Lula entrega a Haddad a missão de levar o PT ao segundo turno
Ex-prefeito de São Paulo tem três semanas para convencer o eleitorado de que é o verdadeiro herdeiro de Lula
Depois de esticar a decisão oficial até o último momento possível, o Partido dos Trabalhadores (PT) confirmou nesta terça-feira o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad como seu candidato à Presidência da República. Haddad assume o lugar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cabeça da chapa petista, com a tarefa de levar o partido ao segundo turno e de mostrar aos eleitores que é o verdadeiro herdeiro político do ex-metalúrgico, preso há cinco meses condenado em Curitiba condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e, por isso, impedido de concorrer com base na Lei da Ficha Limpa. A troca ocorreu no último dia do prazo dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que o partido indique o substituto de Lula, cuja inelegibilidade foi declarada em 1º de setembro.
"Levamos a candidatura de Lula até o limite possível", afirmou ao EL PAÍS um membro da Executiva Nacional do PT, que se reuniu na capital paranaense para sacramentar a unção de Haddad. A decisão oficial do partido foi anunciada na porta da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está detido desde abril e de onde ele vem conduzindo diretamente a campanha e as negociações políticas. Em cima de um modesto palco, um dos fundadores do PT, o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, leu uma carta escrita pelo ex-presidente na qual ele afirmou que teve que tomar uma decisão no limite imposto pela Justiça. Um dos presidentes mais populares da história recente e líder nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de outubro capitulava, derrotado pela Operação Lava Jato que o condenou, em nome de não jogar a perder o futuro a possibilidade de recuperação de um partido em crise. "Eu sei que um dia a verdadeira Justiça será feita e será reconhecida minha inocência. E nesse dia eu estarei junto com o Haddad para fazer o Governo do povo e da esperança. Nós todos estaremos lá, juntos, para fazer o Brasil feliz de novo", disse ele, na carta. "Fernando Haddad será Lula para milhões de Brasileiros", complementou. "Até a vitória."
Na sequência, um emocionado Haddad disse sentir "a dor de muitos brasileiros e brasileiras que não verão o presidente que escolheram subir a rampa do Palácio do Planalto”. Exaltou os programas do Governo Lula, com destaque para os de educação que ele usará na campanha, e insistiu na mensagem do partido nos últimos anos, de atribuir às elites do país uma sorte de perseguição contra o PT por causa do rechaço à ascensão social dos mais pobres. Não mostrou a desenvoltura do mentor na hora de discursar: "É hora de sair para a rua de cabeça erguida e ganhar essa eleição. Vamos ganhar por Lula, pelo PT e pelos movimentos sociais", pediu. Ao lado dele estava sua vice Manuela D'Ávila, do PCdoB, a principal sigla aliada na coligação. Manuela, que desistiu de candidatura própria pelo posto, não discursou.
A operação de substituição do maior líder petista pelo ex-ministro da Educação cumpriu um ritual arrastado. Na segunda-feira, Haddad esteve por duas ocasiões com Lula e cancelou sua participação num ato político em São Paulo que estava previsto para a noite. Dormiu em Curitiba e, na manhã desta terça, se encontrou de novo com o ex-presidente. Deixou a prisão com a carta, posteriormente projetada em um telão da reunião da Executiva. Carimbada a troca entre os dirigentes partidários, Haddad e as principais figuras do PT, dentre as quais a ex-presidente Dilma Rousseff, retornaram à Superintendência da Polícia Federal, onde um ato político foi preparado. Tanto a carta lida por Greenhalgh como os militantes que estavam acampados nos arredores da PF em apoio a Lula foram gravados pela campanha para ser usado como material no horário eleitoral.
Fernando Pimentel, governador de Minas: "O PT foi forçado a mudar o seu candidato" pic.twitter.com/tH2aGhDlDF
— Ricardo Della Coletta (@RDellaColetta) September 11, 2018
A decisão coloca um fim no imbróglio da candidatura petista, que nos últimos dias focou em tentar suspender a decisão da Justiça Eleitoral que declarou o ex-presidente inelegível ou em tentar, ao menos, adiar o prazo limite da sucessão. Os advogados do petista usavam como base para os pedidos a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que o Brasil garanta os direitos políticos de Lula até o trânsito em julgado de sua sentença. Mas, como era previsto pelo próprio partido, não houve sucesso. Com isso, o PT foi obrigado a desencadear a sucessão, sob pena de descumprir uma decisão da Justiça, o que abriria a brecha para que toda a chapa presidencial fosse questionada e, eventualmente, cassada.
Largada da campanha e divisões internas
Haddad inicia agora, de fato, a campanha eleitoral. Oficialmente, a largada oficial será nesta quarta, com uma reunião da coordenação da candidatura em São Paulo. Ele precisa, ao longo das próximas três semanas, sair do patamar de 9% que o coloca embolado no segundo lugar, ao lado de Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (REDE) e Geraldo Alckmin (PSDB), de acordo com a pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda-feira, para tentar chegar ao segundo turno. Precisa, ainda, mostrar que é o real representante de Lula, especialmente na região Nordeste, onde Ciro Gomes, bastante ligado ao ex-presidente no Ceará, tem conseguido aumentar sua projeção nos últimos meses. Uma de suas dificuldades será a de ultrapassar a imagem de acadêmico paulistano, que por vezes rendeu a ele a pecha de ser um petista tucano. Para isso, o partido investe até o momento na estratégia de focar sua propaganda no número 13 e menos na trajetória política de Haddad.
A demora em indicar o nome petista viável para concorrer as eleições dividiu o partido. A ala de Haddad esperava que isso ocorresse antes, mas havia resistência de outra parte da sigla, especialmente ligada à presidenta da sigla Gleisi Hoffmann que acreditava que era preciso insistir no nome de Lula, para mostrar que o ex-presidente não havia sido abandonado — eles também avaliavam que, assim, a transferência de votos poderia acontecer mais facilmente. A demora também desagradou parte dos aliados. Um integrante da cúpula do PCdoB ouvido pela reportagem criticou a demora na definição em conversa com o repórter Gil Alessi. "Minha avaliação, que é compartilhada por muitos no partido, é de que essa demora foi um erro grave", afirmou. Ainda de acordo com ele, essa indefinição em uma eleição de "tiro curto", devido ao pouco tempo de campanha, ajuda a "pulverizar os votos de Lula entre candidatos do campo da esquerda", disse, citando Ciro Gomes. Mesmo a melhora no desempenho do ex-prefeito na última pesquisa Datafolha não foi vista como um resultado "ótimo": "Temos pouquíssimo tempo para crescer, perdemos um tempo precioso".
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