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A farsa dos superalimentos

Especialistas desmentem que produtos exóticos da moda, como as sementes de chia ou as bagas de goji, tenham propriedades extraordinárias

Uma saca de sementes de chía em uma loja no centro de Madri.
Uma saca de sementes de chía em uma loja no centro de Madri.VíCTOR SAINZ

Quinoa, bagas de goji, açaí, sementes de chia, chá de maçã, óleo de coco, espirulina, couve ou espelta: cada vez mais produtos de nome estranho e procedência quase sempre exótica se amontoam nas prateleiras de lojas de alimentação e supermercados. Estes são alguns dos chamados superalimentos, segundo especialistas, uma categoria criada mais pelo marketing e as redes sociais do que pela comunidade científica. É frequente ver na Internet supostas propriedades benéficas com efeitos miraculosos para a saúde atribuídas a esses produtos. Mas na grande maioria dos casos não há evidências científicas que confirmem essas virtudes. Os nutricionistas dizem que nenhum produto em si pode ser um superalimento e que uma dieta saudável tem de ser equilibrada e variada. Eles concordam em que alimentos saudáveis são abundantes em nosso ambiente habitual e não é necessário procurá-los do outro lado do mundo.

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"É um novo modismo. Por que os chamamos de superalimentos? Eles têm praticamente as mesmas características que outros, mas alguns são e outros, não", reflete a especialista em indústria de alimentos Gemma del Caño. As principais propriedades dos produtos normalmente incluídos na categoria são o fato de serem "novos e desconhecidos", "exóticos" e "com um componente nutricional que os diferencia ou ao qual podemos atribuir uma função específica", afirma Del Caño.

A atração pelo exótico descrita por esta especialista parece estar refletida nos dados. Segundo o último relatório anual sobre alimentação do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação da Espanha, entre 2012 e 2017 as ocasiões de consumo de alimentos diferentes do "tradicional no Ocidente", como quinoa, sushi, ceviche, guacamole ou tacos, aumentaram 132% como entrada, 105% como prato principal e 223% como prato para compartilhar.

Os superalimentos "irrompem de repente e parece que serão os salvadores da nossa saúde", diz Miguel Ángel Lurueña, doutor em tecnologia de alimentos e divulgador científico. "Eles são percebidos como uma maneira de compensar uma alimentação ruim e maus hábitos", acrescenta Lurueña. Para Estefanía Toledo, da Universidade de Navarra, a necessidade de encontrar "soluções fáceis" para uma questão complexa, como a adoção de uma dieta balanceada, provoca falsas expectativas em muitos consumidores. "A mensagem transmitida é que não importa o que acompanha os superalimentos e o restante da dieta", diz a pesquisadora, que também faz parte do Centro de Pesquisas Biomédicas na Rede da Fisiopatologia da Obesidade e Nutrição. "Mas isso é o oposto do que você tem que procurar", observa.

Na sua opinião, as pessoas têm de se alimentar de forma saudável e equilibrada "como um todo" para ter um suprimento adequado de nutrientes. Entre os fatores importantes para isso, a especialista aponta como exemplo dar preferência ao consumo de grãos integrais, legumes, hortaliças, frutos secos, peixes e alimentos com gorduras poli-insaturadas ou monoinsaturadas, como o azeite de oliva, em vez de comida processada, carne vermelha, bebidas açucaradas e produtos ricos em gorduras saturadas

O peso do marketing

Toledo diz que alguns produtos incluídos na categoria de superalimentos "têm um valor nutricional muito interessante" e podem ser inseridos em uma dieta variada, desde que você tenha em mente que "nenhum alimento é uma pílula mágica que vai nos curar de tudo”, acrescenta. Dada a ascensão desses produtos, também a Organização de Consumidores e Usuários (OCU) alertou que "não existe nenhum alimento milagroso ou curativo" e que "essa ideia costuma ser fruto de estratégias de marketing ou lendas sem fundamento".

"Grande parte da responsabilidade por isso é da indústria, que fomenta no consumidor uma necessidade que na realidade ele não tem", diz Gemma del Caño, que trabalha no setor. "Durante muito tempo fabricaram produtos seguros, mas nem todos saudáveis, agora tentamos nos ressarcir e trocamos um montão de açúcar por um montão de propriedades, para que você não pense que somos tão ruins", diz esta especialista. "Estamos tendo a mesma falta de ética, de um lado e do outro", diz. Del Caño acha que, às vezes, as empresas usam dados científicos extraídos de estudos patrocinados por elas mesmas com fins comerciais.

Seguir uma dieta saudável "requer perseverança", diz Estefanía Toledo. "Existem coisas que podem não ser saudáveis, mas têm um marketing forte, e o marketing nos leva a consumir, é projetado para isso", acrescenta a pesquisadora. A cientista faz autocrítica. "Talvez em saúde pública não estejamos sabendo fazer um bom contramarketing", reflete. Mas enfatiza que também faz diferença a escassez de recursos para campanhas de informação pelo setor público, em comparação com os orçamentos de empresas privadas para a publicidade.

Quinoa à venda em um estabelecimento madrilenho de alimentação vegana.
Quinoa à venda em um estabelecimento madrilenho de alimentação vegana.víctor sAinz

"A inovação faz parte da identidade da indústria de alimentos e bebidas, que põe à disposição do consumidor produtos e ingredientes até recentemente desconhecidos", afirma a Federação Espanhola de Indústrias de Alimentos e Bebidas (FIAB). "Tem-se trabalhado intensamente em tudo relacionado à alimentação, composição, saúde e qualidade dos alimentos, bem como em produtos para setores da população e em novos aromas e ingredientes. A oferta de alimentos nunca foi tão grande", acrescenta a entidade patronal do setor.

No entanto, FIAB observa que "o termo superalimento não é um conceito científico e em nenhum caso existem produtos milagrosos". A federação recomenda "manter uma dieta variada e equilibrada como um todo e praticar atividade física regularmente". Também afirma que o importante é que os estudos "sejam baseados em evidências científicas" e que aqueles publicados em periódicos especializados "atendam a critérios rigorosos e sejam avaliados por revisores independentes". Na União Europeia, "temos um estrito marco legislativo sobre informação ao consumidor e declarações nutricionais e de propriedades para a saúde", lembra. Mas a federação não responde diretamente às acusações dos especialistas de que a indústria fomenta falsos mitos com estratégia de marketing.

Contra-atacar a desinformação

Especialistas alertam para os perigos da desinformação. Para Del Caño, a desconfiança em relação à produção tradicional de alimentos e a preocupação causada pelos problemas de saúde tornam a população vulnerável à desinformação impulsionada por aqueles que se aproveitam de "meio-estudos ou meias-verdades". Toledo propõe que a publicidade direta seja mais regulada para que não façam "afirmações que não estão bem fundamentadas". Ela também acredita que devemos promover mais campanhas de informação e tributar de modo diferente "alimentos saudáveis e alimentos menos saudáveis".

"Se algo parece bom demais para ser verdade, é muito provável que não seja", diz Lurueña, que em seu blog Gominolas de Petróleo divulga informações científicas e desmente mitos sobre alimentação e nutrição. Este especialista busca conscientizar o leitor, mostrando que a intenção da publicidade de produtos milagrosos é geralmente uma tentativa de vender algo por meio do engano. "A realidade não é simples como comer brócolis e pensar que assim os problemas vão desaparecer", lembra.

Norma proíbe as falsidades

Na UE há um regulamento comum sobre a atribuição de propriedades saudáveis ou nutricionais a um alimento, bem como para a informação no rótulo e na publicidade dos produtos. Essas normas proíbem que as informações sejam "falsas, ambíguas ou enganosas", deem lugar a dúvidas "sobre a segurança e/ou adequação nutricional de outros alimentos" ou se refiram "a mudanças nas funções corporais que possam alarmar o consumidor ou explorar seu medo ".

A Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês), com sede em Parma (Itália), é a entidade encarregada de avaliar, de forma consultiva, as propriedades nutricionais ou para a saúde. A EFSA recebe pedidos de autorização por intermédio dos Estados-Membros e exprime um parecer favorável ou negativo após a avaliação feita por um comitê de peritos. O processo de avaliação dura pelo menos cinco meses. Em seguida, a Comissão Europeia autoriza ou rejeita esses pedidos de atribuição. A EFSA afirma que costuma rejeitar 80% das solicitações sobre propriedades saudáveis. Cabe à Comissão Europeia e às autoridades nacionais autorizarem ou vetarem a comercialização de produtos alimentícios.

Fontes da Agência Espanhola de Consumo, Segurança Alimentar e Nutrição (AECOSAN), instância do Ministério da Saúde encarregada da elaboração dos regulamentos na Espanha, afirmam que a lei espanhola sobre rotulagem de alimentos segue as normas europeias. No site da AECOSAN há material informativo sobre o assunto. A aplicação da lei é de responsabilidade das Comunidades Autônomas e da Subdireção Geral de Saúde Externa para os produtos com origem no exterior. Em 2017, apenas 0,1% dos casos de descumprimento dessas normas foram registrados nos quase 150.000 controles realizados na Espanha, segundo a AECOSAN.

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