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Corte no vale-transporte em São Paulo empurra empregado a negociar benefício em meio à crise

A partir de sexta-feira, cartão pago por empregadores terá menos subsídios da prefeitura, o que significa que o usuário terá direito a fazer menos embarques

Felipe Betim
Faixa de ônibus na rua da Consolação, região central de São Paulo.
Faixa de ônibus na rua da Consolação, região central de São Paulo.Rovena Rosa (Agência Brasil)

Se você tem um emprego com carteira assinada em São Paulo e se desloca durante horas em mais de dois ônibus até chegar ao trabalho, prepare-se para falar com o patrão ou com o departamento de recursos humanos de sua empresa. A partir de sexta-feira, dia 1 de março, a prefeitura da capital paulista, comandada por Bruno Covas (PSDB), muda algumas regras do Bilhete Único. A principal alteração ocorre na modalidade vale-transporte — isto é, o cartão que o empregador deve dar ao empregado, segundo prevê a legislação trabalhista — e poderá afetar o bolso dos trabalhadores registrados ou ainda reduzir a oferta de emprego. Sobretudo para os que mais moram longe, nas franjas da cidade.

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Atualmente, o passageiro que possui um vale-transporte pode fazer quatro embarques, isto é, pode subir em até quatro ônibus municipais num período de duas horas pagando apenas uma passagem, 4 reais e 30 centavos; ou ainda embarcar em três ônibus + metrô/trem pagando um acréscimo de 3 reais e 65 centavos pela integração. A partir de 1º de março, contudo, o passageiro poderá fazer no máximo dois embarques: poderá subir em no máximo dois ônibus municipais em um período de três horas pagando apenas uma tarifa; ou pegar um ônibus + metrô/trem pagando o mesmo acréscimo pela integração.

A gestão Covas explica que, ao promover este corte, está deixando de subsidiar o empregador, que é quem deve pagar o vale-transporte e, portanto, complementar o valor a ser pago por aqueles que fazem mais de duas viagens durante seu trajeto ao trabalho. A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte estima que 120.000 pessoas serão afetadas, entre as 1,5 milhão que recebem vale-transporte de seu empregador. Ou seja, 8% dos passageiros. A economia gerada com o corte é de 419 milhões de reais por ano, "que poderão ser investidos em outras áreas", destaca a secretaria ao EL PAÍS. Para as outras duas milhões de pessoas que utilizam o Bilhete Único Comum, além de aposentados, estudantes, e trabalhadores informais, nada muda. As tarifas de integração com metrô e trem também permanecem iguais.

O decreto foi emitido no último dia 23 de fevereiro. As empresas e trabalhadores tiveram menos de uma semana para se adequarem. "A medida, em princípio, impacta as empresas. A Prefeitura em tese tem razão. Mas essa é uma verdade que não condiz com a realidade", explica o advogado trabalhista José Augusto Rodrigues Júnior, conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. Isso porque, explica, "o empregador que tiver mais custos vai trocar o empregado que mora mais longe por uma pessoa que mora mais perto".

Para o advogado, os trabalhadores estão "frágeis" e não estão em condição de negociar um aumento. "Hoje está fácil fazer essa troca porque o desemprego está alto. E o sindicato também está sem poder de negociação. O trabalhador tem que aceitar tudo que lhe é ofertado", argumenta. Em 22 de fevereiro, o IBGE divulgou novas cifras de desemprego que mostram São Paulo acima da média nacional, com 14,2% de desocupação, contra 12,3% no país.

A legislação trabalhista prevê que um empregado não pode gastar mais de 6% de seu salário com transporte para ir ao trabalho, cabendo ao empregador subsidiar a locomoção. "Portanto, passar o aumento para o trabalhador é ilegal. Mas na prática essa ilegalidade já acontece, sobretudo em empresas prestadoras de serviço de limpeza, vigilância e segurança. Muitas falam que só vão pagar uma passagem por dia e pronto. Então, essa situação tende a aumentar", explica Rodrigues Junior. "De um jeito ou de outro, quem vai acabar pagando a conta é o trabalhador", conclui.

Jonathan Lindim, de 25 anos, mora em Campo Limpo, na zona sul da cidade, e todos os dias se desloca até a região da República, onde trabalha como segurança em um edifício. Pega dois ônibus na ida e um na volta, o que significa que não será afetado pela mudança da prefeitura. Mas teme que seja prejudicado no futuro. "O salário já não é essas coisas, então é o empregador que tem que pagar esse aumento. E eu não quero pagar para trabalhar", diz. O porteiro Sergio Matos, morador de Guaianazes, no extremo leste de São Paulo, também não sofrerá com a mudança, mas teme pela sua esposa, que precisa pegar mais de dois transportes para chegar até o shopping em Tatuapé no qual trabalha. "Vamos ver, ela está na expectativa, ainda não falaram nada para ela". O zelador Douglas Alexandre explica qual é a realidade do mercado de trabalho: "A responsabilidade é da empresa, mas você chega numa entrevista de emprego e ela diz que só pode pagar uma passagem. E aí, como é que fica?".

Outras mudanças no Bilhete Único

O decreto de Covas, que foi publicado no último dia 23 de fevereiro, prevê outras mudanças no Bilhete Único que entrarão em vigor em 90 dias ou ao longo dos próximos anos. São elas:

  • O fim da emissão de cartões sem identificação do usuário;
  • Os créditos em um cartão poderão ser usados num prazo de 1 ano; até o momento, eles ficam armazenados por até 5 anos;
  • O cartão do Bilhete Único terá validade de 5 anos;
  • O Bilhete Único poderá ser usado em modais não motorizados, como em serviços de bicicletas compartilhadas, ou paga pagar transporte individual, como patinetes elétricos, Uber e 99.
  • A possibilidade de que bilhetes virtuais (em celulares, por exemplo) substituam o cartão de plástico;
  • A possibilidade de anúncios publicitários nos cartões;
  • Homens e mulheres transexuais poderão incluir seu nome social nas fichas de cadastro, formulários, prontuários e documentos relativos ao Bilhete Único.

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