Temer era o “líder de organização criminosa”, conforme decisão que o prendeu
Delação de ex-executivo da Engevix embasou operação que prendeu o ex-presidente, o ex-ministro Moreira Franco e mais oito pessoas
A decisão do juiz Marcelo Bretas que mandou prender o ex-presidente Michel Temer e o ex-ministro Moreira Franco se baseou principalmente na delação premiada de José Antunes Sobrinho, engenheiro e antigo executivo da empreiteira Engevix. Sobrinho foi preso pela Lava Jato em 2015 por ter repassado 765.000 reais de propina para o presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro. Ele tentou assinar um acordo de delação com a força-tarefa de Curitiba, mas foi rejeitada. Com a equipe do Rio de Janeiro, contudo, o acordo foi firmado.
A ordem de prisão que envolve, no total, dez pessoas, entre elas o antigo braço direito do ex-presidente, o coronel da PM de São Paulo, João Baptista Lima Filho, leva em conta desvios na operação para a construção da usina nuclear de Angra 3, comandada pela Eletronuclear, e o pagamento de propina feito pela Engevix para a campanha de Temer. Os esquemas, conforme a acusação do Ministério Público Federal e a decisão de Bretas, foram planejados por Temer e operados pelo coronel Lima. Segundo o juiz, Temer era o "líder do grupo criminoso".
“Por sua posição hierárquica como vice-presidente ou como presidente da República do Brasil, e a própria atitude de chancelar negociações do investigado Lima o qual seria, em suas próprias palavras, a pessoa ‘apta a tratar de qualquer tema’, é convincente a conclusão ministerial de que Michel Temer é o líder da organização criminosa a que me referi, e o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos”, afirmou o juiz.
Temer é o segundo ex-presidente brasileiro a ser preso, depois de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que foi detido há quase um ano por delitos como corrupção e lavagem de dinheiro. Temer foi denunciado duas vezes enquanto ocupou a presidência, por delitos como corrupção e formação de quadrilha. Por isso, havia um temor de seus aliados de que, assim que ele deixasse a Presidência pudesse sofrer alguma medida judicial. Foi o que ocorreu nesta quinta-feira.
Ao anunciar a prisão de Temer, o MPF diz que o bando vinculado a ele é suspeito de "praticar diversos crimes envolvendo variados órgãos públicos e empresas estatais, tendo sido prometido, pago ou desviado para o grupo o valor de mais de 1,8 bilhão de reais. Segundo a investigação, comprovou-se, até o momento, que os repasses ilegais destinados ao emedebista chegam à quantia de 1,1 milhão de reais. Eles foram feitos por meio de duas empresas: Alumi Publicidade e PDA Projeto e Direção Arquitetônica —controlada pelo coronel Lima. Os detidos nesta quinta-feira respondem pelos crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Outras três operações da Polícia Federal estão vinculadas às prisões: a Radioatividade, Pripyat e Irmandade.
Em ao menos três trechos de sua decisão, o juiz Bretas tentou desvincular possíveis crimes eleitorais dessa investigação. Seu objetivo é evitar que seja cumprida a decisão do Supremo Tribunal Federal de transferir para a Justiça eleitoral os casos em que houver associação de delitos. “Não existe, por ora, nenhum indício de que os requeridos estariam recolhendo valores para financiamento de campanhas políticas. Pelo contrário, são apresentadas várias evidências de que foi instaurada uma gigantesca organização criminosa em nosso país, cujo único propósito é recolher parte dos valores pagos em contratos públicos e dividi-los entre os participantes do esquema”.
Os recursos teriam sido desviados de um contrato de 163 milhões de reais assinado pela Eletronuclear com a Engevix, do engenheiro Sobrinho, e com a Argeplan Arquitetura, esta comandada pelo coronel Lima. Juntas, as duas empresas foram subcontratadas pela AF Consult, uma companhia finlandesa que venceu a concorrência pela obra de Angra 3.
O contrato teria sido obtido pelas empresas por conta da relação de Lima com o então presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro. Para ilustrar essa proximidade, o Ministério Público Federal constatou que no período de quatro anos eles se falaram 400 vezes pelo telefone. Uma média de uma ligação a cada 3 dias. Os procuradores chegaram a pedir a prisão de Othon Pinheiro, mas o juiz Bretas a recusou, assim como a da filha dele Ana Cristina Toniolo, por entender que ele já foi condenado pelo mesmo delito em uma outra ação penal.
Conforme a apuração do Ministério Público, aparentemente, as duas empresas do coronel Lima, o operador de Temer, (PDA, Argeplan) eram de fachada e tinham o objetivo de arrecadar recursos ilícitos. Uma delas, a PDA, nem funcionários possuía, apesar de ter sido subcontratada para tocar uma obra milionária com a Eletronuclear. A sócia de Lima era a mulher dele, Maria Rita Fratezi, que também teve mandado de prisão expedido nesta quinta-feira. O ex-ministro Moreira Franco também atuou como intermediador dos esquemas ilícitos, de acordo com a denúncia da Procuradoria.
Uma das tentativas de encobrir a ilegalidade dos repasses a Temer foi a reforma da casa de uma de suas filhas, Maristela Toledo Temer, no nobre bairro de Alto de Pinheiros, em São Paulo. A obra era paga com dinheiro vivo e a responsável pelos pagamentos era Fratezi, a sócia e esposa do coronel Lima. “A obra realizada na residência da filha do ex-presidente teria sido uma forma de escamotear parte dos valores recebidos pelo político e seu operador financeiro”, ressaltou Bretas em seu despacho.
O outro esquema para esconder a propina, segundo a decisão, foram repasses no valor de 17,7 milhões de reais feitos pela Construbase Engenharia LTDA. para a PDA, do coronel Lima, sem prestação alguma de serviços. A Construbase é de propriedade de Vanderlei de Natale. Ele é amigo de Temer, já deu carona de helicóptero ao ex-presidente e é investigado na Lava Jato por fraude à licitação e formação de cartel.
O Ministério Público ainda apontou a relação de Temer com o coronel Lima, que são amigos desde a década de 1980. O ex-policial militar era o responsável financeiro pelo escritório político de Temer. Um relatório da Receita Federal aponta que, de 2013 a 2016, ele teve movimentações financeiras superiores ao seu rendimento. “A movimentação financeira superior aos rendimentos líquidos em cada um dos anos pode ser indicativo de existência de rendimentos não declarados à Receita Federal ou até mesmo a movimentação de recursos de terceiros”, aponta a decisão. O delator Sobrinho diz que Lima “tinha carta branca para atuar em nome de Temer”.
Ainda na decisão, o juiz Bretas citou que Temer, Moreira Franco e coronel Lima respondem a diversos inquéritos na Justiça Federal. Só o ex-presidente já foi denunciado em duas ocasiões e é investigado em outros três casos. Para decretar as prisões, o magistrado disse existir indícios suficientes de autoria dos crimes e o risco de que a liberdade dos acusados pudesse interferir na instrução criminal e na aplicação da lei penal. O juiz temia que provas pudessem ser destruídas. “Deve-se ter em mente que no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso”.
Em nota, o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, diz que não havia provas contra o seu cliente. “Resta evidente a total falta de fundamento para a prisão decretada, a qual serve apenas à exibição do ex-presidente como troféu aos que, a pretexto de combater a corrupção, escarnecem das regras básicas inscritas na Constituição da República e na legislação ordinária”.
Já o escritório que defende Moreira Franco, disse que sua prisão preventiva era desnecessária, porque sempre se manifestou estar à disposição da Justiça e nunca se negou a prestar depoimentos. “Causa estranheza o decreto de prisão vir de juiz de direito cuja competência não se encontra ainda firmada, em procedimento desconhecido até aqui”.
Os presos desta quinta
Prisões preventivas – prazo máximo de 180 dias
Prisões temporárias – prazo máximo de 5 dias
Michel Temer – ex-presidente, ex-vice-presidente e ex-deputado federal
Wellington Moreira Franco – ex-ministro de Minas e Energia, da Secretaria-Geral e da Aviação Civil, ex-deputado federal, ex-governador do Rio de Janeiro
João Baptista Lima – ex-coronel da PM de São Paulo a amigo de Temer há quase 40 anos, sócio em duas empresas de fachada (Argeplan e PDA) suspeitas de arrecadar propina para o ex-presidente
Maria Rita Fratezi – esposa e sócia do coronel Lima
Carlos Alberto Costa – ex-representante do coronel Lima, por meio da Argeplan, em um contrato suspeito de ser fraudulento
Carlos Alberto Costa Filho – ex-representante do coronel Lima, por meio da Argeplan, em um contrato suspeito de ser fraudulento. Substituiu seu pai no posto
Vanderlei de Natale – proprietário da Construbase, empresa suspeita de se aliar à PDA para encobrir a propina
Carlos Albertlo Montenegro Gallo – interferia junta ao presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro, pelos contratos irregulares
Carlos Jorge Zimmermann – representante da empresa finlandesa AF Consult
Rodrigo Castro Alves Neves – funcionário da Engevix
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