Ministra Damares é acusada por indígenas de sequestrar criança, diz revista
Segundo a 'Época', indígenas afirmam que criança foi levada do Xingu e nunca devolvida. Ministra diz agora que é "cuidadora" da hoje adolescente e que ela não perdeu contato com familiares
Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foi acusada por índios Kamayurá de sequestrar uma criança da aldeia, segundo reportagem da revista Época publicada nesta quinta-feira. Kajutiti Lulu Kamayurá, atualmente com 20 anos, teria sido levada quando tinha apenas seis, em 2005. Damares se referia a ela como sua filha adotiva, apesar de, segundo a revista, nunca ter tomado as medidas formais de adoção. Dentre elas, a pastora precisaria de autorizações da Justiça e da Fundação Nacional do Índio (Funai). De acordo com os índios ouvidos pela revista, Lulu deixou a aldeia para fazer um tratamento dentário levada por Damares e sua amiga Márcia Suzuki, que se apresentavam como missionárias, e nunca mais voltou.
Em nota, o ministério comandado por Damares afirmou que ela “não estava presente no processo de saída de Lulu da aldeia”, e que ambas “se conheceram em Brasília”. A aldeia de onde Lulu foi levada fica no parque indígena do Xingu, no Mato Grosso. "Márcia veio no Kuarup [cerimônia tradicional em homenagem aos mortos], olhou os dentes todos estragados [de Lulu] e falou que ia levar para tratar", disse à revista Mapulu, pajé kamayurá e irmã do cacique. Suzuki e Damares são fundadoras da ONG Atini, que se dedica a combater o infanticídio indígena. A ministra se desligou da entidade em 2015.
Ainda na nota, Damares informou que “todos os direitos de Lulu Kamayurá foram observados. Nenhuma lei foi violada. A família biológica dela a visita regularmente. Tios, primos e irmãos que saíram com ela da aldeia residem em Brasília. Todos mantêm uma excelente relação afetiva". A ministra afirmou que “Lulu Kamayurá já retornou à aldeia. Ela deixou o local com a família e jamais perdeu contato com seus parentes biológicos”. Os índios afirmaram, no entanto, que a primeira visita da jovem ocorreu apenas em 2017. A falta do processo formal de adoção da criança não foi respondida pela ministra à revista Época inicialmente. Depois, em nova nota, o ministério afirmou que ela “é uma cuidadora de Lulu e a considera uma filha”. No entanto, “como não se trata de um processo de adoção, e sim um vínculo socioafetivo, os requisitos citados pela reportagem não se aplicam”.
A avó paterna Tanumakaru, que era responsável pela criação da menina uma vez que a mãe biológica “não tinha condições”, contou à reportagem da Época o momento da partida da neta: “Chorei, e Lulu estava chorando também por deixar a avó. Márcia levou na marra. Disse que ia mandar de volta, que quando entrasse de férias ia mandar aqui. Cadê?”. Segundo ela, em nenhum momento foi dito que Lulu não retornaria mais para a aldeia. Os índios reconhecem que a época em que a criança nasceu foi um período de escassez de comida e remédios, e que Tenumakaru não tinha leite no peito, por isso “passava madrugadas cozinhando para matar a fome da neta”. Lulu chegou a ser levada para tratamento médico por servidores quando ainda era bebê, porque se recusava a comer.
Damares já fez uma série de críticas aos costumes indígenas. Em 2013 a pastora afirmou em um culto que Lulu teria sido salva do infanticídio. A prática só costuma ocorrer com recém-nascidos, o que não é o caso da jovem. Os Kamayurá não negam que já sacrificaram bebês no passado. "Antigamente, tinha o costume de enterrar. Hoje, a lei mudou", completou o pajé Mapulu. No entanto, ele afirma que não foi o caso com Lulu. “Damares cometeu um grande erro. É mentira dizer que Lulu foi resgatada”, diz. Em dezembro o EL PAÍS entrevistou Kanhu Raka Kamayurá, da mesma aldeia que Lulu, que foi levada para Brasília quando seus pais foram pressionados pelos anciãos a "resolver o problema": ela tinha dificuldades de locomoção.
A reportagem procurou o Ministério Público Federal para saber se o órgão irá apurar as denúncias da revista Época, mas ainda não obteve resposta.
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