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Ditadura militar brasileira
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

O que as pesquisas de 1964 mostram sobre apoio popular e golpe

Não é possível afirmar que os “brasileiros exigiam a ação das Forças Armadas”. Em São Paulo, 42% avaliavam positivamente o Governo Jango

Cavalaria da polícia avança sobre estudantes após missa pela morte de Edson Luís, em 1968.
Cavalaria da polícia avança sobre estudantes após missa pela morte de Edson Luís, em 1968.Evandro Teixeira

Na semana que passou, o golpe militar que deu origem a um regime autoritário no Brasil completou 55 anos. O acontecimento histórico virou tema de intenso debate e discussão na imprensa e nas redes sociais. O presidente Jair Bolsonaro recomendou que o golpe fosse comemorado. O chanceler Ernesto Araújo, em audiência no Congresso, disse que não considerava os eventos de março de 1964 um golpe e que eles foram necessários para evitar que o Brasil se transformasse em uma ditadura (?!). O ministro da Educação, Vélez Rodríguez, foi além e afirmou ao jornal Valor Econômico que a “história brasileira mostra que o 31 de março de 1964 foi uma decisão soberana da sociedade brasileira” e que o regime autoritário foi “um regime democrático de força”. Por fim, disse que os livros didáticos devem ser progressivamente alterados para que as crianças conheçam a verdadeira história do Brasil.

Para além das manifestações de nossas autoridades, dois vídeos sacudiram as redes sociais. Em um deles, divulgado pela própria Secretaria de Comunicação da Presidência, um narrador afirma que o Exército foi conclamado pelo povo a intervir no governo. Já no documentário 1964: O Brasil entre armas e livros, em várias passagens, analistas e jornalistas afirmam, categoricamente, que o país estava contra o Governo João Goulart e que exigia a ação dos militares.

Pesquisa Ibope de março 1964.
Pesquisa Ibope de março 1964.

Essa nova empreitada negacionista carece de teoria e evidências. Negar que houve um golpe em 1964 não significa apenas tentar reescrever a história, mas também toda a ciência política contemporânea que trata da quebra de regimes democráticos no mundo. Beira o absurdo completo. Para além disso, os “revisionistas” buscam construir uma narrativa de que a ação dos militares foi legítima por que contava com o apoio de ampla maioria dos brasileiros. De fato, o golpe contou com o apoio de vários segmentos sociais e possuía sustentação popular, especialmente entre as classes média e alta. No entanto, não é possível afirmar que os “brasileiros exigiam a ação das Forças Armadas”. Estávamos diante de uma sociedade dividida e polarizada.

Para tentar qualificar um pouco mais a discussão, trago alguns dados de pesquisas realizadas pelo Ibope em março de 1964. As pesquisas fazem parte do acervo do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da Unicamp, e estão disponíveis online no site da instituição. São pesquisas feitas com as técnicas de amostragem existentes à época em diferentes cidades do país (naquele tempo, não se fazia pesquisa nacional).

Diferentemente do que afirmam os “revisionistas”, o governo João Goulart contava com substantivo apoio popular. Em cinco capitais, o número de entrevistados que declararam que votariam em João Goulart caso ele fosse candidato em 1965 foi maior do que os que disseram que não votariam nele (Gráfico 1). Apenas como exercício, se tomarmos os colégios eleitorais das eleições de 1960 dessas capitais como parâmetro, 47% dos eleitores apoiavam o então presidente, e 45,8% o rejeitavam. É provável que esses números fossem um pouco mais favoráveis ao então presidente se levarmos em conta o conjunto de brasileiros adultos como universo. Isso porque as pesquisas do Ibope foram feitas com “eleitores” e, naquela época, analfabetos não votavam. Como em todas as capitais o apoio ao presidente crescia conforme a renda diminuía, é razoável imaginar que o apoio entre os analfabetos era superior à rejeição (em 1960, 39,5% dos brasileiros com mais de 15 anos eram analfabetos).

Fonte: Ibope (Março 1964).
Fonte: Ibope (Março 1964).

Em outra pesquisa realizada pelo Ibope nas cidades de São Paulo, Araraquara e Avaí, os entrevistados foram perguntados sobre a avaliação do governo. Nos três casos, a porcentagem de avaliação positiva (ótimo/bom) foi superior à negativa (ruim/péssimo). Em São Paulo, local da mais famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, 42% dos eleitores avaliaram positivamente o governo e 19%, negativamente (Gráfico 2).

Fonte: Ibope (Março de 1964).
Fonte: Ibope (Março de 1964).

Na mesma pesquisa, os entrevistados opinaram também sobre as “Reformas de Base” pretendidas pelo governo. Entre os eleitores paulistanos, 40% afirmaram que elas eram “absolutamente necessárias, e com urgência”, 39% concordaram que elas eram “necessárias, porém com moderação, sem pressa” e 7% disseram que elas eram “desnecessárias”. 14% não opinaram. Assim como na intenção de voto, o apoio às reformas crescia conforme a renda decrescia. Entre os mais pobres, 54% achavam que as reformas deveriam ser feitas com urgência.

As ciências humanas e sociais não são ciências exatas. Novas evidências aparecem e novas interpretações e teorias surgem. É assim mesmo que a Ciência avança. Mas para isso precisa de teoria, método, evidências empíricas e rigor. Se o ministro Vélez quiser, garanto que o AEL encaminha para ele as imagens dessas pesquisas para que sejam colocadas nos livros didáticos.

Oswaldo E. do Amaral é professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição.

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