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Procuradoria vai reabrir investigações sobre morte Herzog na ditadura

Será a quarta vez que caso será retomado, na esteira da decisão da corte Interamericana que considerou o assassinato em 1975 crime de lesa-humanidade

Felipe Betim
Jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar.
Jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar.Reprodução
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O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) irá retomar as investigações sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado em 1975, durante a ditadura militar, aos 38 anos. O inquérito será reaberto após o Estado brasileiro ter sido condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 4 de julho pela falta de investigação, julgamento e possíveis punições aos responsáveis. O tribunal, ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), também determinou que o assassinato de Herzog deve ser considerados como um crime de lesa-humanidade e instou a reabertura do caso. O cumprimento por parte do Estado brasileiro, que é signatário da corte, é obrigatório, ainda que decisões anteriores no mesmo sentido sigam, em última instância, bloqueadas pela interpretação que o Supremo Tribunal Federal faz da Lei de Anistia, de 1979.

O anúncio da reabertura do caso foi feito nesta segunda-feira por procuradores da República e integrantes da ONG Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil), além de Ivo e Clarice Herzog (filho e viúva do jornalista, respectivamente), na sede da TV Cultura — órgão de imprensa no qual o jornalista trabalhava quando foi morto, durante o Governo de Ernesto Geisel. Em 24 de outubro de 1975, Herzog, então com 38 anos, apresentou-se voluntariamente para depor às autoridades militares no DOI/CODI, em São Paulo. Ele acabou preso, interrogado, torturado e finalmente assassinado. A versão de que ele havia se suicidado, e a divulgação de fotos montadas para sustentar essa versão, causou indignação e provocou um massivo protesto em São Paulo, onde uma celebração ecumênica foi realizada, na catedral da Sé.

Desde o início dos anos 90 foram ao menos quatro tentativas de reabrir o caso na Justiça, mas a Lei da Anistia, de 1979, sempre foi evocada para impedir que as investigações avançassem. Até agora, os documentos relativos à investigação estavam em Brasília, na 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) e o inquérito estava suspenso a pedido do MPF-SP, que aguardava decisão da CIDH. O processo já voltou a São Paulo e está no gabinete de Ana Letícia Absy, procuradora responsável pelo caso, que deverá nos próximos dias abrir uma Procedimento Investigatório Criminal, o ponta pé inicial para retomar o caso.

A última tentativa de levar a cabo uma condenação correu em 2008, quando o caso foi arquivado por prescrição. A diferença é que agora a CIDH considerou que o assassinato de Herzog foi um crime contra a humanidade, que não é passível de prescrição e nem da aplicação da Lei da Anistia, que previu o perdão tanto para os crimes cometidos pela ditadura como por seus opositores, segundo afirmou na entrevista coletiva Sérgio Suiama, procurador da República e perito na CIDH. Suiama ainda disse que o caso é "atípico" porque "houve um inquérito militar", que resultou na falsa versão de que houve um suicídio. "Houve um inquérito para justificar o que houve, ou seja, deixaram rastros que facilitam o trabalho do Ministério Público".

Para Beatriz Affonso, diretora do Cejil, que levou o caso a CIDH junto com a família Herzog, a condenação no tribunal e a reabertura do caso pode fazer com que outros sejam investigados, uma vez que "os administradores de Justiça no Brasil vão ter que enfrentar que é não poder usar prescrição e a Lei de Anistia como obstáculo para investigação", explicou. "As outras investigações também não vão poder ser barradas por isso ou, com certeza, vai criar um mal estar de outro patamar. Com certeza, vamos parar no STF para decidir sobre o crime contra a humanidade".

A CIDH também responsabilizou o Brasil pela violação ao direito à verdade e à integridade pessoal em prejuízo dos familiares de do jornalista. No mês passado, o Ministério dos Direitos Humanos soltou uma nota afirmando que ela "representa uma oportunidade para reforçar e aprimorar a política nacional de enfrentamento à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, assim como em relação à investigação, processamento e punição dos responsáveis pelo delito". A sentença de julho foi a segunda condenação do Brasil na matéria, que em 2010 foi responsabilizado pela CIDH pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia, em 1974.

Ainda que o Ministério Público Federal já tenha aberto mais de trinta investigações relativas à crimes na ditadura, a maior parte acaba barrado na Justiça, que faz do Brasil o mais atrasado na matéria entre seus vizinhos vítimas de regimes autoritários. O principal entrave é o Supremo, que reafirmou a validade da Lei da Anistia em 2010. Agora, a decisão do CIDH é uma nova pressão para que a corte retome o tema. Como parte da ofensiva, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, fez um movimento em fevereiro. Ao pedir ao STF que reabra o caso do ex-deputado Rubens Paiva, morto pelo regime em 1971, insistiu que o Supremo trate o tema como "prioridade" e rediscuta o alcance da anistia.

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