Após restabelecer a saúde, o futuro de Braga é incerto. É provável que ele retorne à masmorra, tendo em vista que o despacho de Cruz é claro ao dizer que ele tem direito à prisão domiciliar “enquanto perdurar o agravado estado de saúde ”. Sua defesa já apelou da condenação e protocolou um pedido de habeas corpus para que ele não tenha que retornar ao presídio. Caso a Justiça não acate a solicitação, ele voltará a ser um dos 248.800 presos brasileiros, cerca de 40% do total, que não foram condenados definitivamente pela Justiça. Em 2016, ao apresentar um relatório sobre a situação do sistema carcerário brasileiro, o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato De Vitto, disse que “dessas pessoas que ficam presas provisoriamente, 37% delas, quando são sentenciadas, são soltas”. Na prática, mais de um terço dos presos provisórios são julgados inocentes, mas não sem antes passar pelos trauma do encarceramento.
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Além disso, caso tenha que voltar a Bangu, Braga também voltará a ser um dos 205.000 presos que estão atrás das grades sob acusações de tráfico de drogas. Para Lucas Sada, defensor de Braga e integrante do Instituto de Defensores de Direitos Humanos, a decisão do ministro foi acertada, mas ainda há muito a ser feito para melhorar a situação nos presídios. “Um exercício mínimo de racionalização do sistema criminal e prisional pressuporia reduzir drasticamente o contingente de presos provisórios, e libertar os acusados por tráfico de drogas em casos onde não foi empregada violência ou grave ameaça”, afirma. É o caso de Braga, preso desarmado com pequenas quantidades de cocaína e maconha.
Em 2015 o Supremo Tribunal Federal começou a discutir um caso que serviria como precedente para a descriminalização das drogas. O julgamento foi interrompido com um placar de três votos favoráveis e nenhum contra, quando o então ministro Teori Zavascki, morto em janeiro deste ano, pediu mais tempo para analisar a questão. Agora o processo depende de um parecer do ministro Alexandre de Moraes, que tomou posse no lugar de Zavascki. Moraes foi secretário de Segurança Pública de São Paulo.
Quanto aos presos provisórios, o STF se resumiu a pedir que os juízes acelerassem a análise da situação destes detentos. A solicitação, feita pela presidenta da Corte, Carmen Lúcia, em janeiro deste ano logo após os massacres ocorridos em penitenciárias do Norte e Nordeste do país, não deu resultados tangíveis até o momento, de acordo com ONGs que monitoram a questão. À época o desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, que participou da reunião a presidente do STF, afirmou que "isso [o pedido da ministra] não significa que vamos soltar presos. Vamos avaliar se as condições da prisão permanecem".
A decisão do ministro Cruz de soltar Braga vai na mesma linha, e não oferece possibilidade para que outros presos na situação do jovem também cumpram pena em casa. “Esclareço que a providência ora determinada não implica reconhecimento de que toda e qualquer pessoa presa em estabelecimento prisional neste país tenha direito à prisão domiciliar”, afirmou.
Se atualmente a história de Braga se confunde com a de milhares de outros presos provisórios e processados por tráfico, sua primeira passagem pelo sistema carcerário foi marcada por peculiaridades e arbitrariedades. Em 2013, então com 25 anos, ele foi detido com produtos de limpeza – desinfetante e água sanitária - durante um protesto contra o aumento das passagens de ônibus do Rio. A Polícia Militar, promotores e o juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte entenderam que isso bastava para que ele fosse condenado a cinco anos de prisão por porte ilegal de artefato incendiário. E assim o jovem, negro e ex-morador de rua, se tornou o primeiro e único condenado por supostos crimes praticados durante as manifestações daquele ano.