“É muito inconveniente fazer festa aqui agora. Ainda estamos vivendo um trauma”
Vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho questionam a realização de um festival de três dias em meio ao luto da cidade
Andreza Rodrigues enterrou seu filho único no dia 7 de maio, depois de quase quatro meses de espera. Bruno Rocha Rodrigues, engenheiro, trabalhava na Vale e foi uma das 232 vítimas mortais do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro. Ele tinha sido efetivado em 2018 na mineradora após trabalhar dois anos como estagiário. "Sou mãe de um único filho assassinado pela Vale", lamenta Andreza em sua casa em Maricampos, cidade que fica a 15 minutos de Brumadinho. Ali, ela se preserva do intenso movimento que tomou conta da cidade nos últimos dias, quando turistas de diversas partes do país começaram a chegar para o festival de arte e música MECAInhotim, que acontece de sexta (17) a este domingo no museu a céu aberto.
Andreza diz que não vê a celebração, que movimenta a economia local e gera emprego, com maus olhos, mas questiona o respeito à dor das vítimas. "É verdade que a vida da cidade precisa ser retomada, mas não pode ser esquecido em nenhum momento que ainda há 30 pessoas debaixo da lama. Negar isso é desrespeitar a dor dessas famílias", afirma. Ela se refere às 30 vítimas cujos corpos ainda não foram identificados — o IML (Instituto Médico Legal) de Brumadinho conta com mais de 240 fragmentos de corpos, possivelmente dessas vítimas registradas como "desaparecidas". "O DNA do meu filho estava no IML desde março, mas só pude enterrá-lo depois de mais de 105 dias de espera", reclama Andreza, com indignação.
Essa mãe enlutada defende que os eventos culturais sediados na cidade a partir de agora adotassem como bandeira a memória dessa tragédia. "Gostaria que houvesse clamor por encontrar essas pessoas, afinal, são 30 famílias com as feridas abertas. Também queria que todos aproveitassem a oportunidade de um festival como esse para pedir o fim da exploração predatória do minério, que ceifa muitas vidas na nossa região".
Andreza participa, todas as quartas-feiras, de reuniões com os familiares das vítimas, membros do Corpo de Bombeiros, a Polícia Civil e representantes do Ministério Público para informar-se sobre as atualizações a respeito das decisões jurídicas sobre a tragédia e para organizar redes de apoio para os afetados. Quase quatro meses depois do rompimento da barragem, a tenda onde concentravam-se as vítimas na comunidade do Córrego do Feijão foi retirada. É em Brumadinho que elas se reúnem para tentar reorganizar suas vidas.
Maria Aparecida dos Santos, que perdeu a casa onde vivia com a filha de 10 anos e o marido, desconhece, no entanto, qualquer grupo de apoio para os afetados. Depois de viver mais de um mês em um quarto de hotel com a família, ela recebeu 50.000 reais de doação da Vale, que passou a pagar um aluguel em uma casa de dois quartos em um condomínio no bairro de Salgado Filho. O local é afastado do centro de Brumadinho, fica quase sobre a cidade, e longe do Rio Paraopeba, que corta a região. Maria prefere assim. "A cidade está muito cheia. Outro dia, precisei ir no cardiologista e mal consegui chegar, de tão movimentadas que estão as ruas", reclama. "Achei muito inconveniente programarem uma festa aqui neste momento, pelo que a comunidade está passando, pelo trauma que a gente ainda está vivendo".
Maria vive esse trauma diariamente, em casa. Ana Clara, sua filha, tem constantes ataques de pânico desde que viu a lama destruir sua casa. "Qualquer vento que bate, ela já não consegue dormir. Uma psicóloga da Vale sempre vem para conversar, mas só isso não adianta. Parece que é um trauma que nunca vai passar."
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