_
_
_
_

O bronco ato final antes da eleição na Ucrânia, que pode levar um humorista à presidência

Um debate num estádio de futebol marcou o último ato antes das eleições de domingo que têm o ator cômico Zelennskiy, inexperiente na política, como favorito para evitar a reeleição de Poroshenko

María R. Sahuquillo
Milhares de ucranios observam o debate entre Poroshenko e Zelenskiy, nesta sexta-feira no Estádio Olímpico de Kiev.
Milhares de ucranios observam o debate entre Poroshenko e Zelenskiy, nesta sexta-feira no Estádio Olímpico de Kiev.GENYA SAVILOV (AFP)

A política a cotoveladas. Em um estádio olímpico e com um ambiente mais parecido a um jogo de futebol do que a um debate eleitoral, os dois candidatos a presidir a Ucrânia mediram forças num dos últimos atos na corrida eleitoral nesta sexta-feira em um agressivo combate de boxe verbal. Com milhares de pessoas insuflando o embate, separados por um cordão policial, com uma banda de rock para abrir o debate, e sobre um palco épico, o atual presidente, Petro Poroshenko, e o cômico Volodymyr Zelenskiy trataram de apresentar seu projeto de país aos ucranianos que vão às urnas neste domingo. Mas o esperado debate não foi tal senão um ruidoso comício por turnos. O bronco ato final de uma campanha eleitoral inédita. Não só no espaço post soviético, como em toda Europa.

Mais informações
Presidente na ficção, humorista é favorito em disputa eleitoral na Ucrânia
Treinando meninos e meninas ucranianos para a guerra
Com 30% dos votos nas pesquisas, comediante deve ir ao segundo turno na Ucrânia

Com todo o país pendente do debate eleitoral olímpico e metade do mundo olhando para a Ucrânia, o último país em guerra do Velho Continente, os dois candidatos trocaram ofensas sobre corrupção, a guerra do Leste, o idioma ucrânio e suas finanças pessoais. E obviamente, a vizinha Rússia. “O país precisa de um líder forte, um líder que possa continuar dirigindo a coalizão internacional que construímos”, clamou Poroshenko. “Não sou um político, sou uma pessoa simples, resultado dos erros e das promessas não cumpridas por Poroshenko. Venho para romper o sistema”, clamou Zelenskiy.

No Estádio Olímpico de Kiev, cerca de 22.000 pessoas, segundo a polícia, bradavam a cada promessa. De casa, milhões de pessoas viram o debate transmitido ao vivo por vários canais de televisão, exibido também em cadeias de TV russas. O país estava há dias pendente do evento. Se realmente iria acontecer, quando e como. A lei eleitoral ucraniana estabelece que o debate deveria ser celebrado dois dias antes da jornada eleitoral (isto é, nesta sexta-feira), mas na sede da televisão pública.

“Não acho que Zelenskiy vá entregar a Ucrânia a Rússia, mas [o presidente Vladímir] Putin quer ser feito com ele”, tem recriminado Poroshenko, um magnata da área de doces, entre aplausos e gritos de apoio de seus partidários. Como nas últimas semanas, Poroshenko centrou sua mensagem em acusar  Zelenskiy, grande favorito em todas as sondagens para as eleições deste domingo, de falta de experiência, carência de liderança e de ser um grande risco para o país. “Hoje já vemos a postura de total incompetência”, bradou o atual presidente, que voltou a acusar Zelenskiy de ser uma marioneea em mãos do oligarca Igor Kholomoiski.

Mas o ator, de 41 anos, que se fez famoso precisamente por representar em uma conhecida série de televisão um professor que termina sendo presidente, fez gala dessa inexperiência para se diferenciar de sua oponente. Desde o princípio, o cômico levou a cabo uma campanha muito pouco ortodoxa, com uma forte presença nas redes sociais, comícios similares a espetáculos ou peças de teatro, e nenhum encontro com seus oponentes. Até a tarde desta sexta-feira quando passou à ação. A surpreendente ideia de debater no estádio olímpico foi sua. E ali jogou na cara de Poroshenko sua fortuna pessoal e sua falta de capacidade para acabar com a corrupção que assola o país, o principal problema da Ucrânia segundo 91% da população, como mostram as pesquisas. “Estou lendo uma pergunta que me fez chegar um cidadão. 'Como é possível que vivamos em um dos países mais pobres do mundo, dirigido por um dos presidentes mais ricos?'”, reclamou Zelenskiy.

A moeda local, a grivna, perdeu valor nos últimos anos e a inflação é alta. A cesta básica é cada vez mais cara e os salários não sobem. E isso preocupa e indigna a maioria dos ucranianos. Muitos depositavma suas esperanças em que, depois das mobilizações pela transparência e contra a corrupção que derrubaram em 2014 o Governo de Viktor Yanukóvich, aliado da Rússia, Poroshenko conseguiria reformar o sistema judicial, político e econômico. Mas as reformas que empreendeu o empresário, de 53 anos, foram insuficientes. Segundo as últimas sondagens, publicados na quinta-feira, 58% dos ucranianos vão respaldar o humorista; 22% apoiam Poroshenko, que com seus embates verbais está dando tudo para virar não só os votos de 20% dos indecisos, mas também avançar sobre os eleitores de Zelenskiy.

"O povo ucraniano tem direito a saber exatamente o que fará um candidato à presidência de um país em guerra, como derrotar o inimigo e não difundir falsidades russas", disse Poroshenko, que reforçou que com a eleição deste domingo se elege também o chefe do Exército. "Hoje nos encontramos diante de desafios externos, que exigem do presidente coragem, força e experiência internacional. Como candidato presidencial, como você vai desempenhar a função de comandante em chefe?", perguntou a Zelenskiy, ante os gritos de apoio de seus partidários, chegados de toda a Ucrânia em ônibus, fretados por sua campanha. Como Karina Govoruja e seu esposo, ambos de 54 anos. “Viemos apoiar  Poroshenko. É o líder que o país precisa”, afirmaram, enrolados na bandeira amarela e azul da Ucrânia.

Partidários de Poroshenko, durante sua chegada ao estádio, neste sábado.
Partidários de Poroshenko, durante sua chegada ao estádio, neste sábado.SERGEI GAPON (AFP)

Com a base do estádio dividida por um cordão policial para separar os partidários de ambos candidatos, a parte de Zelenskiy se via muito vazia. A campanha do ator habilitava um site para solicitar entradas gratuitas, mas saturou-se muito rápido. Os espaços em brancos em sua área de apoiadores também revelam o sintoma de que seus partidários fogem da política. Além disso, muitos pareciam mais conformados em seguir o debate pelas redes sociais. Sabrina, de 34 anos, conseguiu uma das entradas. “Precisamos uma mudança e precisamos já”, afirmou. “Os debates deveriam ser sempre assim, em frente a nós, os cidadãos”, reclamou.

O combate mal durou uma hora. E para além de um par de medidas concretas sobre a adesão da Ucrânia à OTAN ou mais fundos para a previdência pública, foi tudo fumaça. Neste sábado é o dia de reflexão e o debate olímpico foi o ato final de uma campanha épica e caótica. Ao final, Poroshenko lançou um último desafio a Zelenskiy. Que o acompanhasse até a televisão pública. Continuar debatendo diante das câmeras. O cômico, que sempre preferiu a épica do estádio, não compareceu. Neste domingo, a Ucrânia, um país estratégico geograficamente para a União Europeia, em plena tensão com a Rússia e com um conflito aberto no Leste que causou já mais de 13.000 mortos, decidirá quem será seu novo presidente. Enquanto, os ucranianos digerem este último espetáculo.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_