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Drinques para o Ano Novo: aprenda a preparar os melhores coquetéis do mundo

Competição World Class Bartender of the Year 2018.
Competição World Class Bartender of the Year 2018.
Abraham Rivera

Fomos ao campeonato pelo título de melhor bartender mundial. E aproveitamos para conhecer as tendências da coquetelaria, setor que vive um boom sem precedentes. O vencedor do concurso, Orlando Marzo, nos brinda com as fórmulas das sete combinações que lhe deram a vitória

A história do clubbing berlinense é rica em relatos. A cidade possui inúmeras antigas fábricas que, em algum momento de sua vida recente após a queda do Muro, alojaram milhares de jovens que saíam para dançar. A subestação elétrica Buchhändlerhof, construída em 1928 e fechada no final da década de oitenta, não ficou de fora. Se você perguntar a qualquer pessoa que rondar os 50, é provável que saiba dizer que lá se inaugurou em 1993 a E-Werk: mítica discoteca que recebeu festas como a Dubmission, com Paul van Dyk e Kid Paul como principais atrações musicais. Sua presença, em todo caso, não fazia sombra a outra das atrações do clube. Vitrolas Technics 1210 banhadas a ouro.

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Um quarto de século depois não há rastro daqueles reluzentes toca-discos. O lugar, entretanto, recebe eventos de todo tipo. Sua estética industrial e suas amplas salas permitem que disputas de prestígio como o World Class Bartender of the Year, uma das competições de coquetelaria mais respeitadas do planeta, tenham uma acomodação perfeita. Na edição de 2018, o concurso contou com a participação de 56 dos melhores bartenders do mundo, uma seleção feita entre 10.000 profissionais dos cinco continentes. A força da Diageo, a empresa responsável pelo concurso e por mais de 200 marcas do mercado de bebidas alcoólicas, dentre as quais estão o Johnnie Walker, Don Julio, Ketel One, Tanqueray e Zacapa, permitiu elevar o setor a um nível inimaginável há 10 anos, quando ocorreu a escolha do primeiro bartender.

Da esquerda para a direita: Down to the Orchard. 40 mililitros de whisky Johnnie Walker Black Label, 20 mililitros de suco de maçã verde clarificado (são acrescentados ácido málico e cítrico); 15 mililitros de mirto anis e agraço; 110 mililitros de soda caseira de vinho de la huerta. Finalizado: mirto anis e uma fatia de pera. Midnight Melody. 40 mililitros de rum Zacapa 23; 35 mililitros de tônico de banana e pimenta-longa; 10 mililitros de vinho Madeira com especiarias. Finalizado: Golden Crust Brush (pistache, sal, açúcar e pimenta-longa). Bora. 40 mililitros de gim Tanqueray Nº TEN; 100 mililitros de CO2 com erva-cidreira e vermute branco Belsazar; 10 mililitros de aroma de pimenta negra. Finalizado: twist de limão. Twilight. 40 mililitros de rum Zacapa 23; 30 mililitros de sidra; 15 mililitros de calêndula silvestre; Spray de óleo de limão.

“Queria estar em Berlim porque a geração que me precede foi muito inspiradora e eles estiveram aqui antes”, foram as primeiras palavras do vencedor desse ano, Orlando Marzo, responsável pelos coquetéis do restaurante Lûmé, em Melbourne. “A competição me deu a oportunidade de me formar e ver as diferentes perspectivas da indústria. Nesse ano a profissionalização foi bem forte, a competição está ficando cada vez maior”. O mundo se agita ao ritmo de uma coqueteleira. O World Class é o exemplo mais evidente do auge e valor que os barmen estão adquirindo. “Eu gostaria de conhecer chefs como Massimo Bottura. Entre meus objetivos não está somente abrir um bar e fazê-lo bem-feito”, disse o representante australiano, mas nascido em Castiglione d’Otranto, na região de Puglia, Itália. “Nosso trabalho é fazê-lo como o fazem os grandes da cozinha”.

A gastronomia permeou as conversas durante os três dias de duração do evento. “Se não fosse pelos cozinheiros, continuaríamos fazendo gim-tônica”, diz David Ríos, formado no restaurante Mugaritz e vencedor mundial do World Class 2013. “Os chefs desenvolveram técnicas que depois nós adaptamos. O que aconteceu nesses 10 anos não foi vivenciado nos últimos 100”. Fátima León, vencedora da edição mexicana do ano passado, confirma: “Alguém que não tem base de cozinha ficará estático no bar”. A jovem bartender, no comando do Fifty Mils da Cidade do México, um dos 50 melhores bares do mundo de acordo com a The World’s 50 Best, também é uma apaixonada pela química. “Adoro pesquisar. Se você conhece sua matéria-prima, que é a água, tudo ficará mais simples. Compreenderá o que é uma infusão e como tirar mais proveito de um café. E daí a entender o que é um fermentado e um destilado é um pulo”, afirma. Um dos coquetéis que melhor a representam é de sua própria invenção, elaborado com Don Julio 70, sangue de vaca, geleia de abacaxi, licor de milho, limão verde e hidromel de agave. León criou essa chamativa bebida de sangue de vaca quando um parente seu, alérgico a ovo, não podia ingerir bebidas com sour. “Coloco ingredientes que tenham a ver com minhas raízes. Por fim percebi que essas recordações também inspiram outras pessoas”.

“Os barmen estão em dívida com os chefs. Se não fosse por eles, continuaríamos fazendo gim-tônica”, diz David Ríos

A arte de combinar diferentes bebidas alcoólicas com sucos e fermentados ajudou a fazer com que outras bebidas de perfil menos acessível sejam conhecidas em círculos mais amplos. Um dos exemplos mais recentes é o do mezcal, o popular destilado asteca obtido da planta do agave. Emma Janzen conta a história da bebida em Mezcal: História, elaboração e coquetéis do licor artesanal que faz sucesso em todo o mundo. O livro, indicado em 2017 à premiação James Beard, o Oscar da gastronomia norte-americana, descreve como há uma década o mezcal foi introduzido nos locais mais renomados dos Estados Unidos. “A coquetelaria Drink, em Boston, popularizou os coquetéis com mezcal, como o Zócalo, uma mistura tipo martini com xarope de canela, mezcal, licor da laranja amarga e vermute seco. O licor começou a se espalhar como um fogo incontrolável”, escreve Janzen.

Golden Trader. 45 mililitros de whisky Johnnie Walker Black Label. 15 mililitros de licor de pêssego e sementes de acácia. 10 mililitros de destilado de macadâmia. Sementes de acácia. Macadâmia. Laranjas. Aroma de sementes de acácia e laranja.

Outra amostra mais próxima pode ser encontrada no uso que o mundo da coquetelaria fez do xerez ao longo dos anos. É preciso voltar a meados do século XIX para descobrir misturas como o Sherry Cobbler, o Bamboo e o Adonis. Coquetéis que foram verdadeiros sucesso de vendas. O reconhecido historiador David Wondrich conta que na Exposição Universal de Paris de 1867 o Sherry Cobbler era tão conhecido que acabou com todos os excedentes de xerez da cidade. “Continua sendo meu coquetel favorito”, diz Jennifer Le Nechet, melhor bartender do mundo em 2016 e parte do júri da edição desse ano. Le Nechet recém-inaugurou em Paris o Mino, em homenagem à uva palomino, um local especializado em xerez. Seu amor pela bebida nasceu em 2008, quando conheceu as bodegas do Marco após receber uma bolsa Erasmus em Cádiz.

“O futuro da coquetelaria está na Ásia. Lá há dinheiro e conhecimento para valorizá-la. Aqui falta consolidação”

Uma das tendências atuais consiste em valorizar a tradição dos combinados. O belga radicado em Madri François Monti, verdadeiro entendido da história da disciplina, sabe bem disso. Sua sabedoria pode ser rastreada nas cartas do Gran Hotel Inglés e no renovado Viva Madrid, locais que contaram com sua assessoria e nos quais podemos encontrar coquetéis de outros tempos como o Garibaldi, a Meia Combinação, o Porn Star e o John Collins. “Todas são bebidas que podem ser desfrutadas no aperitivo”, diz Diego Cabrera, artífice do Viva Madrid e da Salmón Gurú, uma das duas únicas coquetelarias espanholas incluídas na lista das 50 melhores do mundo; a outra é a Paradiso, um local clandestino especializado em pastrami localizado no bairro do Born em Barcelona.

O aperitivo, a conversa após a refeição, o afterwork ajudaram a expandir o bom momento que a arte das misturas vive. Coquetéis leves, que apostam na baixa graduação e por voltar a colocar em seu lugar mixers como a tônica. A febre que ocorreu na Espanha há uma década pelo gim-tônica fez com que nomes como a Schweppes se colocassem à frente de um modelo de inovação. A filial espanhola da centenária marca criou formatos exclusivos como a tônica de chá de matchá, a ginger beer com um toque de pimenta e a laranja com aroma de lichia. A seu lado, o café e o sindicato de baristas se uniram também para apresentar alternativas à coquetelaria de sempre. O espanhol Damián Seijas, coffee ambassador da Nespresso e vencedor do campeonato nacional de coquetelaria com café, confirma que “muitos barmen têm seu kit de barista na coquetelaria. O que ajuda a se diferenciar dos outros locais e oferecer um produto mais específico”. Mojitos de café, margaritas de café e expressos martini são cada vez mais comuns.

Garigue Fizz. 40 mililitros de Tanqueray Nº TEN. 10 mililitros de Cocchi Americano. 20 mililitros de xarope de cardamomo. 15 mililitros de vinagre de morango. 100 mililitros de Fever-Tree Lemonade. Finalizado: twist de limão e um morango. Vinagre de morango: os morangos são macerados em vinagre de maçã por 12 horas e coados com um filtro de café V60.

O boom do coquetel e do café estão conectados. Um bom indicador é a Bullipedia, um dos principais projetos da elBullifoundation. Essa enciclopédia completa, que terá trinta volumes, pretende aglutinar todo o conhecimento do universo sobre gastronomia. Seu último tomo, o segundo apresentado até agora, tem o nome de Coquetéis, coquetelaria e bartenders. Fundamentos. O próximo? Coffee Sapiens. “O futuro da coquetelaria está na Ásia. Uma realidade onde há dinheiro e conhecimento para valorizá-la. Por enquanto, aqui falta consolidação e bons números”, diz Mar Calpena, pesquisadora especializada em destilados e principal redatora do exemplar dedicado aos coquetéis apadrinhado pelos irmãos Adrià e a Bacardi.

The Agrarian. 40 mililitros de gim Tanqueray Nº TEN; 20 mililitros de destilado gelado de toranja e vermute Belsazar Rosso; 20 mililitros de Grapefruit Stock; Fino com ameixa. Finalizado: Rodela de ameixa.

Suco de toranja melhorado: a toranja é descascada e faz-se um xarope acrescentando 3% de vinagre de maçã. Fica em repouso durante 24 horas e se clarifica.

Por enquanto, tudo são cumprimentos e palmadinhas nas costas. A sensação geral é de euforia. “Estamos vivendo um momento incrível. Os coquetéis estão nos levando a um nível que não havíamos imaginado. Os bartenders estão usando técnicas, ingredientes e recursos cada vez mais arriscados”, diz Erik Lorincz, um dos primeiros vencedores do World Class, cuja experiência levou o bar do Hotel Savoy, em Londres, a ser o melhor do mundo em 2017. Há, entretanto, vozes mais cautelosas. José Berasaluce é autor de um dos ensaios mais lúcidos escritos neste ano. O engano da gastronomia espanhola reflete sobre um modelo de sucesso baseado no marketing, no luxo e na ignorância. “Os bartenders estão caindo nas ideias absurdas de representar personagens da mesma forma que os cozinheiros. Aqui, talvez, de maneira mais radical. Exibem um modelo onanista e excessivamente idolatrado”, diz o escritor espanhol, que não hesita em afirmar que sua figura “está mais deteriorada que a do chef”. Berasaluce acha que para construir uma base sólida é preciso estabelecer vínculos com referências do passado cultural. “A noite possui conotações muito mais sofisticadas e sutis do que as que as grandes destilarias tentam nos vender”.

Tomás Ontoria, barman veterano, começou a servir seus primeiros drinques em 1958 na Los Robles, a coquetelaria que rivalizava com o Balmoral e o Chicote na época, e tem certeza que esse olhar ao passado é mais do que necessário. “Por mais que se avance, sempre há um momento para voltar aos clássicos”.

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