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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Menos comunicação em nome da democracia?

Mais que WhatsApp e 'fake news', o conservadorismo impulsionado pela indignação impulsa Bolsonaro

Patrick Sison (AP)
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O WhatsApp está sendo pressionado a limitar as possibilidades que o aplicativo oferece para seus usuários se comunicarem. A justificativa para esse pedido, publicado recentemente por pesquisadores no The New York Times, é que esse aplicativo de troca de mensagens seria responsável pela difusão de "um número alarmante de desinformação, boatos e notícias falsas". Por causa disso, os brasileiros estariam decidindo seus votos "com base em informações falsas e distorcidas."

Em resumo, a recomendação é que o WhatsApp limite a possibilidade de usuários brasileiros participarem da circulação de mensagens. A empresa faria isso reduzindo o número de vezes que o mesmo conteúdo pode ser repassado e diminuindo o número de pessoas que podem fazer parte de um grupo. Uma solução parecida foi posta em prática recentemente na Índia depois que a disseminação de informações falsas pelo WhatsApp provocou uma série de linchamentos.

Não desprezamos a importância de temas como os disparos em massa denunciados pela Folha de São Paulo e pela revista Época, e do uso declarado e ostensivo de desinformação - como no caso do "kit gay" - para produzir pânico moral. Nem ignoramos que existem interesses comerciais de empresas como Facebook, que controlam o acesso a informação sobre atividades potencialmente ilegais. Nos concentramos em examinar fatores que não são tecnológicos nem ilegais. Ignorar esses aspectos e falar apenas do WhatsApp seria como culpar a Samsung, a LG ou a Panasonic pelo conteúdo veiculado pela TV. Se as ferramentas de comunicação estão disponíveis para todos os lados, o elemento diferenciador neste caso está sendo a força do engajamento da campanha Bolsonaro, que resultado de um uso competente e de longo prazo da internet para cultivar relacionamentos. E o combustível desse engajamento foi a indignação expressa por setores mais conservadores da sociedade.

Como os casos de Trump e Brexit?

Falar sobre uso de redes sociais para a manipulação de eleições traz à mente os casos recentes da eleição de Trump nos Estados Unidos e do plebiscito em que os britânicos escolheram romper o vínculo atual com a União Europeia.

Há sim pontos de contato entre esses dois eventos e o Brasil. Nesses e em outros países, vemos a emergência de vozes que defendem valores conservadores e nacionalistas. O candidato Jair Bolsonaro se promove como representante desses valores e se posiciona como salvador do país contra as ameaças da corrupção, da falta de segurança e do petismo. Mas, do ponto de vista técnico, o caso brasileiro é diferente do americano e do britânico.

No Brasil, o canal responsabilizado por disseminar conteúdo falso e assim comprometer o resultado da eleição foi o WhatsApp. E esse tipo de material é produzido, pelo menos em parte, por ações descentralizadas de militantes e simpatizantes. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, o Facebook foi o veículo usado para a suposta manipulação. E os cidadãos teriam sido influenciados a partir de ações de marketing oficiais da campanha, baseados no uso do perfil de milhares de usuários analisados pela empresa Cambridge Analytica.

Essa distinção é importante. A característica da campanha do Bolsonaro nas redes e no ambiente mobile se parece, do ponto de vista da organização e coordenação, com eventos geralmente apreciados por analistas progressistas, como a Primavera Árabe e o movimento Occupy Wall Street. Do ponto de vista ideológico, há diferenças óbvias entre esses casos e o da campanha para eleger o candidato do PSL, mas eles têm em comum o fato de serem o resultado de grande engajamento voluntário. Engajamento que acontece dentro mas também fora da internet, por meio de muitas manifestações e encontros presenciais.

Mais comunicação compromete a democracia?

Um dos aspectos importantes dos regimes fortes é o controle da circulação de informação. No Brasil dos militares, havia censores trabalhando nas redações dos veículos mais influentes. Era responsabilidade deles dizer o que podia ou não ser publicado.

Um problema do argumento que responsabiliza o WhatsApp por comprometer, pela desinformação, o resultado da eleição brasileira é que a abundância —e não a limitação— dos canais de comunicação seja um problema para a democracia, considerando que a mesma tecnologia estava e está disponível para qualquer pessoa com acesso a um smartphone e a uma conexão para a internet.

Podemos ainda questionar esse argumento —da responsabilidade do WhatsApp para comprometer o resultado da eleição brasileira— por outro caminho. Dizendo, por exemplo, que o problema está na própria internet. Porque o WhatsApp existe e chegou a essa popularidade por causa da infraestrutura que permite a transmissão de dados descentralizada.

É assim que funcionam e-mail, listas de discussão, fóruns e também outros aplicativos como o Telegram, que pode ser adotado rapidamente caso o WhatsApp se torne inconveniente. Essa capacidade de rearticulação usando outras ferramentas já foi demonstrado, no Brasil, nas vezes em que a Justiça impôs a suspensão do funcionamento do WhatsApp. Certamente no próximo ciclo eleitoral em 2022 estaremos falando de outra ferramenta.

Conservadorismo, indignação e engajamento (não necessariamente nessa ordem)

Há um ponto final a ser considerado no lugar de atribuir a uma solução tecnológica a responsabilidade exclusiva ou principal pela manipulação do resultado desta eleição. O nosso argumento é que o meio e a maneira como ele é usado refletem uma estrutura participativa robusta, engajada e afiada para criar e transmitir conteúdo e interagir online.

Poderíamos comparar Bolsonaro a Obama como um líder capaz de mobilizar pessoas a trabalharem por sua campanha, mas essa comparação seria injusta com Bolsonaro. A campanha Obama resultou também do carisma do candidato; mas Obama também usou fartamente de anúncios televisivos. Diferente de Obama, Bolsonaro é um azarão que se lançou candidato por um partido com importância periférica.

Bolsonaro teve, no primeiro turno, escassos oito segundos de TV, contra os muitos minutos dos representantes do PSDB, MDB e do PT. E, junto com isso, ele constantemente desafiou e foi retaliado pelos principais grupos de mídia do país.

A campanha de Bolsonaro parece ter sido o resultado de uma gestão eficiente (mesmo que acidental) do uso das mídias sociais. Uma gestão que não teve início com a propaganda eleitoral, mas que vem sendo cultivada ao longo dos anos. O conteúdo que circula pelo menos em parte surge dessa relação sinérgica entre pessoas que se identificam com o candidato do PSL e sua forma autêntica de se comunicar.

Esse engajamento parece ser consequência, também, da rejeição mais generalizada ao PT e ao petismo. Não só sua campanha está sendo eficiente em se comunicar com potenciais apoiadores; o número de apoiadores cresce na medida em que Bolsonaro se tornou a opção mais viável de vencer valores e causas associadas ao PT.

Portanto, não estamos defendendo aqui que o que vem sendo chamado —frequentemente de maneira vaga— de fake news tenha uma importância menor nesta eleição. Temos de combater fake news sim. Nosso argumento é que os eleitores não são tão passivos e manipuláveis como talvez gostaríamos que eles fossem.

Desde eleições anteriores, temos bots e ações subterrâneas de "guerrilha online" para disseminar boatos. As máquinas partidárias conhecem essa frente de atuação e investem nela para desconstruir, pela desinformação, seus adversários. Mas devemos nos perguntar: por que um candidato está se saindo melhor nesse campo mesmo ele tendo recursos financeiros aparentemente menores e tendo a grande mídia o subestimando?

Sim, a desinformação via principalmente WhatsApp foi um fator importante nesta eleição. E, sim, ações planejadas para a criação e disseminação de conteúdo aconteceram, como o caso potencial que foi denunciado recentemente pela Folha de São Paulo e pela revista Época. Mas devemos considerar, primeiro, a grande quantidade de conteúdo gerado espontaneamente pelo engajamento voluntário de pessoas. E além disso, o quanto a pessoa que recebe tem a predisposição para acreditar no que está sendo dito —mesmo que não acredite literalmente na informação.

Os autores deste artigo não defendem nenhuma candidatura em particular, mas a vitória de Bolsonaro será também a consequência do empoderamento de pessoas comuns que se engajaram usando as ferramentas disponíveis para defender seus valores, sua indignação e visões de mundo. A fake news é um dos subprodutos desse empoderamento, junto com a ampliação dos debates sobre política. E iremos descobrir se o candidato que defendeu diversas ideias controversas poderá, como presidente, entender que a abundância de canais de comunicação não seja uma boa ideia.

Juliano Spyer é antropólogo e atua na Alexandria Big Data. David Nemer é professor da Universidade do Kentucky. Mauricio Moura é fundador do IDEIA Big Data.

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