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Embates com Congresso ofuscam futuro político (e econômico) de Governo Bolsonaro

Texto partilhado por presidente, que fala em “ruptura institucional”, aumenta fosso com o Parlamento que precisa validar decisões do presidente. Economia segue à deriva com clima hostil

Bolsonaro em uma imagem de setembro de 2018.
Bolsonaro em uma imagem de setembro de 2018.CARL DE SOUZA (AFP)

O presidente Jair Bolsonaro fez mais uma provocação ao Congresso num momento que pedia sabedoria diante da data limite de 3 de junho para aprovar as medidas provisórias assinadas por ele logo que assumiu o mandato, como a que prevê a redução do número de ministérios (de 29 para 22). Bolsonaro partilhou um texto que reclama da dificuldade de governar sem “conchavos políticos”, relatando textualmente que “o presidente não serve para nada, exceto para organizar o governo no interesse das corporações”. Estas últimas seriam representadas por políticos e “servidores sindicalistas e sindicalistas de toga”, além de grupos empresariais que orbitam ao redor das esferas de poder.

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O texto injetou mais adrenalina numa relação já complicada com o Parlamento, numa semana em que o Governo foi acuado por protestos populares, fissuras na relação com os militares, e embaraços quanto ao destino do texto da Reforma da Previdência defendido por Bolsonaro. Neste momento, o Governo depende do aval do Parlamento prinicipalmente para a aprovação da MP 870, que reestruturou a Esplanada dos Ministérios e reduziu de 29 para 22 o número de pastas, além de enviar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) da Justiça para a pasta da Economia. Ela vence no próximo dia 3 de junho e se não for votada até essa data, a estrutura ministerial volta a ser a deixada pela gestão Michel Temer (MDB).

A medida original já havia sofrido diversas alterações. As principais delas foram a recriação dos ministérios das Cidades e da Integração Nacional, além de remover o COAF das mãos de Sergio Moro e entregá-lo para Paulo Guedes. Além disso, retira a possibilidade da Receita Federal de informar ao Ministério Público que determinada autoridade estaria cometendo um delito fiscal ou financeiro. “Muito do que se descobriu na Lava Jato só foi possível por causa da ajuda da Receita. Aparentemente, essa mudança vai amarrar nossas mãos. E, neste caso, com apoio do presidente, que tem um filho alvo de apuração nossa e do Ministério Público”, afirmou um auditor fiscal com trânsito junto ao Congresso em referência ao senador Flávio Bolsonaro.

Oficialmente, o apoio do Legislativo à gestão Bolsonaro é ínfimo. Nesta semana, o EL PAÍS fez a seguinte pergunta às lideranças de 21 partidos que representam 493 dos 513 deputados: a legenda se considera governista, independente ou oposição? O resultado: 305 deputados se declaram independentes, que podem votar ou não com o Governo em determinados assuntos, com ressalvas – como reforma da Previdência, reforma tributária ou ampliação do porte de armas; 134 dizem ser opositores, que não querem se aliar à gestão Bolsonaro em hipótese nenhuma; 54, admitem que são governistas, todos do PSL. A reportagem não conseguiu apurar qual o posicionamento de 20 deputados que são filiados a legendas nanicas ou não têm partido.

“Parece que o governo optou por não ter base. Se vai dar certo, não sei. No nosso caso, vamos avaliar o mérito de cada proposta, independentemente de quem a apresentou”, afirmou o deputado Daniel Coelho, líder do autodeclarado independente Cidadania, antigo PPS. Mesmo no seu partido, os embates entre alguns representantes se repetem publicamente. O mais recente começou na noite de sexta e se estendeu no sábado entre a deputada Carla Zambelli e a líder do Governo, Joice Hasselmann, ambas eleitas pelo PSL em São Paulo. Zambelli cobrou de Hasselmann falta de empenho para defender a MP do Governo, que sofreu alterações na comissão especial. “Por que @joicehasselmann finge não haver um elefante na sala? Porque não defende a Coaf com @SF_Moro?” Hasselman devolveu a alfinetada. “Ao contrário de você, penso no bem do país e do governo @jairbolsonaro. Pq eu sei fazer conta, conheço matemática básica e logo sei que SEM A MAIORIA NÃO SE APROVA NADA. Porque eu estou preocupada com o país e ñ com curtidas em tuítes ou lives. Pq eu sou inteligente, já vc...” A guerra virtual se estendeu pelo sábado com acusações de traição, inveja e afins entre as duas deputadas.

Sem disposição para buscar a pacificação e deixar de estimular rupturas – que paralisam a economia e reduzem as expectativas de recuperação —, o presidente abre o flanco para que outros ocupem o vácuo de poder. Já está em curso a articulação para aprovar um projeto de reforma da Previdência distinto do que foi apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A empreitada é liderada principalmente por Rodrigo Maia (DEM), o presidente da Câmara. Nesta sexta-feira, o presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, Marcelo Ramos (PR), revelou ao jornal O Estado de S. Paulo que Maia e lideranças do Centrão estão incentivando a votação de uma nova reforma. A justificativa de Ramos e de outros representantes dos partidos de centro é de que há uma relação desgastada entre o Legislativo e o Executivo fazendo com que alguns parlamentares rejeitassem a atual proposta apenas porque ela foi apresentada pela gestão Bolsonaro. “Este é um Governo que desconsidera completamente o Parlamento”, afirmou Ramos ao periódico.

Na quinta-feira, Maia já havia dito a investidores em um evento nos Estados Unidos que a reforma da Previdência sairá mesmo com o governo atrapalhando. “Nós vamos fazer a reforma da Previdência, com governo atrapalhando, com mídia social. É a nossa responsabilidade”. Maia já iniciou os trabalhos também para facilitar a votação da reforma tributária por meio de um antigo projeto apresentado pelo deputado Baleia Rossi (MDB). A proposta está em vias de ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e deve ter tramitação célere na comissão especial.

O Parlamento tem testado a sua força repetidamente com o Governo Bolsonaro. Na última semana, por causa de um acordo entre o Centrão e a esquerda, o governo viu seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, sofrer uma exposição desnecessária ao ser convocado para depor em comissão geral, ou seja, em uma audiência formal perante todo o plenário. Desde o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), apenas um ministro havia passado por essa exposição, com o também chefe da Educação de Dilma Rousseff em 2015, Cid Gomes.

Bolsonaro, por outro lado, não esconde que manterá a tática do confronto, sem sinais de que pretenda mudar o estilo. Por um lado, tenta manter sua militância acesa – um evento de apoio ao presidente está marcado para o dia 26 – ao mesmo tempo em que emite sinais de cansaço com menos de seis meses no poder. O quadro indefinido é admitido por ele mesmo, como mostrou o texto (de autoria do professor de Finanças Paulo Portinho), que incendiou a bolsa de apostas políticas. “A hipótese nuclear é uma ruptura institucional irreversível, com desfecho imprevisível. É o Brasil sendo zerado, sem direito para ninguém e sem dinheiro para nada. Não se sabe como será reconstruído. Não é impossível, basta olhar para a Argentina e para a Venezuela. A economia destes países não é funcional. Podemos chegar lá, está longe de ser impossível”, descreve o autor endossado por Bolsonaro. Assim, o presidente caminha pela linha perigosa de especulação sobre o futuro do seu governo, se sangrará até o final do mandato de quatro anos – como também sugere o texto de Portinho – ou se será abreviado por uma eventual renúncia.

Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo, que apoiou a eleição de Bolsonaro e seu projeto de Governo inicialmente, escreveu que ao endossar tal texto o presidente fez “claramente uma ameaça à Nação. Conforme se considere o estado psicológico de Bolsonaro e de seus filhos, a ameaça pode ser o tsunami de uma renúncia ou o tsunami de um golpe de Estado em preparação.” Embora não haja sinais dessa natureza, fica claro que as relações do presidente azedaram com a elite tanto política quanto econômica, num momento em que o dólar anda em 4 reais e economistas já falam do tema de uma volta à recessão. A prévia do PIB do primeiro trimestre, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), registrou queda de 0,68%, apontando para um eventual PIB negativo nos primeiros meses do ano.

(colaborou Carla Jiménez)

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