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Paraguai prende tenente que enfrentou a cúpula do Exército para amamentar seu bebê

Corte Suprema confirma pena de 45 dias de detenção para Carmen Quinteros, a primeira militar a reivindicar seu direito. O caso levou à criação de salas de amamentação nos quartéis

A tenente paraguaia Carmen Quinteros Giménez em maio de 2016, com seu bebê recém-nascido no colo
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A primeira-tenente Carmen Quinteros Giménez só queria uma autorização para amamentar seu filho. Há dois anos e meio, após concluir seus seis meses de licença-maternidade, pediu que a excluíssem dos turnos de 24 horas a cada três dias, mesma escala dos seus colegas. Mas seus comandantes negaram, e a Justiça militar também. Foi a primeira militar a reivindicar seu direito, e o caso levou à criação de salas de amamentação nos quartéis. Mas na semana passada a Corte Suprema do Paraguai confirmou que Quinteros deverá cumprir os 45 dias de detenção por falta disciplinar. Poderá cumprir a pena em seu domicílio.

Quinteros, de 33 anos, recorreu à Justiça civil, apelando ao direito da criança a receber a nutrição necessária. Uma vara da infância lhe deu a razão e solicitou a seu comandante que lhe concedesse essa autorização. Mas o militar, segundo seu advogado, a retirou de seu posto administrativo original e a enviou para uma unidade operacional, com permanências de até 32 horas no quartel. Talvez sem desejar, Quinteros deu início a uma queda-de-braço entre o direito civil e o direito militar no país que sofreu a ditadura fardada mais longa da América Latina (1954-1989), uma disputa que ainda não terminou.

Quando o caso se tornou público, em 2017, houve mobilizações, e o debate chegou ao Congresso. Os superiores de Quinteros tentaram então condená-la a dois anos de reclusão por calúnia. O Defensor do Povo apresentou um pedido de habeas corpus contra isso, e na segunda-feira passada, depois da sentença da Corte que avalizou a pena imposta a Quinteros por um tribunal militar, os advogados da tenente pediram a intermediação do presidente Mario Abdo Benítez. O mandatário, entretanto, disse nesta terça-feira, 9, que não há muito que ele possa fazer. “Não tenho como ir contra a lei. Fizemos as averiguações para saber como está o caso, mas os assessores jurídicos da Presidência me dizem que [interceder] não está entre nossas atribuições”, disse.

Quinteros está acostumada a enfrentar desafios. Formou-se como a melhor da sua turma na academia e sempre honrou seus deveres militares. Nunca cometeu nenhuma falta disciplinar. Até que, com o nascimento de seu filho, se deparou com um desafio inesperado, que a obrigou a confrontar todo o estamento militar.

A tenente naval solicitou ao almirante Hugo Milciades Scolari Pagliaro, agora reformado, que trabalhasse das 7h às 18h, para poder passar a noite em sua casa e amamentar. Segundo a promotora da Infância de Assunção, Monaliza Muñoz, que recebeu a denúncia de Quinteros, ela estava amparada pela Convenção sobre os Direitos da Criança, a Constituição paraguaia e a lei de lactação materna de 2015. Mas o estatuto do pessoal militar de 1997, que prevê as licenças- maternidade, embora não as regulamente, deixa a decisão nas mãos do comandante. Uma lei em que a palavra 'mulher' não aparece nenhuma vez.

“Os comandantes tinham competência para conceder essas permissões. Nenhum concordou. Mas a criança não deixa de ser criança porque sua mãe é militar”, diz Muñoz. “É um direito da criança, não só da mãe, porque pode afetar a sua saúde. Ela não violou nenhum regulamento, cumpriu todos os serviços, só se tratava de adequar sua jornada trabalhista”, acrescentou a promotora. O advogado de defesa no processo militar, Carlos Luis Mendoza Peña, diz que Quinteros “foi a primeira mulher militar a reivindicar seu direito, marcando um antes e um depois no Exército”. “Enquanto na Força Aérea já havia um ônibus disposto para levar as mães para casa, seu comandante nas Forças Armadas só preparou as salas de amamentação por causa da pressão do caso”, acrescentou.

A ministra da Mulher, Nilda Romero, disse que “a sanção [contra Quinteros] está fora de tempo e é um mau precedente”. Também destacou que a tenente poderá recorrer à Justiça internacional, agora que esgotaram todas as instâncias nacionais. O Frente Mulher do Partido Paraguai Pyahura declarou em nota que a atitude dos militares “deixa nu o machismo institucional existente dentro das Forças Armadas”.

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