Haddad faz última chamada para furar a bolha dos convertidos com apelo pela democracia
Petista busca desesperadamente apoios além de suas bases para reverter a vantagem de Bolsonaro
Um plebiscito sobre se o Brasil quer continuar na democracia ou regressar aos dias sombrios da ditadura. É desse modo que o candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad, encara o segundo turno das eleições presidenciais, que serão realizadas no domingo, 28. Um evento para o qual o candidato progressista, cuja imagem melhorou em relação à de Bolsonaro segundo a última pesquisa Ibope, procura apoios de última hora para além das bases do PT, que se voltam para ele, embora sem o senso de urgência que o desafio merece.
Não deixa de ser irônico que o encerramento da campanha no Rio de Janeiro tenha sido a poucos metros do quartel-geral da Petrobras, um imponente edifício que se destaca no centro do Rio de Janeiro. Lá, diante do emblema da corrupção que despedaçou o Partido dos Trabalhadores, os seguidores de Haddad e, em geral, da esquerda brasileira, transformaram o ato numa espécie de Glastonbury política, tingida pelas cores e duas enormes bandeiras penduradas nos Arcos da Lapa em memória de dois ausentes: Marielle Franco, a vereadora psolista assassinada em março, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso, cuja memória foi evocada no palco.
A atmosfera festiva, o alvoroço a cada discurso, eram mais típicos de quem se sente vitorioso e não de quem precisa, com urgência, de uma sacudida nas urnas; de quem tem de conseguir conquistar do jeito que for aquele que está indeciso e convencê-lo de que esse cenário, com suas dúvidas e incertezas, é muito melhor do que se inclinar sobre o precipício. O mesmo aconteceu em São Paulo no dia anterior, quando no Tuca, um teatro elegante símbolo da resistência da esquerda, houve outro ato de onanismo entre os opositores de Bolsonaro. Ainda assim, os intelectuais mais importantes têm respaldado Haddad, ainda que vários manifestos favoráveis lhe outorgam um “apoio crítico”.
Com Lula desaparecido das mensagens dos principais protagonistas, os esforços passam por contrapor a defesa dos valores democráticos – por paradoxal que isso seja – aos ataques extremistas de Bolsonaro. É uma questão de dias, de horas, para o país mergulhar em uma era incerta se a vitória de Bolsonaro se confirmar, alguém que chegou a dizer que para seus rivais, em referência à esquerda, o que os aguarda é a prisão ou o exílio. Diante da enésima exaltação entre seus pares, o rapper Mano Brown procurou despertar dezenas de milhares de pessoas que se amontoavam ao pé do aqueduto no bairro da Lapa. "Não gosto do clima de festa", agitou Brown. “O pessoal daqui falhou, vai pagar o preço”, diz. "Temos milhões de votos para conquistar. Não sou pessimista, sou realista. Falar bem do PT aos seguidores do PT é fácil. O que mata as pessoas é o fanatismo e a cegueira. Temos que saber o que o povo quer. E se você não sabe, volta para as bases ", disse ele, diante de Haddad, Manuela d’Ávila, Caetano Veloso, Chico Buarque.
O balde de realidade de Brown, que recebeu “de presente” algumas vaias, foi assumido pelo candidato presidencial horas depois. "Ele tem razão, vamos retornar às bases para governar com elas, como sempre fizemos." Haddad se apega à matemática, que até o domingo às sete horas da noite, quando a última seção eleitoral fechar, ainda torna sua vitória viável. A última pesquisa, publicada na tarde desta terça-feira, deu a ele um crescimento de dois pontos, que tirou de Bolsonaro. No entanto, o candidato de extrema-direita ainda tinha 57% dos votos contra 43% de seu rival. Mais promissor é que a rejeição a Haddad caiu seis pontos, enquanto a de Bolsonaro cresceu cinco, ainda um ponto abaixo da do candidato da esquerda (40-41).
As aproximações – fracas – de Marina Silva, ex-candidata e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apenas na última semana da campanha; a suposta campanha ilegal pelo WhatsApp que o Supremo Tribunal investiga e os últimos disparates de Bolsonaro, adoçaram a última semana da campanha de Haddad, ainda um pouco amarga, que confia em que nas últimas horas se transforme em uma tendência que dê uma virada no resultado. Anda com cuidado para não desperdiçar a possibilidade, mas numas das eleições mais duras do Brasil, tem tropeçado em erros que alimentam seu adversário. Em entrevista a jornalistas, Haddad repetiu, por exemplo, que o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, havia torturado o cantor Geraldo Azevedo em 1969, conforme o próprio artista havia comentado durante um show. Azevedo, que foi preso e torturado durante a ditadura, havia dito que Mourão tinha sido um dos seus algozes. O general da reserva, no entanto, reagiu dizendo que em 1969 nem havia ingressado na escola militar. Azevedo acabou pedindo desculpas pelo equívoco.
Uma eventual derrota no domingo deixará o partido marcado pela já consumada lulodependência, um pouco na linha que Brown apontava. "Em todos estes anos em que o PT teve a presidência – 13 dos últimos 15 – não se formaram quadros importantes dentro do partido", explica o analista político Eduardo Raposo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O próprio Haddad é uma aposta pessoal do ex-presidente. Na prática, Lula, preso em uma prisão em Curitiba, não tinha um sucessor capaz de mobilizar as forças esquerdistas como ele fazia.
Se Bolsonaro ganhar e sua vitória for consumada, a esquerda brasileira – como a de tantos lugares no mundo – começará uma jornada complexa a partir de domingo. "O PT continuará sendo, e ainda mais depois de um triunfo de Bolsonaro que se contrapõe à figura de Lula, o partido hegemônico do setor", prevê o analista Valmir Lopes. Em um Congresso cada vez mais conservador, a bancada do PT continuará a ser a maior, apesar de cair de 69 para 56 parlamentares, enquanto os partidos do centro perderam muito apoio. O desafio será ver se a esquerda é capaz de acolher esses apoios para fazer uma oposição progressista a Bolsonaro.
Mais complicado do que para o PT, é o futuro que se antevê para os movimentos sociais ligados ao partido de Lula. Bolsonaro já anunciou que pretende acabar com todo o tipo de ativismo e, de novo, fica a dúvida de saber se essas ameaças são parte de uma retórica eleitoreira ou, como dá a entender pelo número de vezes que a repete, vai colocá-las em prática. "O nível de incerteza diante de um eventual governo de Bolsonaro é inédito desde a redemocratização do país. O que parece é que ele vai tentar elaborar uma legislação que facilite a criminalização de qualquer tipo de manifestação social ", afirma o analista da Universidade Federal de São Paulo Pedro Ribeiro. "Se isso se concretizar, os movimentos sociais terão que adotar estratégias de resistência, como passar à clandestinidade ou não formalizar a adesão de seus membros, para protegê-los." Como no tempo da ditadura. Aqueles invocados pela esquerda para espantá-los, no último suspiro de Haddad e do Brasil para defender os valores democráticos.
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