seleção espanhola na Normandia até o dia da estreia no Mundial feminino, no sábado, contra a África do Sul—, Marta Corredera ficou no quarto de hotel diante do computador. “Tenho prova online de inglês”, conta essa polivalente jogadora do Levante, de 27 anos, que estuda pedagogia. É também uma das vozes mais fortes do vestiário da equipe de Jorge Vilda. Ela sorri quando lhe perguntam se é a líder sindical do grupo. “Seria bom se me ouvissem mais lá fora! Não pedimos loucuras, pedimos o que é justo: poder viver disto, porque nós, mulheres, não vivemos do futebol, sobrevivemos. Não somos nem consideradas atletas de elite, e nossa dedicação é total. Tenho companheiras que têm de trabalhar ao mesmo tempo que jogam, senão o dinheiro não é suficiente para o dia a dia. No século em que estamos, fico chocada com isso”, desabafa Corredera.

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Na ficha da federação espanhola, da UEFA e da FIFA, ela aparece como atacante e/ou meio-campista. Na verdade, está jogando na lateral esquerda. Nessa posição, foi um furacão no amistoso realizado domingo contra o Japão (1 a 1). Jorge Vilda, que gosta de jogadores polivalentes, busca verticalidade e profundidade e encarregou Corredera dessa missão.

A jogadora nascida em Terrassa, na Catalunha, explica assim: “Comecei como ponta, joguei também mais para o meio e, nos últimos anos, virei lateral. Vou mudando em função do que o time e o treinador precisarem. Uma das coisas que nos faltava [na seleção da Espanha] era essa verticalidade, essa arrancada para chegar mais à frente, e conseguimos isso nestes últimos anos. Gosto desta posição porque tenho muita experiência, posso me deslocar para a ponta também. Isso nos ajuda porque temos mais capacidade de surpreender o adversário”, assinala Corredera, que começou como ponta-direita no Espanyol e no Barcelona, passou jogou como ponta e meia-esquerda e agora é lateral. Para Vilda, é um trunfo, porque joga bem em todas as posições e não descuida das tarefas defensivas. Ao lado de Mariona Caldentey, talvez seja a jogadora mais polivalente da Espanha. Das 23 convocadas, é terceira com mais jogos pela seleção, 68, atrás apenas de Jenni Hermoso (69) e Marta Torrejón (88).

“Jorge me pede atitude e concentração”, revela Corredera. Atitude sempre lhe sobrou; a concentração, confessa, é algo que tem trabalhado com Javier López Vallejo, o psicólogo da seleção. “Quando não estou 100% focada, isso se nota muito. É uma das coisas que Jorge tem tentado incutir na minha cabeça desde que está aqui. ‘Marta’, dizia ele, ‘se você se concentrar, vai ser uma das melhores, mas no momento em que sua atenção se desviar... vai ser uma a mais’. Tenho trabalhado com o psicólogo para me isolar e deixar fora do campo tudo que não tenha a ver com o futebol. Esse é um passo muito importante para mim”, destaca, acrescentando que sua breve experiência na Inglaterra (jogou no Arsenal em 2015-16) a fez amadurecer —“eu estava sozinha lá, a adaptação foi complicada”— e a transformou em outra jogadora. “Isso mudou meu corpo, eu me tornei mais atleta. Sou uma jogadora muito mais física agora. Lembro que no primeiro dia em que cheguei lá, algumas companheiras levantavam cem quilos na academia. Estão acostumadas a levantar peso desde os 15 anos. Nós estamos começando agora”, conta.

Marta já pensava em ser jogadora desde pequena. Seus pais perceberam bem cedo aonde queria chegar. Durante meses ela lhes disse que iria fazer a Primeira Comunhão vestida de jogador de futebol e usando chuteiras. “No fim, eles me compraram um vestido. Assim que saí da igreja, tirei as sapatilhas, coloquei as chuteiras, peguei a bola e fui com meu primo jogar”, lembra. Quando estava na escola, sempre foi a capitã —e isso sendo a única garota do time. “Lembro que entrávamos em campo e havia uma mulher que sempre dizia: ‘olhe, aí vêm Marta e seus pupilos’. Porque os meninos vinham todos atrás de mim… eu os mantinha tão na linha que todos me seguiam”, diz. É esse caráter que é valorizado no vestiário. E ela o exibe fora também: dias atrás, tachou de “repugnante e intolerável” uma declaração polêmica do toureiro Fran Rivera sobre um vídeo que levou uma mulher de 32 anos ao suicídio na Espanha. A mulher se matou depois que viralizou entre seus colegas de trabalho um vídeo antigo que a mostrava tendo relações sexuais. Rivera disse que os homens “não conseguem ver um vídeo assim e não compartilhá-lo”.

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