União Europeia e Londres acertam prorrogação do Brexit até 31 de outubro
Acordo permite que Reino Unido fique de fora da próxima Comissão Europeia
A União Europeia chegou a um acordo na noite de quarta para quinta-feira para adiar pela segunda vez a saída do Reino Unido do grupo, desta vez, de 12 de abril para 31 de outubro, segundo fontes diplomáticas. O pacto, aceito pela primeira-ministra britânica Theresa May às 2h da manhã do horário europeu, dá a Londres mais tempo para ratificar o acordo de saída, como a Alemanha queria, e permite que o Reino Unido seja excluído da próxima Comissão Europeia, como pleiteava a França.
EU27 has agreed an extension of Art. 50. I will now meet PM @theresa_may for the UK government's agreement. #Brexit
— Charles Michel (@eucopresident) April 10, 2019
As duas visões europeias do Brexit entraram em choque nesta quarta-feira durante a cúpula extraordinária em Bruxelas, convocada para responder ao pedido de uma nova prorrogação para evitar uma saída abrupta do Reino Unido da UE. A compreensão quase infinita da chanceler alemã, Angela Merkel, com as dificuldades de Londres para aprovar o acordo do Brexit foi confrontada à crescente exasperação do presidente francês, Emmanuel Macron, diante de um parceiro em retirada que pode bloquear seu sonhado “renascimento da Europa”, razão pela qual pediu a May para se comprometer com um roteiro claro para a saída. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, anunciou na madrugada de quinta-feira uma prorrogação até 31 de outubro, o que coincidiria com o fim do mandato da atual Comissão Europeia, com uma revisão em junho.
A cúpula extraordinária é resultado do pedido de prorrogação da primeira-ministra britânica, Theresa May, que deseja atrasar novamente o Brexit (adiado uma vez de 29 de março para 12 de abril) até 30 de junho. May deixou claro ao chegar que poderia aceitar “qualquer prorrogação” que permitisse que o Reino Unido saísse quando conseguir “ratificar o acordo de retirada”, o que indicava uma extensão mais longa. Seu pedido levou ao Conselho Europeu um debate que até agora só dividiu o Parlamento Britânico.
Pela primeira vez desde o referendo do Brexit, há três anos, a Alemanha e a França chegaram à cúpula com posições claramente opostas. E apesar de ambas as delegações compartilharem a vontade de chegar a um termo médio que evite o mal maior de um Brexit sem acordo nesta sexta-feira, o ruído do atrito entre Berlim e Paris é cada vez mais evidente.
O presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, fez um chamamento a “manter a cabeça fria”. E considerou vital “manter a unidade dos vinte e sete”. Mas pelo menos no início da cúpula essa unidade parecia em dúvida. Macron condicionou a segunda prorrogação do Brexit a que May se comprometa com um caminho claro para resolver a saída do clube. E o presidente francês quer que, enquanto o Reino Unido permanecer no clube à espera de sair, se imponha um espartilho estreito que garanta que não poderá colocar obstáculos a nenhuma medida adotada pelos 27 parceiros restantes.
“Faz 34 meses que o referendo foi realizado e neste tempo conseguimos tomar decisões e permanecer agrupados, mas a viabilidade e a unidade do projeto europeu ainda estão em jogo”, disse Macron no início da cúpula. E embora as fontes francesas se mostrassem favoráveis a conceder a nova prorrogação solicitada pela primeira-ministra britânica, Macron advertiu que “nada está garantido de antemão e menos ainda uma prorrogação longa”. A batalha podia começar.
Merkel e Macron fizeram uma reunião bilateral pouco antes da cúpula para aproximar posições, já que as diferenças entre ambos eram palpáveis. Diante das exigências do francês, a chanceler alemã se conforma com que May aproveite a prorrogação para prosseguir suas negociações com a oposição trabalhista para buscar uma maioria parlamentar favorável ao acordo de saída.
A chanceler, que levou quase seis meses para fechar seu último Governo de coalizão com os socialistas, lembrou, antes de partir de Berlim para Bruxelas, a dificuldade intrínseca de negociações entre partidos rivais. Merkel defende que pode ser concedido a May “um período razoável de tempo” para que as negociações entre o Governo britânico e a oposição trabalhista cheguem a bom porto.
Merkel desconsidera que May levou quase dois anos para iniciar o diálogo com o líder trabalhista, Jeremy Corbyn. E que só o fez quando o Parlamento britânico rejeitou até três vezes, por maiorias esmagadoras, o acordo de saída que ela pactuou confiantemente com a UE em 25 de novembro.
A Alemanha, no entanto, não está disposta a tolerar um Brexit brutal, que poderia ter consequências devastadoras para a economia britânica, mas também para a continental. “Temos apenas 59 horas para evitar uma saída desordenada do Reino Unido da UE”, disse Merkel antes deixar Berlim com destino a Bruxelas.
O cálculo detalhado de Merkel do tempo restante confirma a intenção apontada por fontes diplomáticas alemãs de esgotar até o último minuto toda a margem temporal e política de negociação para evitar uma ruptura abrupta com Londres.
A negociação da cúpula começou com um esboço de conclusões com todos os desenvolvimentos de um possível acordo final: uma prorrogação com um prazo limite, a obrigação de que o Reino Unido participe das eleições para o Parlamento Europeu de 23 de maio se até essa data não tiver ratificado o acordo de saída, a recusa a renegociar esse acordo de saída e o parágrafo-chave, reservado para fixar as obrigações de Londres durante sua permanência excepcional no clube.
Mas todos esses pontos estavam “abertos”, segundo fontes diplomáticas. E a França, em particular, advertiu que “não considera suficientes as garantias oferecidas” no projeto de conclusões, razão pela qual, desde o início, não podia aceitar a prorrogação.
O parágrafo sobre as garantias, o sétimo na versão inicial, estava destinado a ser endurecido e ampliado durante a cúpula, segundo fontes diplomáticas. O texto define o Reino Unido como “Estado membro de saída”, uma categoria mais política do que jurídica, sobre a qual se quer construir a estrutura para eliminar qualquer temor de sabotagem interna por parte de Londres.
Fontes diplomáticas relativizam o suposto risco de bloqueio. Mas vários parceiros, com a França à frente, exigem garantias. A Comissão Europeia já levantou a possibilidade de desenvolver um modelo de decisão baseado na fórmula 27+1, o que permitiria aos parceiros da UE preparar e pactuar as medidas legislativas antes de submetê-las à aprovação em um Conselho da UE com presença e voto do Reino Unido.
Esse sistema permitiria blindar o desenvolvimento da imensa maioria das normas legislativas, que são aprovadas por maioria qualificada. Mas Londres manteria seu direito de veto como o resto das capitais em áreas como política externa ou tributação.
A França quer que mesmo essa possibilidade seja neutralizada com um compromisso do Reino Unido de não colocar obstáculos a qualquer decisão nesses campos. No entanto, as instituições comunitárias duvidam que um Estado membro de pleno direito possa ser obrigado a renunciar a alguma de suas prerrogativas e preveem que uma decisão desse tipo seja anulada pelo Tribunal de Justiça Europeu.
Os 27 acreditam que superarão suas discrepâncias e chegarão a um pacto que permita esclarecer, por um tempo, o Brexit. A saturação é patente na maioria das delegações. Pouco a pouco, o Brexit passou de ocupar alguns minutos dos Conselhos Europeus, em que 27 membros se limitavam a ouvir em silêncio a primeira-ministra britânica, Theresa May, para se tornar o assunto dominante na última cúpula europeia de março e exigir uma cúpula extraordinária neste 10 de abril.
O ar de crise interminável, indomável e potencialmente destrutiva começa a pesar sobre a atmosfera de um clube europeu que se aproxima do momento crucial das eleições para o Parlamento Europeu e da conseguinte renovação de toda a cúpula comunitária.
Macron quer por um ponto final à saga, em uma data que está disposto a pactuar, embora, de preferência, antes do fim deste ano. A posição francesa é que chegado esse momento “decisivo” ao Reino Unido só lhe restariam duas opções: sair da UE ou revogar o pedido de saída que começou a tramitar num distante 29 de março de 2017.
Outros parceiros e instituições comunitárias preferem uma espécie de prorrogação renovável que evite a consumação do trauma da primeira excisão. Mas a prorrogação é por unanimidade. E sem a aprovação da França, a saída sem acordo aconteceria nesta sexta-feira à meia-noite. “Colocar em perigo o funcionamento da UE não é melhor do que o Brexit sem acordo”, alertou um diplomata francês depois de duas horas de negociações entre os 27 com May fora da sala, aguardando o veredito.
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