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Sue Y. Nabi, a CEO trans que mudou o mundo da cosmética

Vencer e convencer. Sue Y. Nabi foi a primeira CEO trans de um grande grupo da cosmética. Fez de Jane Fonda a imagem de uma linha de beleza com 68 anos e, agora, no comando da Coty, se propôs a reformular o negócio para torná-lo totalmente inclusivo

Sue Y. Nabi fotografada em Genebra, nos laboratórios da Coty em Versoix (Genebra) em setembro de 2021.
Sue Y. Nabi fotografada em Genebra, nos laboratórios da Coty em Versoix (Genebra) em setembro de 2021.Fede Delibes

Aos 44 anos, Sue Y. Nabi (Argélia, 53 anos) já havia conquistado tudo na indústria da beleza. Ou quase tudo. Entrou no grupo L’Óreal muito antes de chegar aos trinta e nas quase duas décadas que passou lá se ocupou, com excelentes resultados, da direção de empresas como a L’Oréal Paris e Lancôme. Mas um dia Nabi desapareceu do mapa. A pessoa que mudou o conceito do belo contratando atrizes de meia-idade e que havia impulsionado vários dos produtos que ainda continuam entre os mais vendidos precisava de um novo desafio. Sua solvência reinventando marcas existentes estava mais do que constatada e Nabi desejava criar uma empresa do zero. Apesar do conglomerado francês proporcionar a ela uma carreira meteórica, não soube entender essa inquietação. Com sua demissão deixou claro que sua ambição não era um capricho. Nos cinco anos que demorou para desenvolver a Orveda, uma linha de cosmética vegana, não existiu nenhum rastro de Nabi. “É verdade, mas continuava viva e trabalhava duro. Criar uma marca do nada e lançá-la logo antes da pandemia foi muito importante porque me deu o que provavelmente me faltava nos meus anos na L’Óreal, e essa é a razão pela que Peter Harf [presidente-executivo da Coty] me propôs dirigir a empresa. O que me fazia única é que ninguém havia tido esses dois tipos de experiência, como empreendedora e como diretora de marcas líder”, argumenta.

Sue Y. Nabi fotografada na Suíça no final do verão de 2021.
Sue Y. Nabi fotografada na Suíça no final do verão de 2021. Fede Delibes

Esta entrevista ocorreu em meados de setembro nos laboratórios que a Coty tem em Versoix, Genebra. É lá que são feitas as fragrâncias, um pilar do negócio que foi seriamente afetado pelos novos hábitos de consumo trazidos pela pandemia. Durante a visita pelos diversos departamentos mostram os testers sem contato nos que estiveram trabalhando na previsão de uma possível nova onda. Em Mônaco está o laboratório  de cuidados da pele, a divisão que mais cresceu durante tantos meses incertos. Precisamente, vários analistas culpavam os resultados ruins da Coty pelo fato de que não tinham em seu portfólio nenhuma marca de tratamento relevante, ainda que essa informação não seja totalmente acurada. “As pessoas não se lembram, mas há 20 anos a Lancaster era muito mais inovadora do que essa marca famosa que não irei mencionar porque não quero criar inimigos. Inventou os tratamentos com retinol usando lipossomas, as cápsulas criadas para penetrar na pele sem irritá-la. Também inventou a proteção solar moderna com tecnologias para proteger o DNA de radiações externas. Quando cheguei, as pessoas diziam que não sabíamos fazer tratamento e um ano depois temos a Lancaster como uma referência de regeneração se reinventando na China antes de voltar à Europa; a Kylie Cosmetics, fundada por Kylie Jenner e destinada à geração Z, e a marca de Kim [Kardashian] que será destinada às millenials. Também esperamos desenvolver mais produtos de tratamentos em nossas marcas de consumo porque, no final das contas, essa empresa decidiu que o tratamento é uma prioridade estratégica séria”, diz Nabi. Ela afirma que, dentre todas as marcas de influencers, a Kylie Cosmetics é a que rendeu acima do esperado, além de evidenciar que o modelo de negócio DTC (direto ao consumidor) pode ser muito rentável, e não só por subtrair os distribuidores da equação. “Kylie Jenner aumentou em 60 milhões seus seguidores no Instagram no ano passado [atualmente tem 280 milhões de seguidores e é a terceira mais popular do planeta], dois milhões recentemente em uma semana. Durante as sessões ao vivo, conecta-se com pessoas que comentam: ‘Amo’, ‘Odeio’, ‘Por que você não faz isso ou aquilo?’. Isso nos dá ideias para os próximos lançamentos. Esse é o poder do trato direto com o consumidor”, afirma.

A CEO da Coty com Alber Elbaz em Paris, em uma imagem feita há nove anos.
A CEO da Coty com Alber Elbaz em Paris, em uma imagem feita há nove anos. Bertrand Rindoff Petroff (Getty Images)

A aquisição de várias das marcas da Procter & Gamble em 2016, entre as que se encontravam a Max Factor, Rimmel, Gucci e Hugo Boss, custaram aos investidores da Coty 11,3 bilhões de euros (71 bilhões de reais). No momento da compra, as perspectivas eram promissoras. Mas, até a incorporação de Nabi, várias delas não estavam dando os lucros projetados. “A CoverGirl é uma marca que não parava de perder mercado. O problema é que as pessoas da P&G que a compraram há sete anos decidiram investir em batons, sombras de olhos, pequenas categorias que eram tendência porque queriam que se parecesse a outras marcas jovens de nicho, mas era forte porque vendia produtos para americanos de todas as idades que procuravam uma boa base para uso diário, uma boa máscara. Desde que voltamos ao seu DNA investindo em uma linha de maquilagem clean [fórmulas com o mínimo de ingredientes que evitam certos componentes químicos] e na máscara Lash Blast Clean, a CoverGirl aumentou sua porção de mercado pela primeira vez em cinco anos. Eu ouvia que não iria conseguir, mas fizemos acontecer”, conta satisfeita. Não é para menos: os resultados anunciados no ano fiscal 2021 foram muito bons. A empresa cresceu acima das expectativas do mercado, assim como sua rentabilidade e sua capitalização. “No tempo em que estou aqui as ações subiram de 1,72 a 6,02 euros (11 a 38 reais). Já não nos veem como uma empresa problemática, e sim como uma empresa muito bem organizada, que conserta o que precisa consertar e com as marcas necessárias para crescer na próxima década”.

Nabi em Londres em 2019, com Inés de la Fressange e Gherardo Felloni.
Nabi em Londres em 2019, com Inés de la Fressange e Gherardo Felloni. David M. Benett / Dave Benett (Getty Images)

Sobre se o negócio das licenças, essencial na rede da Coty, é um campo minado —a Valentino durou apenas seis anos nas mãos da Puig, que por sua vez tirou a Gaultier da BPI, hoje integrada no grupo Shiseido—, se mostra confiante. “A melhor maneira de mitigar esse risco é criar um negócio forte, saudável e rentável com o qual nós estamos contentes e com o qual as empresas da moda que nos dão a licença também estão contentes. Os problemas ocorrem quando há um mal-entendido e não há o mesmo nível de ambição das duas partes. Para mim, existe o mesmo risco do que em um negócio que é seu: se não funciona, ninguém virá roubá-lo, mas precisará ser você a encerrar. É encontrar a receita correta, os produtos e a publicidade adequada”. Se há alguém com a intuição necessária para colocar um rosto nos anseios do momento, é ela.

O Y que antecede seu sobrenome é de Youcef, seu deadname (o nome que recebeu ao nascer). Nabi é uma mulher que nunca escondeu seu passado. O convencional não entra em seu vocabulário, nem mesmo nos momentos em que precisa emocionar meio mundo. “Pedi a Jane Fonda que fosse o rosto de uma linha de cosmética quando tinha 68 anos. Junto com Julia [Roberts], em seus 40 foram grandes sucessos. As pessoas tinham muitas dúvidas e às vezes achava que estava sozinha nesse assunto, mas hoje posso dizer que estou orgulhosa, ainda que não seja uma questão de orgulho, e sim de fazer o correto”. Foi sua a decisão de contratar Niky Taylor como imagem da CoverGirl 20 anos depois da modelo americana ter sido a embaixadora da marca. Também foi sua a iniciativa com a que pretende fazer da beleza uma indústria realmente inclusiva. “Parte das inovações em que trabalhamos consistem em nos assegurar de que os que não são capazes de usar os produtos realmente tenham opções. Isso é inclusão: se assegurar de que alguém que não sabe usar uma máscara por mil razões tenha a possibilidade de usar nossos produtos. E podemos dar a ele e a ela o pronome que quiser usar”.

Sue Y. Nabi fotografada em Genebra, nos laboratórios da Coty em Versoix (Genebra) em setembro de 2021.
Sue Y. Nabi fotografada em Genebra, nos laboratórios da Coty em Versoix (Genebra) em setembro de 2021. Fede Delibes

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