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Endurecer penas X inteligência: as propostas dos candidatos para a segurança pública

Programas dos cinco principais candidatos trazem um apanhado de soluções antigas e algumas inovações defendidas por especialistas

Militares patrulham o aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Militares patrulham o aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.AFP

A segurança pública se tornou a bola da vez no debate político em um contexto no qual as facções criminosas se tornaram um problema nacional, cuja ação faz com que os índices de homicídio e violência batam recordes no país. O protagonismo do capitão da reserva Jair Bolsonaro (PSL) na disputa, com sua forte retórica populista e discurso mão forte e endurecimento das penas no enfrentamento ao crime, pautou o tema de forma definitiva. Neste campo, os programas de Governo dos cinco candidatos mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais trazem, com maior ou menor ênfase e profundidade –o programa de Geraldo Alckmin (PSDB) apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral tem 9 páginas, ante 81 de Bolsonaro–, um apanhado de soluções antigas e algumas inovações defendidas por especialistas. Veja o que Lula, Bolsonaro, Marina, Alckmin e Ciro propõem para reverter o quadro de violência epidêmica que assola grande parte do país.

Maior participação da União

Com exceção de Jair Bolsonaro, que não menciona o tema em seu programa, todos os demais candidatos propõem uma maior atuação da União na questão da segurança pública, seja com mais recursos ou com a criação de uma estrutura federal de combate ao crime organizado. Lula, Ciro e Marina apostam na implementação do Sistema Único de Segurança Pública, para promover a integração com Governos estaduais e municipais.

Durante sucessivos Governos federais a questão da segurança foi tratada como sendo principalmente um problema dos Estados, o que levou a soluções descentralizadas e pouca articulação entre as diferentes esferas de poder. Além disso, Estados mais pobres com Orçamentos limitados como os do Norte e Nordeste se viram às voltas com problemas gigantescos, como o enfrentamento a grupos criminosos com atuação nacional e uma epidemia de homicídios.

Se por um lado os candidatos defendem esta preponderância do Governo Federal na questão, eles não detalham como irão financiar estes investimentos da União, tendo em vista a crise fiscal e o teto de gastos públicos aprovado pelo Governo Temer –apenas Lula e Ciro defendem a revogação da lei, o que em tese permitiria um maior investimento do Governo Federal.

O protagonismo do federal na segurança é algo considerado fundamental pelo documento Segurança Pública é Solução, lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelos institutos Sou da Paz e Igarapé. Nele, são dadas diretrizes para os candidatos, como a criação de um Conselho Nacional de Inteligência sobre crime organizado para articular os órgãos de inteligência estaduais e federais.

Além disso, o documento também sugere uma maior “participação de recursos da União na execução orçamentária de Estados e municípios na segurança pública”. O Sistema Único de Segurança Pública, criado em maio deste ano mas que ainda engatinha, também é apontado pelas entidades como sendo fundamental para a redução da violência e o combate às organizações criminosas, “criando uma instância de articulação permanente entre Executivo, Legislativo e Judiciário e que possa ser replicada nos Estados, com participação também do Ministério Público”.

O problema carcerário e o tráfico de drogas

A crise do sistema penitenciário, com presídios superlotados e controlados por facções criminosas que fazem das unidades seus centros de recrutamento, também é um tema abordado no programa de Governo de todos os candidatos. O documento petista é o mais ousado, com uma proposta de “investir na reforma da legislação para reservar a privação de liberdade para condutas violentas e promover a eficácia das alternativas penais”, dando a entender que haveria uma flexibilização das penas para pequenos traficantes do varejo, que são quase 30% da população carcerária segundo levantamento do Ministério da Justiça (MJ).

O PT é o único partido a defender em seu programa, ainda que com cautela, algo próximo à descriminalização das drogas, ou como diz o texto, um "olhar atento para as experiências internacionais que já colhem resultados positivos com a descriminalização e a regulação do comércio". A reorientação da política de drogas é defendida também pelo FBSP, para quem a medida colaboraria para desafogar o sistema carcerário bem como liberar as forças policiais para realizar um trabalho de inteligência contra o crime - em oposição ao modelo de "guerra às drogas".

Estas mudanças propostas pelo PT, no entanto, encontram forte resistência no Congresso e na sociedade - 66% dos brasileiros é contra a legalização da maconha, de acordo com o Instituto Datafolha. Além disso, o Supremo Tribunal Federal começou a analisar a questão, sem muita pressa: o processo começou a ser julgado em 2015, e atualmente está paralisado.

O programa de Marina segue uma linha semelhante com relação ao problema da superlotação dos presídios, com uma proposta de “Política Nacional de Penas Alternativas”, e o incentivo a medidas “que visem a redução do número de presos provisórios”. Atualmente 40% dos presos se encontram nessa situação, sem condenação definitiva ou aguardando julgamento, de acordo com o MJ.

As propostas dos dois candidatos encontram eco nas recomendações do FBSP, que aponta “possibilitar outras formas de punição para quem não comete crime violento” como sendo “o principal caminho para efetivamente responsabilizar todos que cometem crimes, sem superlotar os presídios”. Além disso, o documento da entidade defende a “redução dos presos provisórios e a priorização da prisão por crimes graves contra a vida”.

Ciro Gomes aposta na “ocupação das vagas ociosas nos Presídios Federais”, que de acordo com ele operam com a metade da capacidade, “enquanto os Governos estaduais estão cuidando de inúmeros presos de alta periculosidade”. A proposta, no entanto, não resolveria o problema da superlotação nos presídios, uma vez que o sistema federal conta com apenas quatro unidades, e tem capacidade insuficiente para absorver o excesso de presos do sistema estadual.

O plano de Bolsonaro para o sistema carcerário é o que mais destoa dos demais candidatos – e das propostas feitas por especialistas. Além de defender a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o que de acordo com estudiosos iria agravar ainda mais o quadro de superlotação no sistema, o candidato, de forma sucinta, prega “Prender e deixar preso! Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias!”. Este último ponto é compartilhado por Alckmin, que defende uma “ampla revisão da Lei de Execução Penal para tornar mais difícil a progressão de penas para os infratores que cometeram crimes violentos e que tenham envolvimento com o crime organizado”. Na prática estas duas propostas contribuiriam para manter mais pessoas presas, indo na contramão da sugestão do FBSP.

Bolsonaro não explica como pretende combater o tráfico de drogas, enquanto que Alckmin fala sobre drogas apenas do ponto de vista da repressão: “combater (...) o tráfico de armas e drogas com a integração da inteligência de todas as polícias”.

Redução dos homicídios

Lula, Ciro Gomes e Marina Silva possuem estratégias semelhantes para a redução dos homicídios no país. Os três apostam no controle das armas de fogo e em políticas públicas que ofereçam oportunidades para os jovens, maiores vítimas da violência letal e principal fonte de recrutamento de mão de obra para as facções. Porém, enquanto Ciro e Lula também defendem a melhoria dos serviços de inteligência das polícias como um meio para esclarecer crimes e dissuadir novos homicídios, Marina não aborda esta questão.

O PT fala em “abrir espaço para que as polícias civil e militar se concentrem na repressão a crimes violentos e no combate às organizações criminosas, com foco na redução de homicídios”, e o PDT defende “a melhoria das condições de trabalho da polícia e da inteligência investigativa”.

Alckmin propõe “reduzir o número de homicídios, engajando Estados e municípios para reduzir a taxa de homicídios para, pelo menos, 20 casos por 100.000 habitantes”. Atualmente a média nacional é de aproximadamente 30 homicídios por 100.000, e São Paulo, Estado que foi governado pelo candidato, tem a menor taxa do país, com 10,9. O tucano, no entanto, não explica em seu plano como irá fazer para alcançar estes resultados.

Já o programa de Bolsonaro dá a entender que a flexibilização do controle de armas – com a concessão de porte e posse para a população – seria um elemento de redução de homicídios. “Um tratamento estatístico mostrará uma correlação inversa entre armas nos lares e homicídios!”, diz o programa, que também defende o fim do Estatuto do Desarmamento. Facilitar o acesso às armas de fogo é apontado pelo FBSP, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e por pesquisadores do tema como sendo um tiro no pé no combate à violência. O candidato também defende investir “fortemente” em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa das forças policiais e promete, sem citar o mecanismo legal, dar espécie de imunidade legal para policiais que matarem em serviço.

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