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Obsessão de Trump por muro mergulha os EUA em sua mais longa paralisação

Entenda a disputa em torno do projeto que arrasta o país a um bloqueio que deixa 800.000 funcionários públicos sem salário

Protestos em Washington contra o bloqueio.
Protestos em Washington contra o bloqueio.Carlos Barria (REUTERS)
Pablo Guimón

A paralisação parcial do Governo norte-americano, que se tornará neste domingo a mais longa na história dos EUA, mostrou-se em toda sua gravidade na sexta-feira, quando quase 800.000 funcionários públicos ficaram sem receber seus salários. O empenho de Trump em construir um muro contra a imigração na fronteira com o México, e a recusa dos democratas em financiá-lo, deram lugar a uma situação sem precedentes, que prenuncia os desafios que aguardam o polêmico presidente nesta nova etapa de poder compartilhado. Na falta de um acordo que parece inalcançável, o shutdown só poderia terminar com uma declaração de emergência nacional, algo que o presidente há dias ameaça fazer, embora na sexta-feira tenha declarado que “não é algo que se contemple imediatamente”.

O que é um shutdown?

A burocracia federal que mantém em funcionamento muitos dos aspectos da vida norte-americana é financiada com um orçamento anual estabelecido e aprovado pelo Congresso. Isso se dá mediante uma dúzia de projetos de lei que precisam ser aprovados por maioria qualificada de dois terços no Senado, e que o presidente precisa sancionar. Se não superar essa maioria, ou se o presidente não assinar o pacote antes da data regulamentar, as partes do Governo que ficam sem financiamento fecham. Os funcionários são mandados para casa, com licença não remunerada, exceto os considerados essenciais pela natureza de seu trabalho – estes são obrigados a darem expediente sem ganhar.

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Como é essa paralisação?

Desde a sexta-feira à meia-noite (hora de Washington), quando igualou os 21 dias de um shutdown do Governo de Bill Clinton que terminou em 6 de janeiro de 1996, este é o episódio mais longo de que se tem registro. Trata-se de uma paralisação parcial, ou seja, que não afeta todo o Governo federal, já que outros departamentos já foram financiados com antecedência. A de Clinton foi também parcial, mas muito mais extensa. O fato de esta afetar apenas aproximadamente uma quarta parte do Governo é um dos motivos pelos quais pode durar tanto. Os departamentos atingidos são Agricultura (40% de seus funcionários), Comércio (87%), Segurança Nacional (13%), Moradia e Desenvolvimento Urbano (95%), Interior (78%), Justiça (17%), Transportes (34%), Meio Ambiente (95%), Tesouro (83%) e uma parte do Departamento de Estado.

Quantos funcionários foram afetados?

Quase 800.000 funcionários estão sem receber. Um total de 420.000 deles foram qualificados como essenciais e estão trabalhando sem remuneração, como o pessoal de alfândegas nos aeroportos e a guarda fronteiriça; outros 380.000 foram para casa. Os trabalhadores afetados em alguns casos enfrentam sérias dificuldades, como demonstra o fato de deverem um total de 249 milhões de dólares em pagamentos mensais de suas hipotecas, segundo o site imobiliário Zillow. Em outros fechamentos, receberam os salários atrasados, mas isso não está garantido. Quem certamente não receberá nada serão centenas de terceirizados do Governo que ficaram sem poder trabalhar.

Como isso afeta o resto dos cidadãos?

Os agricultores, por exemplo, não poderão receber assistência para aderir a programas de ajudas recém-aprovados. Os parques nacionais e museus estão fechados ou oferecem serviços muito limitados. Cerca de 30 milhões de pequenos empresários estão sem acesso a empréstimos federais e assistência técnica. Quem quer comprar uma casa ou refinanciar uma hipoteca se vê obrigado a esperar. As inspeções de segurança alimentar estão atrasadas, a lei contra a violência de gênero ficou sem recursos, e as atividades estão praticamente paralisadas nas agências de pesquisa científica, incluindo a NASA. As restituições de impostos atrasaram.

Por que se chegou até aqui?

O fechamento do Governo começou à meia-noite de 21 de dezembro, depois que o presidente e os democratas do Congresso não conseguiram chegar a um acordo para financiar o muro que Trump quer construir na fronteira com o México. O presidente exige o acréscimo, para esse fim, de 5,7 bilhões de dólares ao financiamento federal que tinha que ser aprovado antes de 21 de dezembro. Trump se nega a ceder em uma demanda que os democratas consideram uma medida cara, ineficaz e, nas palavras da presidenta da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, “uma imoralidade”.

Quem tem a culpa?

Para uns, Trump. Para outros, os democratas do Congresso. Em todo caso, o bloqueio se deve à nova realidade de poder dividido que começou a vigorar no país em 3 de janeiro, já que nesta legislatura os democratas controlam a Câmara de Representantes (deputados). As pesquisas indicam que a maioria dos norte-americanos culpa os republicanos e, em particular, o presidente. A maioria não apoia o muro ou não acredita que seja uma prioridade. O próprio Trump disse em dezembro, numa reunião com os líderes democratas, que assumiria com “orgulho” a responsabilidade. Mas agora culpa a oposição.

Como se pode solucionar?

Por enquanto, parece haver duas únicas saídas: uma muito difícil, e uma muito polêmica. A primeira, que se chegue a um acordo que permita às duas partes proclamar uma vitória. Por exemplo, aprovando financiar parte do muro em troca de outras medidas. A segunda, uma declaração de emergência nacional que permita ao presidente driblar o Congresso e decretar ele próprio a construção do muro. Seria uma utilização muito pouco ortodoxa dos poderes presidenciais, que desencadearia uma árdua batalha constitucional. Em 3 de janeiro, a Câmara baixa, estreando a maioria democrata, aprovou medidas para financiar todos os departamentos fechados não relacionados com a segurança fronteiriça. O Senado, de maioria republicana, nega-se a votar uma proposta que o presidente vetaria. Trump ameaçou em 14 de janeiro manter o shutdown durante “meses ou inclusive anos”. Nos últimos dias, se mostra cada vez mais partidário de declarar emergência nacional.

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