_
_
_
_

Tiros na catedral: um recluso decidido a destroçar vidas em Campinas

Com uma pistola e muita munição, atirador esperou pacientemente até começar a matança. "Por que na igreja?", se perguntam na cidade. A polícia ainda não tem respostas

Dezenas de pessoas ao redor da Catedral Metropolitana de Campinas, após o ataque a tiros.
Dezenas de pessoas ao redor da Catedral Metropolitana de Campinas, após o ataque a tiros.ARI FERREIRA (AFP)

"O que faz uma pessoa começar a atirar dentro de uma igreja, um lugar para se estar em paz?", se perguntava Caroline Mott, de 28 anos, diante de uma das portas, ainda com vestígios de sangue, da Catedral Metropolitana de Campinas, palco do ataque de um atirador que deixou quatro mortos e quatro feridos na tarde desta terça-feira –um deles em estado grave. O rastro de morte e pavor havia sido deixado horas antes por Euler Grandolpho. O homem de 49 anos, um recluso morador do município vizinho de Valinhos, deixou sua casa por volta do meio dia. Percorreu os 11 km que separam a cidade de Campinas de ônibus, carregando uma mochila com duas armas e quatro cartuchos de munição. Estava decidido a destroçar a vida de vários fiéis e o fez. O que a polícia ainda não sabe é o porquê.

A missa das 12h15 já tinha terminado. Grandolpho estava pacientemente sentado em um dos largos bancos da catedral do século XIX. Então levantou-se e começou os disparos. Cerca de 20 pessoas ainda faziam suas orações no momento que o ataque começou. "Percebi que no meio da igreja um rapaz se posicionou de frente a um casal e começou a atirar à queima-roupa. A minha reação, assim como a de vários que estavam lá dentro foi sair correndo. Tudo foi muito rápido", diz o aposentado Pedro Rodrigues, de 66 anos.

Mais informações
Vídeo mostra ação de atirador da Catedral de Campinas
Ataque a tiros no centro de Estrasburgo deixa três mortos e 13 feridos
Pais de vítima da matança da Flórida: “Nossa batalha contra as armas é para sempre”

Durante a ação, o atirador recarregou uma vez a pistola, cujo pente tinha capacidade para 11 balas. Em seguida, disparou mais dez vezes e se suicidou, com a última bala, numa tragédia em parte  capturada pela câmera do circuito interno da catedral, instalada num ângulo alto da nave central, a contraluz. Grandolpho só parou de atirar quando policiais, PMs e da Guarda Municipal que estavam nas redondezas, escutaram os disparos e entraram na catedral para confrontá-lo. O atirador acabou sendo ferido na lateral do corpo, na altura do abdômen, e depois resolveu atirar contra a própria cabeça, caindo próximo ao altar. “Sem a intervenção da polícia, a matança seria maior”, disse o delegado.

Um Brasil em choque tomou ciência de um inusual tipo de barbárie irracional até mesmo para um país que possui um catálogo longo de barbáries. Enquanto o ataque ganhava o noticiário e corria ainda mais rápido com fotos e primeiras impressões no WhatsApp, tomava forma também a inevitável discussão sobre a natureza do tiroteio e o papel das armas nele, o que deve seguir nos próximos dias. A tragédia ocorre em meio ao debate sobre a ampliação do porte da posse de armas no território brasileiro, uma forte bandeira do presidente eleito Jair Bolsonaro. Na igreja, a polícia encontrou duas armas – uma pistola 9 mm e um revólver 38 –, ambas como a numeração raspada, um indício de que podem ter sido adquiridas ilegalmente. Com mais armas na mão se aumenta a possibilidade de um rompante louco como esse?

Não escaparam da fúria armada de Grandolpho Sidnei Vitor Monteiro, de 39 anos, José Eudes Gonzaga, de 68 anos, Cristofer Gonçalves dos Santos,38, e Elpídio Alves Coutinho. Morreram ainda na igreja. Outras quatro pessoas foram baleadas e encaminhadas ao hospital Mário Gatti e ao Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Duas delas receberam alta nesta terça.

O prefeito de Campinas, Jona Donizette, decretou luto oficial de três dias na cidade, que viu outra chacina, de uma família inteira, acontecer há dois anos. Dessa vez, a matança foi no coração de Campinas. A agitada Praça José Bonifácio, em frente à catedral, foi tomada pelo medo e o corre-corre. O som de uma série de tiros ecoou e fez quem passava por ali correr automaticamente para um lugar mais seguro, uma loja, um banco ou padaria. "Aqui estava muito cheio, era na hora do almoço. E, de repente, todo mundo saiu correndo, escutei uns 20 tiros. Vi um homem saindo totalmente ensanguentado da porta da igreja. Nunca tinha visto algo assim antes, o pânico tomou conta desse lugar", conta Daiane, funcionária de uma banca de revistas da praça.

Durante toda a tarde, o local se encheu de curiosos que se concentravam perto da escadaria da igreja, que precisou ser isolada pela perícia. A corretora de imóveis Vanda Cordeiro buscava mais notícias sobre o episódio. Frequentadora da igreja há mais de 30 anos, ela tinha planejado ir à missa das 12h15 para depois se confessar, mas não chegou a tempo. "A verdade é que tenho agora que agradecer a Deus por esse livramento e, também, por ter livrado a minha filha da morte. Ela estava na missa, mas conseguiu fugir sem ser ferida. Ela me ligou apavorada contando que um homem armado estava atirando, um horror", explicava Cordeiro, que fazia questão de mostrar os áudios de celular que recebeu de pessoas que estavam dentro da igreja. Um deles era o de Daniele Coutinho, que escutou do atirador uma ameaça macabra: ou se afastava, ou morreria ali mesmo, com um tiro na cabeça.

Flores próximo da catedral.
Flores próximo da catedral.AMANDA PEROBELLI (REUTERS)

No fim da tarde, quando os primeiros corpos começaram a ser removidos da catedral, dezenas de passantes começaram a se aglomerar novamente. Conversavam e tentavam se aproximar da cena do crime e também reviviam a ação, uma e outra vez, nas telas dos celulares. Muitas faziam especulações sobre o motivo de crime e mostravam as fotos de vítimas feridas e do atirador morto caído próximo ao altar. "A gente recebe toda hora essas fotos por Whatsapp. Parece que ele entrou na igreja para matar a mulher e o amante. Esse foi o primeiro casal que ele matou", especulava uma comerciante.

A polícia, no entanto, ainda não tem pistas sobre a motivação do crime. O delegado José Henrique Ventura afirmou apenas que já foi apurado pela Polícia Civil que o atirador chegou a fazer tratamento de depressão. Em um primeiro momento, a polícia afirmou que Grandolpho era analista de sistema. Depois emergiu a informação de que ele teria se formado em publicidade. Consta que ele foi aprovado no concurso de auxiliar de promotoria do Ministério Público de São Paulo e estava lotado na Comarca de Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo, até pedir exoneração, em 2014. Morava com o pai, Eder, um senhor afeito a postagens católicas no Facebook. O atirador não trabalhava desde 2015, ficava quase todo o tempo recluso no quarto e tinha, segundo o delegado, um "comportamento estranho". Não tinha passagens pela polícia. Nos dois únicos boletins de ocorrência registrados com seu nome ele aparece como vítima, informou Ventura passada às 17h diante da catedral.

Às 18h, o último último corpo foi retirado da igreja em um caixão azul, o que fez a multidão começar a se dispersar. Alguns transeuntes afirmaram nunca ter visto a igreja com portas fechadas naquela hora, em uma terça-feira. Outros depositavam rosas vermelhas em homenagem às vítimas. A Catedral de Campinas em luto deve permanecer assim até a manhã desta quarta, mas informa que, às 12h15, estará aberta mais uma vez, para celebrar uma missa em sufrágio dos falecidos.

Corpo é retirado da catedral.
Corpo é retirado da catedral.VICTOR R. CAIVANO (AP)

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_