_
_
_
_
_

Ricardo Musse: “O PT sem Lula viraria o PSOL. Uma força sólida, mas muito minoritária”

Um dos acadêmicos que mais de perto seguiu o partido desde o seu início analisa o pior ano da história da legenda

Ricardo Musse, em seu escritório em São Paulo.
Ricardo Musse, em seu escritório em São Paulo.GUI GOMES

Quando o Partido dos Trabalhadores (PT) foi criado, em fevereiro de 1980, Ricardo Musse (Goiás, 1959), naquela época um estudante, assinou o seu manifesto de fundação, um documento no qual a agremiação prometia se converter na primeira grande legenda de esquerda no Brasil e combater a desigualdade. Desde então, Musse não deixou de seguir, da universidade, a trajetória do PT. Viu como chegaram a governar o Brasil a partir de 2003, durante uma época de bonança espetacular (cuja responsabilidade os petistas arrogam para si), e também assistiu ao período seguinte, de lamentável dacadência e crise econômica (cuja responsabilidade eles negam). Agora, a sigla se encontra no pior annus horribilis da sua história: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso por corrupção em abril, seu substituto perdeu as eleições presidenciais deste ano, e o tremendo ódio ao PT contribuiu para o alarmante auge do ultraconservador Jair Bolsonaro. 

Mais informações
AO VIVO | Governo Bolsonaro, acompanhe as reações
Quando o irmão mais velho enlouquece
Editorial: Moro tira a máscara

Pergunta. Como o antipetismo se converteu em uma arma tão poderosa?

Resposta. A oposição social ao PT sempre foi muito forte e ódio ao partido já era comum a todos os setores da vida política. Bolsonaro soube o capitalizar [isso] muito bem. Deu forma ao sentimento, o vinculou à rejeição ao sistema político, à indignação e à corrupção. Da parte do PT, houve uma dificuldade em agir. Estava desde 2002 bem embrenhado no sistema político e ao mesmo tempo abandonado por seus aliados e por apoios no meio empresarial, sobretudo entre setores industriais do agronegócio e o setor bancário. Viu-se muito isolado.

P. A oposição significa uma oportunidade de se fortalecer novamente?

R. O PT se fortaleceu fazendo oposição ao governo Temer. Quando houve o impeachment da [ex-presidenta] Dilma, o Lula tinha o 16% dos votos nas pesquisas para o presidente. Agora, na última pesquisa, ele tinha 39%. Isso foi o resultado da oposição. Agora, dependendo de quão autoritário seja o governo de Bolsonaro, haverá uma situação similar aos anos 80 e 90: haverá uma oposição política nos modos do que foi feita no governo Temer, mas também haverá uma resistência social. Pode crescer mais.

P. E a onda atual de antipestimo? Onde fica neste contexto?

R. Haverá movimentos não só no sentido de criminalizar o PT como a Lava Jato fez, mas no sentido de excluir o PT do sistema político. De bani-lo. E essa é uma questão que se coloca como central. Supondo a manutenção da normalidade democrática e as eleições em 2022, o que não é muito garantido.

P. A candidatura de Lula valeu a pena? Não teria sido melhor perder sem ele?

R. A esquerda brasileira mudou pouco nos últimos anos: possui entre 20% e 30% dos votos. Sem Lula, esse seria o limite do PT. Corria o risco de não ir para o segundo turno. O lulismo é mais amplo que a esquerda, é mais amplo que o PT. Então para a esquerda chegar ao poder, a referência ao Lula é imprescindível. O problema é que o Haddad não herdou todos os votos do Lula, mas herdou quase integralmente a rejeição dele, que é muito forte entre a classe média.

P. A presença do Lula se converteu em algo tóxico?

R. O PT sem Lula viraria o PSOL, uma força sólida, mas muito minoritária. Já disse: o lulismo é maior do que o petismo. Agora, o Lula, por continuar preso e incomunicável, poderia parar de ser tão visível. Mas o PT não vai se desvincular do legado do Lula. É o que levou ao Haddad ao segundo turno.

P. Por que o PT manteve os seus velhos discursos enquanto o Bolsonaro chegava mais longe sendo o porta-voz do antipetismo?

R. É voltar ao tamanho do partido. O PT se tornou um partido popular, representante dos setores trabalhadores, certas frações da pequena burguesia, mas sobretudo das massas desorganizadas e dos setores mais pobres da sociedade. Qualquer movimento, tanto um giro à esquerda clássica quanto um giro à centro-esquerda, pode ser fatal. Então a tendência é que o PT faça os dois movimentos simultaneamente. São contraditórios, mas o PT sempre fez.

P. O PT deveria ter respondido às acusações de corrupção?

R. O modo como PT tratou a questão da corrupção foi duplo. Primeiro utilizou como discurso o fato de que todos esses instrumentos que permitiram a combate à corrupção foram implementados pelos governos do PT. Mas esse é um discurso formal que não encampa toda o assunto porque é também uma questão de conteúdo. O discurso que não é assumido explicitamente pelo partido é que o PT praticou o caixa 2 nas eleições, porque é algo inerente ao sistema político brasileiro.

P. O que quer dizer?

R. Todos os partidos se valem de caixa 2 nas eleições. É uma exigência quase estrutural. Sem caixa 2 ninguém consegue ganhar a eleição. A quantidade de recursos que se mobiliza é acima do que é permitido por lei. As leis são muito restritivas em relação às doações. Sempre foram. Isso é um fato que a população não aceita, e que a própria mídia condena e que todos são obrigados a dizer que não usam. Mas a política no Brasil não pode ser feita com estas restrições.

P. Isso encaixa as acusações de corrupção em um contexto?

R. Os partidos populares no Brasil, e o PT é um partido popular, sempre foram combatidos por conta da corrupção. Foi pela acusação de corrupção que Getulio Vargas foi forçado a se suicidar em 1954. O então presidente brasileiro respondeu às tremendas pressões, frutos de uma crise política provocada por seus adversários políticos, com um disparo contra o seu próprio peito. E foi a corrupção que foi usada para justificar o golpe do 1964. É uma política quase circular dos setores representantes das classes dominantes, dos setores que defendem diretamente interesses empresariais. Sempre fez parte do jogo eleitoral.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_