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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Bolsonaro, o novo “bromance” autoritário de Trump

A união dos dois mandatórios, entre outros aspectos, confere uma falsa credibilidade à ideia de uma conspiração global de esquerda, útil aos dois

Jair Bolsonaro se reúne com assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, antes da posse, em novembro de 2018.
Jair Bolsonaro se reúne com assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, antes da posse, em novembro de 2018.Reprodução redes sociais (Jair Bolsonaro)
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Donald Trump é um amigo confiável de déspotas autoritários e recentemente encontrou um novo companheiro. O novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tem um histórico de comentários ultrajantes sobre tudo: de direitos indígenas e de LGBTs até a própria democracia, o que faz com que Trump, em comparação, pareça até um estadista. O presidente norte-americano parece não se incomodar ao alinhar-se com este discurso de ódio. "Parabéns ao presidente @JairBolsonaro [...]", ele tuítou em 1º de janeiro, quando Bolsonaro tomou posse. "Os EUA estão com você!". Bolsonaro respondeu empolgado: "Caro Sr. Presidente @realDonaldTrump, eu realmente agradeço suas palavras de estímulo. Juntos, sob a proteção de Deus, vamos trazer prosperidade e progresso aos nossos povos! ”

O nascente “bromance” (de bro, ou “brother” e romance, ou “relação amorosa”) entre os presidentes de direita dos maiores países da América está sintonizado com as relações amistosas que Trump já desenvolveu com líderes como Iván Duque, da Colômbia, e Mauricio Macri, da Argentina. No caso da Colômbia, as áreas de cooperação entre os EUA e seu maior aliado na região são as mesmas de sempre — combate ao narcotráfico, contraterrorismo e oposição contínua ao governo da Venezuela. A relação de Trump com Bolsonaro é, no entanto, diferente, uma vez que o Brasil tem sido um aliado em geral pouco consistente dos EUA. Os países têm divergido sobre questões como o comércio, o acordo nuclear do Brasil com a Alemanha Ocidental na década de 70 e o desejo do país de assumir uma posição de liderança na América Latina. Sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a relação entre os EUA e o Brasil foi frequentemente tensa. O Brasil buscou alianças com outros governos de esquerda na região e aumentou o comércio com a China e outros países do BRICS, ao mesmo tempo em que desempenhou um papel chave na resistência à tentativa de Washington de estabelecer uma Área de Livre Comércio das Américas. Após o impeachment de 2016 que destituiu Dilma Rousseff, o novo presidente, Michel Temer, procurou reatar com os EUA por meio de medidas como a expansão do acesso às reservas de petróleo offshore (pré-sal) do Brasil para empresas estrangeiras.

A simpatia entre Macri e Trump parece relacionada às vivências compartilhadas por ambos os presidentes, que remontam aos negócios imobiliários de Trump com o pai do presidente argentino nos anos 80 e 90 do século passado. Macri e Trump são empresários e milionários e compartilham um longo histórico de práticas comerciais e financeiras obscuras. No entanto, os escândalos em torno de Macri parecem ter tido pouco efeito sobre sua popularidade, situação muito semelhante à de Trump. Mas o estilo pessoal de Trump está muito mais alinhado com o de Bolsonaro do que com o do comedido Macri. Por exemplo, Trump se irrita — e talvez simplesmente não compreenda — as limitações impostas pelas instituições de governo americanas; Bolsonaro já disse na década de 90 que, se fosse eleito presidente, ele daria um golpe em seu primeiro dia no cargo. Trump se gaba por assédio sexual; há menos tempo, Bolsonaro disse a uma colega parlamentar que ela não merecia ser estuprada por ele. Ambos são entusiasmados negacionistas da mudança climática, tendo Bolsonaro recuado da oferta brasileira de sediar as conversações da ONU sobre o clima este ano. Ambos espalham falsidades gritantes e classificam toda cobertura midiática negativa como “fake news”. Ambos são estimulados por bases de fãs que se deleitam com o comportamento bizarro de seus líderes.

Ainda assim, a relação entre Bolsonaro e Trump é mais profunda do que as tendências autoritárias ou posições políticas de direita compartilhadas. O que tem Bolsonaro que parece tão atraente para Trump? E quais fatores explicam a admiração aduladora de Bolsonaro por Trump e por um país do qual sucessivos governos brasileiros de todo o espectro ideológico mantiveram uma distância segura? Levando em conta a ignorância de Trump em relação à política externa, a admiração por Bolsonaro é provavelmente baseada em uma interpretação superficial de frases que retratam o líder brasileiro como um político feito à sua imagem e semelhança. Trump chegou a admitir isso recentemente, quando afirmou: “O Brasil tem um grande novo líder. Dizem que é o Trump brasileiro. Acreditam? Mas ele gosta. Se ele não gostasse, eu não gostaria do Brasil”.

Mas, aqueles em torno de Trump estão certamente cientes das vantagens econômicas sob o novo governo. Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, formado na Universidade de Chicago, indicaram que ampliarão a abertura da economia brasileira iniciada por Temer. "Privatizar tudo", disse Guedes. Com vastas reservas de petróleo pré-sal a serem exploradas; e empresas brasileiras a serem abocanhadas, há muito dinheiro a ser feito pelas empresas americanas. Isso sem falar nas riquezas minerais da Amazônia, algumas ainda inexploradas, enquanto Bolsonaro promete retirar as proteções ambientais uma a uma. Manter um bom relacionamento com o brasileiro pode garantir o acesso prioritário dos EUA a esses recursos.

Talvez a característica mais preocupante do nascente “bromance” é que ele mostra que alguns líderes mundiais enxergam Trump como alguém merecedor de imitação. Claramente, a aproximação de Bolsonaro com Trump e outros no Governo dele faz parte de uma estratégia para encontrar aliados no exterior. Já que a mídia internacional tem destacado amplamente seu fanatismo, Bolsonaro precisa de amigos. Conexões globais funcionam como moeda poderosa em um país cujas elites sempre procuraram no exterior seus sinais intelectuais e culturais, e a validação de qualquer presidente dos EUA lhes traz legitimidade. As redes sociais também fazem parte dessa questão. Para os seguidores de Bolsonaro, os tweets e fotos de congratulações com oficiais dos EUA são evidências do reconhecimento oferecido por uma superpotência.

Trump e Bolsonaro estão renovando um relacionamento construído não na igualdade, mas no alicerce do domínio estadunidense na região. Isso veio à tona quando Bolsonaro bateu continência ao Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, em uma reunião logo após sua eleição. A subserviência sugerida pela saudação colidiu diretamente com o seu slogan de campanha, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", uma versão um pouco mais religiosa do "America First" de Trump. Os fãs de Bolsonaro, contudo, parecem contentes em ignorar a contradição desta deferência com sua retórica ultranacionalista, se isso significar ganhar afagos de Trump.

Para entender as raízes da admiração de Bolsonaro por Trump, devemos voltar nossa atenção para as classes média e alta do Brasil, que há muito veneram os Estados Unidos e a Europa, uma admiração relacionada aos duradouros anseios racistas da elite brasileira pela construção de uma nação "mais civilizada”, em mais uma manifestação do chamado “complexo de vira-lata.” Para essa elite, essa inferioridade deve-se à herança da miscigenação racial do país. Esse ressentimento não costuma ser expresso abertamente no Brasil, mas sempre fervilhou abaixo da superfície e, historicamente, moldou a política. Hoje, muitos adeptos de Bolsonaro estão dando voz ao seu racismo e classismo muito mais descaradamente, e eles encontram afinidade no desprezo de Trump por negros, imigrantes e muçulmanos.

Fazer amizade com Trump também pode ser interpretado como uma tentativa, da parte de Bolsonaro, de amenizar a ojeriza com a qual a eleição deste foi recebida no exterior, especialmente entre acadêmicos, ativistas brasileiros que vivem fora do Brasil e parte da mídia estrangeira. A aproximação ajuda a difundir a ideia de que ambos têm inimigos em comum: os "progressistas" norte-americanos que criticam Trump e os “esquerdistas” e a “petralhada” que Bolsonaro prometeu "limpar" do Brasil. Isso cria a sensação de propósito comum no enfrentamento de uma imaginada conspiração global de esquerda, que é útil tanto para Trump como para Bolsonaro.

A nascente aliança entre os presidentes de extrema-direita dos dois maiores países da América é profundamente preocupante, mais ainda quando se leva em conta que Trump já vem fortalecendo seus laços com autocratas de direita desde as Filipinas até a Hungria. Agora, mais do que nunca, é hora para que aqueles que valorizam a democracia, o estado de direito, a tolerância e a diversidade, tanto nos EUA como no Brasil, levantem a voz contra a convergência de interesses ameaçadores que unem os dois líderes.

Erika Robb Larkins é professora de Antropologia e Sociologia e diretora do J. Keith Behner e Catherine M. Stiefel Program on Brasil na San Diego State University.

Bryan Pitts é vice-diretor do Centro para Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Indiana University.

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