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O flamenco com a luzes e sombras de Goya toma os palcos do Brasil

Companhia Antonio Gades volta a apresentar no país 'Fuenteovejuna' e 'Carmen' após 31 anos. "O Brasil foi fundamental", diz a diretora artística Stella Arauzo

Cena de 'Fuenteovejuna'.
Cena de 'Fuenteovejuna'.Javier del Real (Divulgação)

"Se fiz algo para renovar o flamenco é porque fui para trás em vez de ir para a frente", costumava dizer o célebre coreógrafo Antonio Gades, principal expoente da dança espanhola. Quinze anos depois de sua morte, a companhia que leva seu nome mantém esse espírito: os mais de 20 bailarinos que se apresentam nos palcos brasileiros com os espetáculos Fuenteovejuna e Carmen reproduzem os passos e as palmas do flamenco mais tradicional, de modo quase minimalista, mas enérgico, transportando o público para uma Espanha interiorana onde o violão e o quejido são parte do cotidiano.

Em sua quinta viagem ao Brasil, a Cia. Antonio Gades traz ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo a versão teatral para a obra-prima de Lope de Vega (Fuenteovejuna, escrita há 400 anos) —que conta a história de camponeses que se rebelam contra um cruel comendador— e o clássico Carmen, com assinatura artística de Gades e do cineasta Carlos Saura (confira aqui a programação). Livres dos clichês associados à dança espanhola —como o figurino espalhafatoso que aparece nos cartões postais da região—, ambas montagens têm sua dramaticidade acentuada pela cenografia pintada com luzes e sombras inspiradas nas telas de Diego Velázquez e Francisco de Goya, além da execução ao vivo da ópera de George Bizet (Carmen) e da música do russo Modest Mussorgsky para Fuenteovejuna. Arranjos para cantos gregorianos, composições barrocas do século XVII e músicas do folclore espanhol também compõem as produções.

Cena de 'Carmen'.
Cena de 'Carmen'.Javier del Real (Divulgação)

É o que fez de Antonio Gades um minimalista e um transgressor, de acordo com Eugenia Eiriz, viúva do coreógrafo e diretora da Fundação Antonio Gades, e Stella Arauzo, diretora artística da companhia de dança. Ambas conversaram com o EL PAÍS antes da estreia dos espetáculos. "Ele misturou o flamenco puro com as melhores referências da música, do cinema, do teatro, da poesia para contar histórias universais", diz Eiriz, por telefone, desde Madri. "Isso faz com que sua obra seja entendida em qualquer lugar do mundo, ainda que o público não tenha muita aproximação com a dança espanhola. E, além de entender, o mais importante sentir", complementa Arauzo, considerada uma das maiores bailarinas vivas do mundo, que foi escolhida pessoalmente por Gades para manter vivo seu legado artístico.

"O que tento fazer é transmitir a mesma humildade que ele tinha ao trabalhar, sabendo, é claro, que ninguém jamais chegará ao seu nível. Tentamos deixar tudo da maneira mais fiel possível à sua concepção artística, respeitando o que ele criou e montou. É algo especial, e o público sente", acrescenta Arauzo.

Emoção é precisamente o que define o encontro entre as plateias brasileiras e os espetáculos da companhia. Foi aqui que Gades estreou sua Carmen fora da Europa, em 1988, com uma Stella Arauzo de 16 anos como protagonista nos palcos do Rio de Janeiro. "O Brasil foi fundamental na carreira de Antonio. Ele sempre sentiu-se bem acolhido aqui", diz Eiriz. Ela destaca a atualidade política de Fuenteovejuna: "Cada vez vemos mais pessoas cansadas de governantes que esquecem que estão a serviço da cidadania e não o contrário. É um grito de liberdade e solidariedade contado através da música e dança espanhola. O público desfruta dessa montagem quase que com raiva, sente-se parte da obra". Como diz a viúva do coreógrafo, não se trata apenas de dança. "Gades é todo um modo de entender o trabalho, a política, a vida, o ser humano".  

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