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Cristina Kirchner acusa Macri de perseguição política no escândalo dos subornos

Ex-presidenta é acusada de liderar uma quadrilha que cobrava comissões em obras públicas

Federico Rivas Molina
A ex-presidenta Cristina Kirchner chega à Justiça federal para depor no processo.
A ex-presidenta Cristina Kirchner chega à Justiça federal para depor no processo.Getty Images

Cristina Kirchner voltou aos tribunais. Desta vez sozinha, sem o banho de massas que a acolheu em ocasiões anteriores. Às 10h desta segunda-feira, deixou um depoimento por escrito ao juiz Claudio Bonadio, a quem acusou de ser um “braço de perseguição” política, parte de uma nova “estratégia regional para proscrever dirigentes que permitiram tirar milhões de pessoas da pobreza”. Comparou-se assim a Lula, preso desde abril em Curitiba, em meio a uma campanha eleitoral na qual seria o favorito. Cristina Kirchner se apresentou pela quinta vez diante de Bonadio, agora num processo por suposto pagamento de subornos. O juiz a acusa de ser a líder de uma organização que, valendo-se de seus cargos no Estado, montou um esquema de arrecadação de dinheiro ilegal, fornecido pelas empresas que durante seu Governo se beneficiaram com milionários contratos de obras públicas.

A ex-presidenta chegou no meio da manhã de segunda-feira aos tribunais federais de Comodoro Py, no centro de Buenos Aires, e apresentou um documento a Bonadio. Uma hora depois, deixou o prédio e voltou para sua casa. A pedido dela, não havia acompanhamento da militância. Em abril de 2016, ao prestar seu primeiro depoimento a Bonadio em um dos seis processos que enfrenta, Kirchner transformou o evento em um grande comício político. Seus seguidores montaram um palanque, de onde ela falou com a multidão. Disse então que era uma perseguida política, os mesmos argumentos que esmiuçou nesta segunda por escrito. Mas esta vez pode ser diferente.

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Os cadernos da corrupção

Esta nova investigação começou depois da divulgação pública de oito cadernos manuscritos nos quais um motorista do poder, Oscar Centeno, detalhou deslocamentos que teria feito durante 10 anos com sacolas cheias de dólares, produto de subornos. Os cadernos chegaram primeiro a um jornalista do jornal La Nación, que após quatro meses de investigações os entregou ao juiz Bonadio. Há duas semanas, o magistrado ordenou uma série de detenções que ativaram uma verdadeira onda de denúncias cruzadas entre empresários pagantes e ex-altos funcionários cobradores. A Argentina está agora diante de uma versão loca da Lava Jato brasileira, com consequências políticas ainda imprevisíveis.

Os cadernos de Centeno já levaram à prisão oito ex-altos funcionários do Governo Kirchner, incluindo o número dois do ministério de Planejamento, a cargo das obras de infraestrutura financiadas pelo Estado, e sete empreiteiros acusados de pagar propinas. Outros nove empresários estão livres por se beneficiarem da delação premiada, incluindo Angelo Calcaterra, primo do presidente Mauricio Macri. A onda de arrependidos gerou um terremoto político. Os cadernos, apesar da profusão de detalhes apontados obsessivamente por Centeno, ficaram pequenos ao lado das delações premiadas.

Na sexta-feira depôs como arrependido o empresário Carlos Wagner, ex-presidente da Câmara da Construção. Apresentou-se ao juiz como intermediário do que chamou de “clube das obras públicas”. Segundo seu depoimento, o ex-presidente Néstor Kirchner colocou-o à frente da Câmara em 2003, logo que assumiu o poder, e lhe pediu que organizasse empresários amigos ao redor de um sistema de contribuições de dinheiro ilegal. As empresas escolhidas se reuniam num apartamento de Buenos Aires e distribuíam os contratos a dedo. Em troca, deviam fornecer a membros do Governo entre 10% a 20% do valor antecipado destinado ao início de obra. Para compensar as propinas, as obras eram superfaturadas, segundo os detalhes citados por Wagner. Para convencer o juiz de sua boa vontade como arrependido, o empreiteiro disse que Néstor e Cristina estavam a par de toda a manobra.

Em um texto que publicou em suas redes sociais na manhã desta segunda, Cristina considerou “ridículo nos fazer acreditar que tenha sido Néstor Kirchner quem organizou o sistema de cartelização das obras públicas a partir de 25 de maio de 2003, num país cujo presidente é Mauricio Macri”. A ex-presidenta recordou que Macri integra uma família que fez fortuna desde os anos setenta graças aos negócios de suas construtoras com o Estado. O primo do presidente, Calcaterra, ex-proprietário da Iecsa, reconheceu ao juiz que pagou subornos durante o kirchnerismo. Cristina Kirchner disse agora que a “perseguição judicial” que enfrenta “só é comparável àquela realizada nos tempos em que a vigência da Constituição Nacional se encontrava suspensa”, durante a ditadura militar.

Cristina Kirchner não pode ser presa, porque tem foro privilegiado como senadora. Bonadio pediu ao Congresso que lhe suspenda esse direito, algo que não acontecerá, ao menos em curto prazo. O peronismo, com maioria de votos na Câmara Alta, defende que os legisladores têm direito ao foro privilegiado enquanto não houver sentença definitiva, o que está longe de acontecer no caso de Kirchner. O impacto político, entretanto, é enorme.

No ano que vem há eleições presidenciais, e a ex-presidenta não descartava, pelo menos até agora, ser candidata. Pelo lado do Governo, enquanto isso, teme-se que a Lava Jato argentina afete a economia. Num momento em que o investimento foge dos mercados emergentes, produto das altas taxas de juros pagas pelos Estados Unidos, o terremoto que afeta dezenas de empreiteiras que prestam serviços ao Estado não é uma boa notícia.

Buscas no edifício de Kirchner

F.R.M.

Caía a noite em Buenos Aires quando a polícia ingressou no prédio onde mora a ex-presidenta Cristina Kirchner, no bairro da Recoleta. Tinham um mandado de busca e apreensão assinado pelo juiz Claudio Bonadio, encarregado do caso dos “cadernos dos subornos”. Os agentes não foram ao quinto andar, onde vive Kirchner, e sim ao primeiro e segundo.

Kirchner está a salvo de qualquer busca judicial em sua casa graças ao foro privilegiado como senadora. O juiz, entretanto, parece decidido a encurralá-la na medida do possível em busca do dinheiro que, presume, a ex-presidenta pode ocultar na sua residência de Buenos Aires. Os apartamentos onde a polícia entrou nesta segunda-feira pertencem a Osvaldo De Sousa, irmão de Fabián De Sousa, sócio do empresário ultrakirchnerista Cristóbal López.

De Souza está detido por suspeita de enriquecimento ilícito, e Bonadio acredita que parte do dinheiro dos subornos que ele investiga pode estar escondida nos dois apartamentos que seu irmão possui no mesmo edifício que a ex-presidenta. O advogado dela, Gregorio Dalbón, considerou a visita da polícia “um circo e uma intimidação”, e esclareceu que Kirchner não se encontrava em seu domicílio naquele momento.

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