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Trump enfrenta o cara a cara com o líder da Coreia do Norte ignorando as violações de direitos humanos

Fracasso da reunião, prevista para o início de junho, daria lugar a outra escalada nuclear

Jan Martínez Ahrens
Donald Trump caminha na Casa Branca.
Donald Trump caminha na Casa Branca.Susan Walsh (AP)
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Os Estados Unidos já têm o caminho livre. Encerrada a histórica cúpula entre as duas Coreias, o presidente Donald Trump se prepara para o crucial cara a cara com o Líder Supremo, Kim Jong-un. Uma reunião no fio da navalha, onde Washington joga seu prestígio, e o regime de Pyongyang, sua sobrevivência. Prevista para o início de junho, o objetivo da Casa Branca é conseguir a desnuclearização da Coreia do Norte. Para isso Trump impôs uma estratégia de máxima pressão, mas deixando para trás uma questão-chave: a violação de direitos humanos em um país submetido a uma asfixiante tirania hereditária.

A democracia não é o que importa. Nem a intervenção militar na Síria buscou um sistema político mais justo nem o cerco a Pyongyang tem como finalidade derrubar a tirania mais obscura do planeta. No jogo de Trump, o benefício vem em primeiro lugar. Se o Líder Supremo, filho e neto de ditadores, executor de seu tio e envenenador de seu meio-irmão, garantir a destruição de todo seu arsenal nuclear, o presidente dos EUA se consideraria vitorioso.

“A falta de democracia na Coreia do Norte não ameaça diretamente os Estados Unidos. Agora, que tenha armas nucleares, sim. A liderança é efetiva quando prioriza e enfrenta as ameaças uma a uma”, explica Jonathan Schanzer, vice-presidente do think tank conservador Fundação para a Defesa das Democracias.

É a doutrina da América Primeiro aplicada à política externa. Haverá intervenção para benefício próprio, não por ideologia. “Para mim, os Estados Unidos estarão sempre em primeiro lugar. Mas não queremos impor nosso modo de vida; não buscamos a expansão territorial, não pretendemos que todos os países compartilhem as mesmas vocações [...] Buscamos resultados, não ideologia. É realismo”, clamou o presidente em seu primeiro discurso no plenário da ONU.

Esse recuo representa uma garantia para seus rivais. Ninguém deve temer o choque com os EUA por uma questão política. Tampouco a Coreia do Norte. E isso lhe oferece garantias de sobrevivência se entregar as armas. “Para Washington, o sistema político norte-coreano não é uma ameaça nem há risco de que se propague. O perigo é sua capacidade nuclear”, indica Jenny Town, perita do Instituto EUA-Coreia da Universidade Johns Hopkins.

Sob essa perspectiva, Trump vai sentar-se à mesa com Kim Jong-un com um único objetivo: a desnuclearização. O passo, porém, tem um efeito perverso. Legitima um regime que ele mesmo satanizou.

Tensionando o arco nuclear, o Líder Supremo passou de ser um pária na cena internacional, um tirano que promove um delirante culto à personalidade, a um estadista que fala de você para você ao presidente da nação mais poderosa do mundo. Que nas prisões de Pyongyang morram torturados os adversários políticos ou penem cidadãos norte-americanos deixou de importar. Se há três meses, no discurso da União, Kim era o ditador “mais opressor e brutal” do mundo, agora é um homem “muito honrado”, como Trump o qualificou na terça-feira.

A cambalhota é arriscada. Nem Bill Clinton nem George W. Bush se atreveram a pisar solo norte-coreano em suas fracassadas negociações. A repugnância que os antecessores de Kim Jong-un causavam, assim como sua baixa confiabilidade, impediram. “Nada é fácil com a Coreia do Norte. Não se pode esquecer que esse regime renegou outros acordos em três ocasiões. E até com este novo líder a natureza do regime mudou pouco”, explica Schanzer.

Para se blindar das críticas, o cara a cara foi apresentado pela Casa Branca como uma vitória norte-americana. O bem-sucedido fruto de um embate global. “Faço o que deveriam ter feito outros presidentes”, se vangloriou Trump.

Tão logo chegou ao poder, o republicano pôs em marcha sua estratégia “de pressão máxima”. Sanções, manobras militares, ameaças diretas contra a Coreia do Norte. “Se nos virmos obrigados a nos defender, não teremos outra opção a não ser destruir totalmente a Coreia do Norte. O homem-foguete está em missão suicida consigo mesmo”, afirmou o mandatário dos EUA na ONU em setembro.

O enfrentamento fez o planeta tremer. Enquanto o cerco se estreitava, o Líder Supremo acelerou seu programa atômico e balístico. Testou a bomba de hidrogênio e conseguiu mísseis capazes de alcançar Washington. “Vou domar com fogo o velho gagá americano”, bramou Kim.

A corrida, apesar dos discursos inflamados, não ia ser muito longa. Em um país com um PIB per capita quase cem vezes menor que o dos EUA, não só o esgotamento econômico logo causou danos, como também a Coreia do Norte perdeu seu principal sustentáculo: a China, que absorve 90% de suas exportações, deu seu apoio a Trump.

Exausto e isolado, Kim tirou forças da fraqueza e mudou de rumo. Definiu o país como “Estado nuclear” e buscou a legitimidade por outra via. Aproximou-se de Seul, visitou Pequim, anunciou o congelamento do programa armamentista, recebeu o diretor da CIA e nesta sexta-feira cruzou pela primeira vez a fronteira e abraçou o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, com a promessa de restaurar a paz na península e desnuclearizá-la.

Finalizada a cúpula coreana, agora chega a vez do cara a cara entre Trump e Kim. A Casa Branca sugeriu que o encontro será no início de junho, mas ainda não se concretizou data nem lugar. Tampouco demonstrou muita euforia. A cautela continua sendo alta.

“A cúpula coreana, embora possa ajudar a reduzir o ceticismo sobre Kim, não torna necessariamente mais fáceis as negociações com Washington. Kim não se comprometeu por escrito e restam muitas dúvidas sobre como e quando será a desnuclearização”, explica Jenny Town, a especialista da Universidade Johns Hopkins.

Nesta etapa final, a estratégia da Casa Branca passa por não baixar a guarda. Apesar de a beligerância verbal ter diminuído, as sanções e as manobras militares foram mantidas. A intenção dos falcões é chegar à mesa de negociação exibindo músculo. Tanto a operação militar na Síria como a pressão contra o pacto nuclear com o Irã o ajudaram nessa meta.

“Mas que ninguém se engane, não há forma de a Coreia do Norte entregar suas bombas, rápida e facilmente. A questão é qual acordo provisório será aceito, como vamos verificá-lo, o que Pyongyang tem de entregar para se tornar confiável na primeira fase”, afirma Michael O’Hanlon, especialista do Brookings Institution e antigo assessor da CIA.

As incógnitas são muitas e Trump não respondeu a quase nenhuma. Esta opacidade alimenta os temores. A partida, pela própria dimensão, pode ser um precipício político para ambos os líderes. Um fracasso reabriria a escalada nuclear. Mas desta vez sem opção de diálogo.

O acordo com o Irã, na corda bamba

Os falcões se aninharam na Casa Branca. Depois da derrota da ala moderada, tanto o novo secretário de Estado, Mike Pompeo, como o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, consideram que uma ruptura do acordo nuclear com o Irã teria uma alta rentabilidade política. Não só seria cumprida uma promessa eleitoral, mas também permitiria a Donald Trump chegar cara a cara com Kim Jong-un com maior força.

O presidente tomará a decisão em 12 de maio. Mas nos últimos dias não deixou de atacá-lo. Diante do presidente francês, Emmanuel Macron, o qualificou de “ridículo, insano e ruinoso” e diante da chanceler (primeira-ministra) alemã, Angela Merkel, tachou o regime de Teerã de assassino. Uma linguagem muito distante da empregada agora com a Coreia do Norte. E isso apesar de que, como lhe recordou Macron, foi um acordo firmado por iniciativa norte-americana e que conta com a assinatura da França, Alemanha, Reino Unido, China e Rússia.

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