_
_
_
_

Bancada evangélica testa poder de veto na montagem do Governo Bolsonaro

Deputados religiosos barraram nome moderado e pressionaram para que procurador favorável ao Escola sem Partido fosse nomeado para o MEC, mas Bolsonaro optou por professor colombiano

O presidente eleito Jair Bolsonaro em Brasília, nesta quinta-feira.
O presidente eleito Jair Bolsonaro em Brasília, nesta quinta-feira. SERGIO LIMA (AFP)
Mais informações
“Anti-marxista” indicado por Olavo de Carvalho será ministro da Educação
Bolsonaro empodera o DEM e embaralha disputa na Câmara
“Bolsonaro foi o candidato do colapso e precisa dele para se manter no poder”

Fortalecida pela onda conservadora que culminou na eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República, a bancada evangélica do Congresso Nacional testou entre esta quarta e esta quinta-feira seu poder de veto junto ao presidente eleito. Por um lado, os deputados ligados às igrejas neopentecostais brasileiras conseguiram barrar a indicação de um técnico moderado para o ministério da Educação, mas a preferência de Bolsonaro pelo colombiano naturalizado brasileiro Ricardo Vélez Rodríguez, anunciado como o novo titular da pasta nesta noite, pegou muitos parlamentares de surpresa.

Bolsonaro anunciou no Twitter que Vélez Rodríguez, professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora, comandará o MEC durante a sua administração. A definição do titular da Educação foi uma das mais tumultuadas até agora do governo de transição: a equipe de Bolsonaro vinha conversando sobre educação com Viviane Senna, presidenta do Instituto Ayrton Senna, que levou ao futuro mandatário o nome do diretor de Articulação e Inovação da organização, Mozart Neves Ramos, como um possível titular da pasta. Com ampla carreira na área, Mozart já foi secretário de Educação de Pernambuco e reitor da Universidade Federal do mesmo Estado, além de ter sido diretor da ONG Todos pela Educação. Ele agradava inclusive alguns parlamentares de esquerda, que o veem como um profissional de tendência liberal, mas também como um técnico qualificado, aberto ao diálogo e distante de ideias neoconservadores como o Escola sem partido. Segundo fontes envolvidas na transição, o nomeação de Mozart chegou a estar definida, mas o vazamento da informação para a imprensa desencadeou uma verdadeira rebelião dos parlamentares evangélicos —uma bancada que representa uma das principais bases de apoio de Bolsonaro no Congresso. A partir do próximo ano, ela deve contar com mais de 80 deputados.

"Ontem [quarta-feira] os parlamentares evangélicos entenderam que o nome do Mozart era de esquerda. E nós levamos o nosso veto ao nome dele", resumiu o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM), uma das principais lideranças neopentecostais na Câmara.

Rebelião contra Mozart e avanço do projeto Escola sem Partido

O movimento contra Mozart foi bem-sucedido e o capitão reformado do Exército chegou inclusive a cancelar uma reunião que teria com ele nesta quinta, em Brasília. Acontece que o nome de Vélez Rodríguez não era o preferido de boa parte da bancada evangélica, que trabalhou para emplacar o procurador regional do Distrito Federal Guilherme Schelb no posto. Pouco antes de Bolsonaro divulgar seu escolhido, deputados da frente parlamentar evangélica avaliavam internamente que o anúncio só seria realizado na próximo semana. 

As articulações para impedir que Mozart fosse confirmado no MEC começaram assim que os jornais publicaram a decisão de Bolsonaro de nomeá-lo. Sóstenes e outros parlamentares da frente evangélica foram nesta quarta-feira ao quartel-general da transição de governo em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil, e avisaram o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que não aceitariam a indicação do diretor do Instituto Ayrton Senna. O principal ponto que pesou contra Mozart —na avaliação desse grupo— é o fato dele ser um opositor do Escola sem Partido.

Foi em meio a essa rebelião que surgiu o nome do procurador Schelb, ele próprio neopentecostal da igreja Comunidade das Nações em Brasília, comandada pelo bispo JB Carvalho. Schelb tem um longo (e controverso) histórico de luta contra a suposta sexualização precoce de crianças no ambiente escolar. No ano passado, numa audiência pública realizada para discutir o Escola sem Partido, ele demonstrou seu apoio ao Escola sem Partido.

O nome de Schelb foi lançado nesta quinta-feira como um possível ministro pelo próprio presidente eleito Bolsonaro, mas esse gesto parece não ter passado de uma cortina de fumaça. O procurador se encontrou com o presidente eleito, mas depois da reunião disse a jornalistas que não houve convite para o MEC. "Foi uma conversa de apresentação onde eu pude expor ao presidente Bolsonaro a minha análise sobre as questões centrais da educação brasileira que devem ser enfrentadas com a máxima urgência", afirmou o ex-ministeriável, que contava ainda com um cabo eleitoral de peso. O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, disse ao EL PAÍS que considerava o procurador "um grande nome" para o posto.

Alguns membros da própria bancada evangélica consideravam que o alto grau de polêmica que envolveria a escolha de Schelb poderia levar Bolsonaro a preferir optar por uma alternativa, o que acabou se confirmando. A princípio, Vélez Rodríguez tem um perfil que agrada a frente evangélica: tem publicações com duras críticas ao PT e ataca o que chama de "doutrinação" calcada na "ideologia marxista". No entanto, a opção por ele mostra também que Bolsonaro não quis selecionar um nome que pudesse sugerir que ele estaria cedendo a pressões de um grupo de deputados.

Se muitos congressistas evangélicos foram pegos de surpresa com a escolha de Vélez Rodríguez, a bancada comemorou nesta quinta o avanço no Congresso de uma de suas principais bandeiras. Ela conseguiu vencer a obstrução montada pela oposição —formada principalmente por deputados do PSOL e do PT — e fez o projeto Escola sem Partido dar um importante passo na Câmara. O relatório do deputado Flavinho (PSC) foi finalmente lido numa comissão especial, o que significa que o texto já pode ser votado nessa comissão a partir da próxima semana. Se conseguirem aprovar a proposição ainda neste ano, será uma exibição de musculatura antes mesmo de o novo governo começar. A bancada evangélica parece disposta a não desperdiçar os ventos favoráveis que sopram em seu favor desde a eleição de Bolsonaro para a Presidência da República.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_