Sinta-se melhor do que ele
Imagine que uma contagem regressiva acaba de começar dentro de você. Pense que você irá suportar essa agonia com perfídia e dignidade
Deixe a xícara de café sobre a mesa da sala. É domingo, são duas da tarde. Recorde que aos domingos às duas da tarde vocês costumavam fazer outras coisas: acordar de ressaca, ler na cama, tocar-se. Agora estão falando há duas horas e ele já disse frases como “temos que ter um projeto juntos”, e depois de cada uma dessas frases você sentiu náuseas, a sensação de estar gritando dentro de um balde. Pense: “Ele fala como um livro de autoajuda”. Pense: “Cale a boca, você está arruinando tudo”. Pergunte-se onde está o homem com quem fazer sexo era, a cada vez, como descobrir o fogo. O homem com quem não era preciso “ter um plano”, porque ele era o plano, e que agora diz palavras como “casal”, “reavivar”. Sinta que, com cada uma dessas palavras, ele atira pedras sobre uma superfície de vidro. Veja como parece satisfeito, sorri melifluamente, estica a mão, quer tocar a sua. Retraia-se com um gesto que pareça casual, mas não permita que a toque. Pense em todas as amigas e amigos que lhe contaram suas próprias “conversas de casal”, suas próprias “crises”, e em todas as vezes que você lhes disse: “Não se preocupe, com certeza vai se arranjar”, enquanto pensava: “Já terminou, só que você ainda não sabe”. Pergunte-se: “Onde está o homem que era meu herói”. Sinta-se selvagem e maléfica. Sinta-se melhor do que ele. Pense que esta conversa os empurrou até a última fímbria que separava a terra do abismo. Olhe como ele tem o rosto cheio de súplica. Sinta-se traída. Sinta desprezo e desejo de lhe fazer mal. De esquecê-lo neste mesmo momento. Escute como ele diz: “Estamos juntos nisto, não é, amor?”. Sinta que uma contagem regressiva acaba de começar dentro de você. Pense que você irá suportar essa agonia com perfídia e dignidade. Diga: “Sim, amor, claro”.
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