Governo aumenta previsão de economia na reforma da Previdência, mas já se prepara para desidratá-la
Proposta de emenda constitucional deverá perder 127,2 bilhões de reais de economia ao cortar aposentadoria rural e benefício de prestação continuada
Após críticas de parlamentares de que estava omitindo os detalhes da reforma da Previdência, o Governo Jair Bolsonaro apresentou nesta quinta-feira o detalhamento do impacto previsto pelas mudanças previdenciárias no Orçamento. A expectativa de economia divulgada publicamente mostrou-se ainda mais otimista que a inicial, quando o projeto foi enviado para o Congresso: passou de 1,072 trilhão de reais para 1,236 trilhão em um período de dez anos. Mas na mesma manhã em que os dados foram apresentados, o próprio presidente já deu sinais de que nos bastidores trabalha-se com um número mais baixo: algo na casa dos 800 bilhões de reais. O dado já levaria em conta a desidratação que o projeto deve sofrer ao longo dos trabalhos da comissão especial da Reforma da Previdência, que começou a discutir a proposta nesta quinta-feira.
Pela manhã, em um encontro com jornalistas, Bolsonaro afirmou que o piso de economia de sua reforma seria de 800 bilhões de reais, de acordo com informações divulgadas pela imprensa. Segundo a Folha de S.Paulo, ao ser questionado sobre quais alterações o Governo aceitaria fazer na proposta enviada, ele afirmou não saber. À tarde, entretanto, mudou seu posicionamento e afirmou que não existia um dado mínimo. Oficialmente, os técnicos do Governo dizem que defenderão a reforma da maneira que foi enviada ao Congresso. “Vamos defender a integralidade de nossa proposta”, disse o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.
A fala de Bolsonaro deixa escapar as dificuldades já antecipadas pelo Governo na tramitação do projeto. A previsão de parlamentares é que ao longo da discussão a redução da economia prevista com a reforma seja de pelo menos 127,2 bilhões de reais, ou quase 10% do previsto pelo Governo nos dados apresentados nesta quinta. Os principais pontos na mira serão a aposentadoria rural e o benefício de prestação continuada (BPC). Há um consenso entre a oposição e deputados do centrão (governistas) de que as mudanças não devem ser mantidas porque atingiriam a população mais pobre do país, o que poderia trazer consequências políticas nas próximas eleições. Para o economista Nelson Marconi, da FGV, o próprio detalhamento dos cálculos pode auxiliar os deputados mais reticentes. "Ao revelar que as alterações no BPC, por exemplo, gerariam apenas uma economia tão pequena, de 2,8% do total estimado para a reforma, o Governo simplesmente enterra esse bode que está na sala."
Os dados apresentados pelo Governo nesta quinta-feira se tornaram mais positivos por conta de uma mudança no período de dez anos considerado para o cálculo. A conta passou a ser feita a partir de 2020 (até 2029), e não de 2019 (a 2028), como antes, quando o Ministério da Economia previa uma aprovação mais célere da proposta de emenda constitucional no Congresso. A nova estimativa é, no entanto, considerada muito otimista por especialistas. Segundo o mestre de economia Ricardo Balistiero, os cálculos foram feitos projetando que a partir deste ano, com a reforma aprovada, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro saltaria para um crescimento anual de 2,9% até 2021 e avançaria 3,1% em 2022. Porém, diante das quedas consecutivas das projeções de crescimento do Brasil nas últimas semanas divulgadas pelo Banco Central, o avanço da atividade econômica do país deve ser muito menor em 2019, de cerca de 1,71%.
"No fim, a economia com a reforma da Previdência deve ficar entre 500 bilhões de reais e 800 bilhões de reais, já que o crescimento do país deve ser muito mais modesto e o projeto ainda será bastante desidratado até chegar na votação no plenário. Se na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara já houveram quatro mudanças, imagina nas próximas etapas... ", explica Balistiero, economista do Instituto Mauá de Tecnologia. Ainda que considere as projeções do Governo superestimadas, Balistiero avalia que se o Governo conseguir reduzir 800 bilhões de reais em dez anos, o país já deve conseguir "evitar uma trajetória explosiva da dívida". Atualmente, a dívida bruta brasileira já ultrapassa 77% do PIB.
O economista Nelson Marconi pondera que, apesar de a reforma ajudar bastante na saúde das contas públicas brasileiras, ela não garante uma melhora na recuperação econômica. "Ajuda muito no ponto de vista fiscal, mas não garante que os empresários voltem a investir e que o alto desemprego caia. O Governo está colocando uma expectativa muito grande na reforma, mas do ponto de vista prático só o fato de aprovar não vai melhorar o cenário econômico", diz Marconi.
Pressão por maior transparência
O detalhamento da economia prevista pela reforma da Previdência era cobrado por parlamentares desde o início da tramitação do projeto. Ele foi apresentado nesta quinta-feira primeiro aos líderes partidários da Câmara. Depois, em uma coletiva de imprensa.
Conforme os dados, a economia com o regime geral de previdência social –onde estão inseridos 71 milhões de trabalhadores– será 807,9 bilhões de reais. Já no regime próprio, onde estão 1,4 milhão de servidores da União, geralmente os com maiores salários, será de 224,5 bilhões de reais. “Dentro da proporcionalidade, o impacto é 14 vezes maior em um regime próprio”, afirmou o secretário Marinho.
Enquanto o Governo apresentava seus dados, os deputados instalavam a comissão especial na Câmara. Um acordo que envolveu a base, o Governo, o centrão e foi intermediado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, resultou na escolha de um deputado do PR, como presidente do colegiado, e um do PSDB, como o relator. São eles, respectivamente, Marcelo Ramos e Samuel Moreira.
Nas próximas dez sessões, os deputados apresentaram emendas à proposta. Depois terão entre dez e trinta sessões para analisá-las e votar o relatório. O cronograma entre os governistas é que até 15 de julho ela seja votada na Câmara e no início do segundo semestre no Senado Federal.
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