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Secretário de Habitação: “Moradia social no centro é mais cara, mas benefício para a cidade é incalculável”

Fernando Chucre diz que imóveis afastados elevam a necessidade dos gastos públicos em infraestrutura. Ele reclama da falta financiamento para programas de habitação social

Felipe Betim

Fernando Chucre (PSDB) vem tendo que lidar na última semana com seu principal desafio desde que assumiu, no início da gestão de João Doria, a Secretária Municipal de Habitação: o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, no dia 1 de maio. Ele estava ocupado pelos cuidados às 150 famílias que ali viviam, e são um pedaço do déficit habitacional de 358.000 moradias, o que significa que cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem em situação precária na capital paulista. Além disso, há uma fila de 170.000 pessoas na Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB) que querem adquirir uma habitação social. Entre elas, 30.000 recebem um auxílio aluguel, a maioria há anos, de 400 reais da prefeitura.

O secretário de Habitação de São Paulo, Fernando Chucre.
O secretário de Habitação de São Paulo, Fernando Chucre.Divulgação

Arquiteto de formação e ex-deputado federal, entre 2007 e 2011, Chucre explica nesta entrevista ao EL PAÍS os entraves para se fazer uma política pública em larga escala, e as alternativas estudadas pela prefeitura, agora comandada por Bruno Covas, atualmente para desatar o nó habitacional.

Pergunta. Quantos imóveis a prefeitura tem no centro de São Paulo que estão desocupados e que poderiam servir de habitação?

Resposta. A quantidade certa de imóveis públicos eu não tenho de cabeça, a Secretaria de Gestão pode passar essas informações mais detalhadas. Eu tenho os números de imóveis notificados por PEUC [Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios], que são imóveis privados que não estão cumprindo sua função social e que foram notificados nos últimos anos e que pagam o IPTU progressivo. São 1380 imóveis, 700 apenas na região do centro expandido, que a prefeitura irá arrecadar. A questão é que os primeiros imóveis foram notificados entre 2014 e 2015. Depois disso, a prefeitura dá um prazo de geralmente um ano para que o proprietário possa contra-argumentar esta notificação e dar uma destinação ao imóvel. Caso isso não aconteça, a prefeitura passa a cobrar o IPTU progressivo, que vai subindo durante os próximos cinco anos. Só depois desses cinco anos a prefeitura pode arrecadar o imóvel. Então, os prazos para que a prefeitura comece de fato a posse desses imóveis é só em 2019.

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P. Quais são hoje os principais entraves para fazer uma política pública de habitação, sobretudo no centro da cidade?

R. Já se está discutindo uma linha de crédito específico para financiamento em aéreas centrais. Por que se produz muito na periferia? Basicamente por causa da disponibilidade de imóveis e porque o custo é barato. Não é só o do terreno. O Ministérios da Cidade, quando ele trata do retrofit [reforma de imóveis antigos], ele libera até 135.000 reais. Quando você trata de produção de novas unidades, ele libera 96.000 reais. Só que para fazer requalificação de edifícios, as obras são mais caras do que construir novas unidades habitacionais. Por conta de legislação, adequação desses edifícios a normas de segurança de corpos de bombeiros... Na semana passada, aprovamos os recursos no Minha Casa Minha Vida para dois retrofits no centro. Um deles é o antigo hotel Cambridge, e o outro é o Lord [Palace Hotel]. No primeiro caso, a gente negociou com o movimento [que estava morando ali], eles desocuparam e estão até fazendo a guarda do imóvel para não correr o risco de ocupação por outro movimento que não o que tem direito ao empreendimento. Temos o  edifício Dandara, que recentemente foi entregue após ser financiado pelo Minha Casa Minha Vida - Entidades. Então, tem sim umas linhas de financiamento, mas são muito restritas e com muitas dificuldades de execução pela complexidade de adequação desses edifícios. Mas estas linhas ainda estão acontecendo. É importante a gente criar linhas específicas para as áreas centrais, que tem essa característica especifica de requalificação de imóveis. Outra coisa que seria importante, que é bem polêmico, mas que eu tenho defendido há bastante tempo, é que se a gente aplicar na íntegra todas as leis e normas relativas a corpo de bombeiro, você inviabiliza a reforma de muitos desses prédios. Isso explica em parte o abandono de vários imóveis no centro, por causa da impossibilidade de ele voltar para o mercado formal.

P. É o caso, por exemplo, do prédio que caiu no Largo do Paissandu, cuja reforma foi estimada em 40 milhões de reais?

R. Ali tem um agravante. O prédio era tombado. O tombamento é outro elemento que aumenta o custo para fazer um retrofit, já que depende de uma comissão que determina as condições que a reforma tem que ser feita. 

P. Mas o imóvel ocupado que caiu, por mais que ele não servisse como habitação social, poderia se tornar um centro cultural ou receber qualquer outro tipo de função, certo?

R. Em setembro do ano passado, identificamos diversos imóveis, dezenas na região central, que são do Governo do Federal e que podiam ter algum tipo de destinação. A nossa ideia é que fossem habitacionais, mas é óbvio que tem edifícios, como esse do Largo do Paissandu, que deveriam, por sua tipologia ou arquitetura, se transformar em outro equipamento público. Estava negociando com o secretário da Educação, Alexandre Schneider, que ali fosse o edifício sede de toda a parte administrativa da secretaria da pasta. Em troca, ele daria um outro edifício, o [Cine] Marrocos, que é da secretaria da Educação, para fazer habitação social. Esse foi o plano que foi interrompido pelo acidente.

P. Quantas vezes vocês se reuniram com as famílias e o Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM)?

R. Em setembro do ano passado, quando conseguimos a guarda do imóvel, fomos proibidos de entrar nele. Mas como temos um grupo de negociação de conflitos da secretária, neste ano conseguimos ter as primeiras reuniões. Foram seis reuniões ao longo deste ano com as famílias para que a prefeitura desse um atendimento para elas e conseguisse desocupar o edifício. A liderança geral do movimento é o Ananias, mas o edifício possuía uma coordenadora própria. Mas ela está internada com queimaduras e não conseguimos contactá-la. Então o Ricardo [Luciano Lima], o careca, que é do mesmo movimento [e é coordenador de outra ocupação], chegou mais recentemente.

"Precisamos de um financiamento para além dos programas que já existem para canalizar recursos para a região central"

P. Além do edifício Cambridge, a prefeitura comprou outros dois prédios nos últimos anos: o edifício Prestes Maia, a maior ocupação da cidade, e na gestão Doria-Covas, o edifício Mauá. Quais planos há para eles?

R. Não são apenas dois, são nove edifícios e um terreno adquiridos na região central. Já apresentamos para o Ministério da Cidade junto com a Secretaria Nacional de Desenvolvimento Social e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos os nove edifícios e o terreno para o nosso projeto piloto de locação social para a população de rua, tendo um impacto direto na região central. Juntos eles representam 441 unidades habitacionais e o projeto está no ministério da Cidade aguardando simplesmente a liberação de recursos. Eles ficariam como propriedade da prefeitura, que alugaria essas unidades por um preço menor que o de mercado. Isso significa que estamos voltando a investir num programa de 2002, da Marta Suplicy, porque constatamos que muitos imóveis dados à população de baixa renda foram, por vários motivos, vendidos. Então você acaba de maneira indireta transferindo subsídio público para pessoas que teoricamente não teriam direito a esse beneficio.

P. Mas a demanda por moradias em São Paulo é altíssima e esses nove edifícios e terreno no centro não são suficientes. Mais uma vez, quais são os entraves para que se possa desenvolver essa política em larga escala?

R. Para além dos motivos urbanísticos, tem uma questão muito simples de entender: financiamento. Não existe recursos suficientes para fazer as obras necessárias. A prefeitura tem um parque imobiliário imenso de edifícios e terrenos, que vêm sendo desapropriados por várias gestões, e que poderiam estar sendo reabilitados ou usados para novas construções. Não está sendo feito não é porque eu sou ruim ou porque as outras administrações foram ruins, é porque a gente não tem recurso ou financiamento suficiente para isso. A grande questão que estou colocando é que precisamos de um financiamento para além dos programas que já existem. Eu tenho poucas esperanças de que apareça dinheiro novo, então teríamos que conseguir dinheiro de outros programas, mas que a gente consiga de alguma maneira canalizar parte desses recursos para a região central. Temos que lembrar também que, num primeiro momento, produzir habitação social no centro é mais caro, mas o benefício que você traz para o município e para a população em termo de mobilidade, existência de infraestrutura e de emprego é incalculável. Ninguém coloca no preço do Minha Casa Minha Vida, ao fazer um empreendimento no extremo sul da cidade, que aquele cidadão trabalha na região central e se desloca duas horas para chegar no emprego dele. E que lá não tem vagas em escolas, em creches, e que você vai ter que fazer outros investimentos públicos. Essas são outras contas que você precisa colocar no cálculo da habitação.

"Se eu tiver que elencar os três maiores problemas da habitação, eles são: financiamento, financiamento e financiamento"

P. Em muitas remoções ou reintegrações de posse, a prefeitura oferece para as famílias uma bolsa aluguel de 400 reais. Como esse valor não se paga um aluguel em São Paulo, e muitas dessas famílias acabam ocupando um imóvel vazio. Portanto, qual é a efetividade dessa bolsa aluguel?

R. Antes de discutir o valor, vou te dar alguns números. Quando a gente entrou na prefeitura, havia pouco mais de 30.000 recebendo esses 400 reais. Isso acaba consumindo cerca 140 milhões de reais por ano, ou seja, por volta de 40% dos recursos municipais investidos em habitação. Temos consciência absoluta do valor dos aluguéis na região central e no resto da cidade. Mas se eu subo em 100 reais o valor deste auxílio, eu comprometo mais 10% da capacidade de investimento da Secretaria. Então é um investimento burro. Temos isso como algo emergencial e temporário, mas não é uma solução. E o nome disso é auxilio aluguel e funciona, de fato, como um extra. Para quem não tem auxílio nenhum, esses 400 reais faz com que essa família economize. Se ela já tem 600 reais, com mais 400 talvez ela tenha condição de morar em outro lugar.

P. Mas tendo esse caráter emergencial, sendo tão pouco efetivo em termos de política pública, como migrar desse modelo para o de aluguel social, por exemplo?

R. No mundo ideal, se eu conseguisse construir 30.000 unidades hoje, eu pegaria todas essas famílias, colocaria dentro dessas unidades e teria 140 milhões a mais por ano para investir em habitação. O problema é que voltamos para o problema de antes. Se eu tiver que elencar os três maiores problemas da habitação, eles são: financiamento, financiamento e financiamento. A gente não tem recursos suficientes, mesmo no caso de São Paulo em que contamos com recursos cruzados do próprio município e do governo federal via Minha Casa Minha Vida. Se eu tivesse dinheiro hoje para financiar tudo o que tenho na mão, entre terrenos, projetos e requalificação de edifícios, eu poderia colocar 35.000 unidades em produção nos próximos seis meses. Isso sem contar a PPP da Habitação [em parceria com o governo estadual] e as unidades que estão sendo produzidas agora. Mas a nossa meta hoje é de entregar, em quatro anos, 25.000 unidades habitacionais.

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