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Ser vegano não é o que você pensa

Por trás de uma palavra que sugere excentricidade existe uma filosofia de vida Compreendê-la e respeitá-la é muito simples

Você acredita que a vida de todos os animais tem exatamente o mesmo valor? Se a resposta for afirmativa, concordará que manter milhares de galinhas confinadas em granjas para recolher seus ovos é um ato pouco apropriado ou que utilizar macacos, hamsters ou gatos para a pesquisa e elaboração de um creme hidratante não só atenta contra seus direitos básicos como deveria ser proibido. No fundo dessas afirmações encontram-se as principais ideias da filosofia do veganismo, “uma alternativa ética ao consumo e à dependência de produtos não adaptados às necessidades físicas e espirituais do ser humano como a carne, o peixe, os laticínios, os ovos, o mel, os produtos derivados dos animais e outros artigos de origem animal como o couro e as peles”, segundo a Associação Vegana Espanhola (UVE).

Já faz alguns anos que, sobretudo depois que algumas atrizes como Drew Barrymore, Gwyneth Paltrow ou Beyoncé tornaram pública sua escolha de vida, o veganismo deixou de ser um absoluto desconhecido para “começar a se normalizar e se transformar em uma opção aceita pela maioria”, opina David Román, presidente da Associação Vegana Espanhola. Entretanto, ainda existe muita confusão a respeito e uma enormidade de mitos que não correspondem à realidade. Um dos erros mais comuns e difundidos é limitar a filosofia vegana ao fato de não consumir produtos de origem animal. Essa característica é somente uma parte de sua realidade, que inclui também o repúdio ao uso e exploração dos animais. “O veganismo não é uma dieta, é uma atitude”, diz Carol Pino, porta-voz da DefensAnimal.org e vegana comprometida há doze anos. “Na associação divulgamos o veganismo como um estilo de vida no qual tudo gira em torno do respeito a todas as pessoas, sem importar se são humanas ou não, se são machos ou fêmeas, qual é sua cor de pele, qual é seu tamanho, sua orientação sexual...”, esclarece Pino.

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Cuidado pessoal “sem crueldade”

Mas é realmente possível praticar essa filosofia de vida? Como é o dia a dia de um vegano? É possível alguém manter-se absolutamente fiel aos exigentes preceitos do veganismo? Para averiguar isso, vamos ver o que um vegano come, como se veste e o que compra. Vamos fazer isso com a ajuda de David Román, que deixou de comer carne há 17 anos, convencido de que assim melhoraria sua saúde. “Fui então incorporando razões éticas, tanto relacionadas com os animais como com o planeta. Creio que é uma evolução bastante natural. De fato, a maioria dos veganos que conheço passou pelas mesmas etapas, o que lhes dá bastante solidez”, explica Román.

Toca o despertador e David Román se levanta, vai até o banheiro, abre a torneira do chuveiro e pega o sabonete líquido. “Não uso esponja e escolho um sabão sem ingredientes de origem animal e não testado em animais”, explica Román. A produção e a distribuição de cosméticos não testados em animais ou cruelty free é um dos aspectos que mais avançou nos últimos anos. Pelo menos é o que garante Ben Williamson, um dos porta-vozes da organização internacional PETA (People for the Ethical Treatment of Animals). “Desde 2004, quando foram proibidas as experiências com animais na União Europeia, cada vez mais marcas de cosméticos se juntaram à lista de empresas comprometidas com a causa”, afirma. Além disso, para facilitar a vida dos consumidores comprometidos, que procuram esse tipo de empresas e seus produtos, apresenta em seu site uma lista de marcas que se uniram à iniciativa. “Não se trata de regular as condições em que essas vítimas são usadas ou assassinadas, mas de abolir o fato de serem consideradas como coisas em relação às quais os humanos podem fazer o que bem entenderem. Na DefensAnimal.org queremos que a ciência avance, mas não à custa de utilizar pessoas, humanas e não humanas, que não deram seu consentimento para serem usadas”, afirma Carol Pino nessa mesma linha.

Não é necessário matar um animal para fazer um sapato”, Sergio Alday, fundador da Ekoethicshop

Um armário cheio de valores

Román escolhe uma calça, uma camiseta e os sapatos, que, aparentemente, podem parecer como os que a maioria das pessoas têm em casa. Mas se observarmos as etiquetas, comprovamos que não foi utilizado nenhum material de origem animal para sua fabricação. “Não compro roupas de couro, lã ou seda. É fácil se vestir com roupa de algodão, linho ou materiais sintéticos. O calçado? Existem alternativas ao couro”, afirma Román. Uma dessas opções é oferecida pela sapataria de Sergio Alday, Ekoethicshop. Comecei esse negócio em Bilbao há quase três anos com a firme convicção de que “não é necessário matar um animal para fazer um sapato”. Desde então, a receptividade tem sido muito positiva.

A ausência de materiais de origem animal na fabricação é a essência da roupa e do calçado vegano, mas Alday, vegano há mais de 20 anos, vai além. “Também é importante que o processo de produção seja livre de mão de obra infantil e escrava e que seja o mais respeitoso possível com o meio ambiente. A indústria têxtil é muito poluidora e, em muitos países onde existe escassa legislação a respeito, milhares de trabalhadores morrem devido aos produtos químicos empregados. Além disso, os resíduos de produtos químicos afetam consideravelmente a flora e a fauna aquática”, explica.

Intimamente ligado ao setor têxtil, o mundo da moda também tem um papel muito importante no desenvolvimento e na consolidação do veganismo. Segundo prevê Williamson, “as espécies que estarão em perigo amanhã são as que hoje aparecem nas revistas de moda”. Contudo, nem todos os dados são preocupantes. O porta-voz da PETA UK também traz notícias esperançosas. “A produção de roupa e de sapatos fabricados com materiais não derivados de animais está crescendo bastante. E, sem dúvida, um dos motores dessa mudança é o apoio de estilistas e empresárias como Stella McCartney e Vivienne Westwood aos Prêmios da Moda Vegana, organizados pela PETA UK”, afirma. “Se essa tendência continuar e os animais saírem definitivamente dos nossos armários, milhões deles deixarão de sofrer os terríveis maus-tratos aos que são submetidos devido à inesgotável crueldade do ser humano”, acrescenta Ben Williamson, otimista.

A geladeira vegana

A hora do café da manhã se caracteriza pela ausência de leite, bolos e bolachas. “Substituímos o leite de vaca por bebidas vegetais e evitamos as bolachas e os bolos elaborados com manteiga ou outros ingredientes de origem animal”, explica Román. A necessidade de consumir produtos lácteos é tema de discórdia. A doutora Pilar Riobó, especialista em Nutrição e Endocrinologia, afirma categoricamente que “o leite não apenas não é prejudicial como é necessário para evitar problemas por falta de cálcio, tais como a osteoporose”. Entretanto, o nutricionista e especializado em veganismo e alimentação macrobiótica David Gasol afirma o contrário: “É possível ter uma alimentação saudável e equilibrada sem o consumo de nenhum laticínio na dieta, desde que saibamos substituir corretamente o que era proporcionando pelo leite na nossa alimentação”, afirma.

Os veganos não só excluem todos os produtos de origem animal como também recusam aqueles fabricados pelos animais, como o mel, por exemplo. Essa ausência de produtos de origem não vegetal é o que impede a doutora Riobó de considerar a dieta vegana como uma dieta completa e equilibrada: “Sou partidária de uma alimentação quase vegetariana, com claro predomínio das frutas e verduras da estação, mas se não consumirmos nada de carne inevitavelmente sofreremos certas carências de ferro e de vitaminas D e B12”, adverte. O calcanhar de Aquiles da alimentação vegana está na vitamina B12, exclusiva dos produtos de origem animal. “Essa carência só é resolvida por meio da suplementação farmacológica”, afirma Riobó. Mas o déficit vitamínico não é o que mais preocupa o nutricionista David Gasol. “Qualquer dieta, inclusive as convencionais, onde há proteína animal, é suscetível de apresentar carências. E a vitamina B12 é armazenada no organismo, gerando reservas para longos períodos de tempo”, argumenta.

Por outro lado, “o profundo interesse que os veganos normalmente manifestam pela alimentação é uma das melhores garantias de que terão uma alimentação equilibrada e saudável”, opina a doutora Riobó. Esse interesse é o que normalmente os leva a aprender novas receitas, novas técnicas de cozinha e a buscar novos alimentos para ter uma dieta saudável e saborosa. “À primeira vista, parece que deixar de comer carne e outros produtos animais reduz o leque de possibilidades nas refeições, mas a verdade é que se enriquecem as possibilidades culinárias”, explica com entusiasmo Román. “A maioria das pessoas desconhece a grande variedade de cereais que se podem ser usados na cozinha além do trigo e do arroz (aveia, centeio, cevada, quinoa, trigo sarraceno, espelta…) ou os derivados da soja (tofu, tempeh, missô, bebidas e iogurtes…) ou o seitan (elaborado com glúten de trigo), que também são alimentos habituais na dieta do vegano”. Até chegar a dominar ou, ao menos, a manipular com desenvoltura a dieta vegana, o melhor é “começar cozinhando as mesmas receitas que antes, mas substituindo os alimentos de origem animal. Mais adiante virão os pratos novos e 100% veganos”, sugere Román. “Convém fazer a transição para esse tipo de dieta com a ajuda de um especialista e fazer exames pontuais para evitar o déficit de vitaminas e de minerais”, adverte o nutricionista David Gasol.

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