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Bolsonaro recua e proíbe porte de fuzis, mas Taurus ainda tem razões para comemorar

Presidente alterou decreto de armas que abria brecha para que população portasse armamento pesado

O fuzil Taurus T 4, que teria o porte liberado pelo decreto.
O fuzil Taurus T 4, que teria o porte liberado pelo decreto.Reprodução Youtube
Gil Alessi

Após uma ampla repercussão negativa de especialistas, governadores e setores do Congresso, Jair Bolsonaro cedeu. Bolsonaro recuou e fez as primeiras alterações no polêmico decreto de armas assinado por ele em 8 de maio. Um dos pontos mais criticados no texto era uma brecha legal que permitia o porte de alguns tipos de fuzis de assalto pela população. A Forjas Taurus, que produz o fuzil T4, chegou a informar que já havia uma fila de 2.000 pessoas para adquirir o armamento. Em retificação publicada no Diário Oficial nesta quarta-feira, o Governo fechou a possibilidade de transporte destas armas de guerra, vedando explicitamente o porte de fuzis, espingardas, carabinas ou armas que necessitem ser carregadas por veículos ou mais de uma pessoa devido ao peso.

O recuo com relação aos fuzis foi comemorado por ONGs que trabalham com segurança pública. Mas se o porte foi vetado, a venda e a posse (direito de ter em casa) ainda são permitidas. Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou da Paz, afirma que este tipo de armamento pode levar ao aumento da letalidade em ataques como realizado na escola Raul Brasil, em Suzano, em março deste ano, que deixou oito mortos. “Compare os ataques em escolas no Brasil e nos Estados Unidos: aqui foram feitos com revólveres de seis tiros de baixo calibre. Lá utilizam essas armas de guerra, e o número de vítimas é maior”, afirmou.

Mas essa não é a única preocupação do coordenador do Sou da Paz. O crime organizado que antes se valia de desvios de arsenais oficiais ou contrabando de armas via Paraguai para ter acesso a este tipo de armamento terá à sua disposição um estoque de fuzis nacionais com preço muito atrativo. “O que deve se esperar é um aumento desse tipo de armas na mão do crime, porque vai baratear o custo”, explica Langeani. “Trazer um fuzil do Paraguai custa ao PCC 30.000 reais. A Taurus vende o T4 por cerca de 8.000. Haverá uma corrida dos criminosos para comprar essa arma, com o uso de laranjas e raspagem do número de série [para dificultar o rastreamento do dono original]. Isso para não falar dos fuzis que serão furtados do cidadão”.

Apesar de ter voltado atrás com relação aos fuzis, o debate legal em torno do tema, uma das promessas de campanha do presidente, está longe de acabar. Bolsonaro manteve no texto um dos pontos que na prática acaba com o Estatuto do Desarmamento – que de acordo com estudos salvou mais de 160.000 vidas desde que foi sancionado, em 2003. O decreto ampliou o porte (possibilidade de andar armado) para diversas categorias, como jornalistas, caminhoneiros, guardas de trânsito e proprietários rurais, que somam mais de 20 milhões de pessoas. O capitão reformado do Exército  também liberou a posse (direito de ter arma em casa) para toda a população que preencha alguns pré-requisitos, reduzindo os entraves burocráticos.

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O presidente também derrubou um artigo que tinha o potencial de provocar o cancelamento de rotas aéreas operadas por empresas estrangeiras no país. O texto original do decreto deixava a critério do Ministério da Justiça definir as regras para armas em voos. Este ponto abria uma brecha para que certas categorias pudessem portar armamentos dentro do avião, algo até então vedado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Agora a resolução da Agência, mais restritiva e em acordo com a legislação internacional sobre o tema, continuará valendo.

A nova versão do texto foi elaborada também com o objetivo de contornar alguns entraves jurídicos para sua implementação. O decreto ainda não foi regulamentado (passo seguinte à sua edição), e já enfrenta uma série de contestações no Supremo Tribunal Federal do ponto de vista de sua constitucionalidade: o Ministério Público Federal e partidos de oposição pediram sua anulação. A ministra Rosa Weber havia determinado que a Advocacia Geral da União se manifestasse sobre estas ações até esta quarta-feira, mas o Governo pediu mais tempo e sinalizou com mais alterações no texto. Somaram-se aos críticos da liberação de armas governadores de 13 Estados e do Distrito Federal, que assinaram na terça-feira uma carta contra o decreto do capitão. Eles alegam que as novas medidas podem aumentar os índices de violência, e pedem sua revogação.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, afirmou em entrevista à rádio Bandeirantes nesta quarta-feira que a alteração no texto foi resultado de “uma crítica de que talvez houvesse ali alguns excessos, e o Planalto foi sensível a esta crítica”. Quando Bolsonaro editou o decreto em 8 de maio, Moro afirmou que a medida não era voltada para a Segurança Pública, e sim um “compromisso de campanha” do presidente. Indagado sobre os riscos de aumente da violência ele não quis comentar.

Quem ganha com o decreto

Se o cenário é problemático para a sociedade do ponto de vista da segurança pública com o aumento do número de armas em circulação caso o decreto saia do papel, uma empresa tem motivos para comemorar. Apesar do caminho tortuoso que aguarda a regulamentação do texto, a Taurus, que detêm praticamente o monopólio da fabricação e comércio de armas no país, desponta como a grande beneficiária das mudanças propostas por Bolsonaro. Isso porque ao ampliar a possibilidade do porte e posse de armas amplia-se drasticamente o mercado. As ações preferenciais da empresa fecharam com alta de 5,85% na terça-feira, um dia após o Jornal Nacional veicular reportagem sobre a possibilidade de porte dos fuzis da marca. Quando Bolsonaro anunciou o decreto, em 8 de maio, os papéis da Taurus subiram 23,5%. Com o recuo do capitão elas passaram a operar em baixa, mas no curto e médio prazo o cenário que se desenha para a empresa é positivo.

Apesar da quebra do monopólio demorará algum tempo até que empresas estrangeiras consigam as autorizações necessárias do Exército para produzir no Brasil

Apesar da quebra do monopólio iniciada por Michel Temer e sacramentada com o decreto, demorará algum tempo até que empresas estrangeiras consigam as autorizações necessárias do Exército para produzir no Brasil. Enquanto isso, apenas a Taurus e a Imbel (empresa mista com volume de produção pequena) possuem capacidade instalada no país para saciar o desejo por armas do brasileiro. O decreto também abre a possibilidade de importação de armas, mas está modalidade tem custos - e burocracias aduaneiras – proibitivas para a maioria.

Em nota divulgada à época da edição do decreto o presidente da Taurus, Salesio Nuhs, elogiou o texto. “O decreto é um marco neste segmento, e a Taurus está pronta para atender a todo o aumento de demanda, seja pelo aumento da procura ou pela busca dos novos calibres classificados como armas de uso permitido”. Com relação à competição futura com as marcas estrangeiras – cujo produto é de melhor qualidade – Nuhs se mostrou confiante. “A Taurus está absolutamente preparada para enfrentar a concorrência em condições de igualdade, pois é uma empresa global que exporta para mais de 100 países”. Ele defendeu uma regulamentação tributária para que sua empresa não seja penalizada quando as estrangeiras chegarem. “A questão da isonomia tributária, que foi esquecida no decreto, é muito prejudicial para a indústria nacional e para o Brasil, não somente para a Taurus”, afirma.

Além da Taurus, outra empresa que sai ganhando com é a Companhia Brasileira de Cartuchos, a CBC

Além da Taurus, outra empresa que sai ganhando com é a Companhia Brasileira de Cartuchos, a CBC, que fabrica munições e tem praticamente o monopólio deste mercado no país. Como é uma empresa de capital fechado ainda não é possível aferir se ela já obteve ganhos com a nova política de armas do Governo. Desde 2014 ela vem adquirindo boa parte do capital social da Taurus, e hoje é a maior controladora da empresa, com mais de 60% das ações. Operando em dobradinha, as duas devem se fortalecer ainda mais após o decreto.

A vinda das estrangeiras para o Brasil é, até o momento, uma incógnita. Várias gigantes do mercado, como a tcheca CZ, a Caracal, com sede nos Emirados Árabes Unidos e a suíço-alemã Sig Sauer já manifestaram interesse de se estabelecer no país. Mas a vontade esbarra em alguns desafios, que vão da falta de controle de estoques e arsenais no país a um eventual dano para a imagem da marca. Foi o que acontece com a fabricante suíça Ruag, que planejava se instalar no país em 2018. Ela foi autorizada pelo então presidente Temer em 2017 a montar uma planta com capacidade para produzir até 20 milhões de munições por ano. Meses depois recebeu o veto do Governo suíço, que considerou inadequado fabricar armamentos em um país com as taxas epidêmicas de violência encontradas no Brasil e com altos índices de corrupção.

Uma das que empresas já conseguiu firmar um pé no mercado brasileiro via importações é a austríaca Glock, cujas pistolas são consideradas o suprassumo da categoria. Além de já ter feito negócio com a Polícia Militar de São Paulo, a empresa também venceu em 2018 um edital do Gabinete de Intervenção Federal no Rio para fornecer mais de 27.000 pistolas para a as forças de segurança no Estado. Seja com armamento nacional ou importado, é temporada de caça no Brasil.

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