A história por trás da famosa foto do congestionamento no Everest
O escalador nepalês Nirmal Purja conta como capturou a imagem da aglomeração no topo do mundo e tentou organizar aquele caos
“Sim, eu fiz a foto.” Nirmal Purja (Myagdi, Nepal, 1984) estava lá em 22 de maio. Perto do topo do Everest. O escalador nepalês havia coroado o topo do mundo (8.848 metros) e se encontrava em plena descida quando foi atropelado pela multidão. Mais de 200 pessoas tentavam a ascensão, em um congestionamento humano jamais visto na montanha mais alta do planeta. Purja não conseguia avançar. A aglomeração ameaçava se tornar uma armadilha mortal. Ele então tirou as luvas e fez uma fotografia espetacular, tremendamente significativa daquilo que o Everest virou: um destino para turistas que as companhias comerciais oferecem a preço de ouro, sem importar o preparo físico ou técnico dos clientes. Até 10 pessoas morreram tentando.
“Fiquei totalmente preso naquele congestionamento de gente lá em cima”, conta Nirmal Purja ao EL PAÍS. “Eu estava descendo. De repente, fiquei parado, sem conseguir me mover. Havia mais de 200 pessoas tentando subir. Olhei ao redor e fiz a foto. Tirei as luvas. Tinha as mãos geladas e os dedos dormentes, mas queria fazer a foto como prova do que estava acontecendo. Claro que estava preocupado quando vi aquela fila gigantesca. O vento era de 35 quilômetros por hora. Se fosse de cinco a mais, teria havido mais mortos naquele dia.”
Num cenário onde até os melhores lutam para sobreviver, o pelotão de montanhistas acabou virando uma ratoeira. A 8.000 metros, não há espaço para uma trilha de ida e outra de volta. “Fiquei ali como se fosse um policial de trânsito. Passei uma hora e meia tentando dirigir aquele congestionamento humano. Todo mundo queria subir e todo mundo queria descer. O que fiz foi parar e controlar o tráfego. Ia mandando gente para cima e para baixo continuamente”, prossegue Purja em seu relato.
Curiosamente, a foto de denúncia do alpinista nepalês – que lamenta ter visto sua imagem sendo usada sem crédito em alguns veículos – ilustra uma realidade da qual ele mesmo participa. Purja está imerso no Project Possible 14/7, seu desafio de escalar em sete meses todas as 14 montanhas do mundo que atingem mais de 8.000 metros. O atual recorde é de sete anos de 10 meses, do coreano Kim Chang-ho (que morreu numa avalanche em 2018), um mês a menos que o polonês Jerzy Kukuczka, que atingiu esses picos entre 1979 e 1987 sem nunca imaginar que estava em uma competição. Hoje em dia o alpinismo olha para os recordes. “Estou tentando o impossível”, diz Nirmal Purja, “romper a marca dos 14 oito-mil e quebrar outros recordes como o da ascensão mais rápida ao Everest. Quero provar o que o ser humano pode conseguir, o seu potencial.” E, para isso, qualquer ajuda vale: cordas fixas, oxigênio engarrafado, sherpas, helicópteros para os deslocamentos... Tudo para conseguir uma marca ou, no caso desses turistas amontoados no Everest, o simples selo de ter posto os pés no topo do mundo.
Em sua corrida, Purja subiu desde abril seis cúpulas em tempo recorde: Annapurna, Dhaulagiri, Kanchenjunga, Makalu, Everest e Lhotse (ele tem o registro mais veloz de encadear estes dois últimos picos em 10 horas, em 2017). Em junho, tentará o Nanga Parbat, o Gasherbrum I e II, Broad Peak e o K2, e para o outono boreal ficarão Manaslu, Cho Oyu e Shisha Pangma. Uma maratona.
“Acredito que a montanha seja para todos. Se as pessoas querem subir o Everest, têm o direito. Há muitas rotas diferentes pelas quais se pode subir. Simplesmente será preciso saber administrar bem essa quantidade de gente”, afirma Purja, um alpinista com alma de militar. Foi soldado da Marinha Real Britânica, condecorado no ano passado como membro da Ordem do Império pela rainha Elizabeth II. “Eu estive com os gurkhas [povo combatente nepalês] e fui à guerra. Provenho das forças britânicas. Lá você acha que é invencível, que é o maior. E quando você está na montanha precisa colocar as coisas em perspectiva. Você percebe que não é ninguém.” Ou é um a mais no topo do Everest. Isso sim, autor de uma foto histórica.
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